Todos vivemos em Suzano

Opinião Pública | 20/03/2019 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print
Share Button

Depois da barulhenta exposição midiática que costuma acompanhar eventos como a tragédia ocorrida na escola em Suzano, temos o desafio de impedir que os fatos simplesmente se percam na banalidade do banquete de notícias que consumimos diariamente. Diante de fatos tão sombrios, que beiram ao absurdo, depois de uma fase de absoluta consternação e luto, necessitamos buscar luzes e curar as feridas, para reencontrar esperança e redenção.

Quando fatos tão contundentes atropelam o ritmo apressado das nossas ocupações cotidianas, nos forçando a contemplação dos horrores que nos amedrontam, somos colocados diante daquelas grandes questões humanas, a que cada geração é chamada novamente a responder: “quem somos?”, “para onde vamos?”, “qual o sentido da vida e da morte?”, “como ser feliz?”, “como vencer o mal?”. Sem enfrenta-las, corremos o risco de sermos esmagados pela crua irracionalidade dos fatos, nos perdendo numa indiferença fria, num desânimo apático ou, ainda pior, numa revolta impotente, cheia de ressentimento e ódio.

Este parece ser o perigo da nossa “civilização do espetáculo” (expressão do escritor peruano Mário Vargas Llosa), que nos entorpece com sua excessiva oferta de prazeres e diversões fáceis e instantâneas, nos imunizando contra toda reflexão e responsabilidade. Numa inversão do ensinamento de Sócrates, para quem “a vida não examinada não vale a pena ser vivida”, para nós, a vida não vale a pena ser pensada, mas desfrutada. Assim, consternados, somos obrigados a confessar a enorme fragilidade da nossa civilização, que ostenta toda a potência de tecnologias e abundâncias materiais que o mundo jamais viu, mas que nesta hora crucial nos deixa completamente desamparados.

No prefácio do clássico “Sabedoria dum Pobre”, escreve Elói Leclerc: “‘Nós perdemos a simplicidade’ – talvez seja esta a mais terrível das acusações pronunciadas contra o nosso tempo. Dizer isto não é necessariamente condenar o progresso da ciência e da técnica de que o nosso mundo tanto se orgulha. […] Mas é reconhecer que este progresso não se realizou sem um detrimento considerável no plano humano. […] Perdendo esta simplicidade, [o homem] perdeu também o segredo de ser feliz. Toda a ciência e todas as suas técnicas o deixam inquieto e sozinho. Sozinho diante da morte. Sozinho perante as suas infidelidades e as dos outros, no meio do grande rebanho humano. Sozinho na luta contra os demônios que o não largam”.

Este é o grito solitário que ressoa de Suzano. Pois oferecemos o “espetáculo” aos nossos jovens, mas os deixamos sozinhos diante dos grandes enigmas da vida. Nós nos empenhamos em oferecer a eles todas facilidades de bens e diversões, mas os deixamos sozinhos diante dos desafios e perigos do mundo. Nós escolhemos curtir com eles como seus amigos, a exercer as nossas duras obrigações de pais. Nós negligenciamos a educação e o cuidado que mereciam, por estarmos ocupados demais.

Agora precisamos parar e fazer silêncio para ouvir o grito que vem de Suzano, porque ele vem da nossa própria casa. Ouvir o grito desesperado das nossas crianças e jovens, tragicamente entregues à depressão, ao uso de drogas, à violência, a sexualidade desregrada, a desmotivação generalizada pela vida. Nem todos compreenderão o chamado que nos vem desta tragédia, mas aqueles ouvidos que ouvirem precisam ter a coragem de assumir os erros e se levantar contra as hordas maléficas que nos ameaçam, para reafirmar a nossa aliança vital com os verdadeiros valores da vida, do bem, do amor, da beleza, da família, do trabalho, da fé.

São estes valores simples e fundamentais, profundamente enraizados em nossa natureza, os únicos capazes de socorrer os nossos jovens. São eles que respondem àquelas perguntas fundamentais que dão sentido à vida, oferecendo um firme chão para as alegrias e consolo real para os sofrimentos. São sempre eles que se levantam como fortalezas para nos proteger de todo o mal e destruição que nos desumanizam. Por isso, precisamos cultivá-los com zelo e dedicação, como fizeram os nossos antepassados, para transmiti-los aos nossos filhos como um inestimável legado, enchendo seus corações de esperança e entusiasmo, para que sejam capazes de abraçar o desafio da vida.

João Marcelo Sarkis, analista jurídico, gestor do núcleo de Direito do IFE Campinas.
e-mail: joaosarkis@gmail.com

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição de 20 de março de 2018, Página A2 – Opinião.