Tendências da estação


Não temos mais paciência para esperar o tempo das coisas. Aos poucos vamos nos acostumando aos vínculos passageiros. Enquanto aprendemos algo, sabemos que dentro de alguns meses o conhecimento se tornará obsoleto. O que nos ensinam como verdade no dia de hoje, não terá o mesmo valor no amanhã. Apaixonamo-nos já preparados para a separação e há encontros que duram apenas uma noite. O divórcio converte-se em uma etapa natural da vida, como uma dolorosa e inevitável passagem. As amizades duram enquanto duram as conveniências ou as convergências de opinião. Não temos tempo para encontrar amigos e familiares, mas os cultivamos à distância, em computadores e telefones celular. Vamos pouco a pouco aprendendo que as coisas e as pessoas são descartáveis. Assim com os objetos da casa, que mudam todos os anos, ou os carros, que precisam se atualizar, ou os livros da estante, que acompanham os lançamentos. Tudo está mais acessível, mais barato, mas menos durável.

Não sabemos mais o que é uma vizinhança, embora o mundo nos pareça pequeno demais. Temos centenas de amigos de internet, mas não conhecemos nossos vizinhos de parede. Não fazemos mais visitas por visitar, não temos histórias no bairro em que vivemos, não vamos mais à pracinha da esquina. Praças tornaram-se lugares perigosos, preferimos o isolamento e o conforto dos muros de um condomínio fechado. Temos medo, muito medo. Não apenas dos bandidos e dos ladrões, mas também de médicos, advogados, professores, garis. Sabemos que a esperteza e a malícia foram eleitas em primeiro lugar e que muitos estão à procura de uma vantagem pessoal, custe o que custar. Por princípio, não se pode confiar. Sabemos, antes mesmo de sair de casa, que muito provavelmente não seremos tratados como gente. Temos medo, muito medo dos outros. Perdemos a confiança nas pessoas e nas instituições.

Não levamos mais a sério o governo, as escolas, os hospitais. Eles estão entregues aos corruptos, aos gananciosos, aos imbecis, sem que nos abalemos com isso. As notícias não nos impactam mais. Vamos nos acostumando às tragédias. As imagens dos jornais são exatas e precisas, mas nos endurecem e vulgarizam os fatos. Estamos sufocados pelos fatos e pelas notícias. Diariamente milhares de dados estranhos invadem nossas casas e nossas vidas. Choramos pelas vítimas distantes de um furacão, mas passamos indiferentes pela doença que acomete algum colega. Desejamos salvar os esfomeados da África, mas não nos importamos com a vida pessoal dos nossos empregados e patrões. Queremos ser profissionais, estritamente profissionais. A eficiência e a produtividade são os critérios válidos das nossas decisões.

Nossos sonhos transformam-se, aos poucos, em sonhos de viagens, carros, carreira, riqueza. Tudo, é claro, temperado com toques de engajamento social e discursos politicamente corretos. Não queremos mais uma família que nos aborreça e nos obrigue, mas amamos a humanidade. Rejeitamos os filhos-problema, pois os queremos líderes, belos e talentosos, mas apoiamos em nossas redes sociais as mais diversas causas humanitárias e ambientais.

Acima de tudo, zelamos, cuidadosamente, por nossas redes sociais: magros, vestidos em roupa fina, corpos torneados, em belas paisagens internacionais, assim anunciamos o nosso sucesso, com alegria transbordante e consciência moral. É preciso rir, rir muito, rir alto, sem fazer da vida algo muito sério. A vida não serve se levada a sério. Por isso, festejamos bêbados, e, pelo menos, aos fins de semana. Fazemos campanhas pela liberação da maconha e não nos importamos com os jovens frustrados e deprimentes que diariamente se perdem nas drogas. Porque nossa maior preocupação é gozar a vida e a existência. E este é o grande sentido e o “barato” da vida. Porque ela passa, dura pouco, muito pouco. As coisas e as pessoas passam, não duram, são descartáveis. Esta é a nossa moda. E é preciso, primordialmente, estar na moda. E a moda, todos sabemos, não dura mais que uma estação.

João Marcelo Sarkis, analista jurídico do Ministério Público de São Paulo, gestor do núcleo de Direito do IFE Campinas. (joaosarkis@gmail.com).