Tapetão, ideologia e totalitarismo

Sem Categoria | 01/07/2015 | | IFE CAMPINAS

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Há pouco, nas câmaras de vereadores de inúmeros municípios, tramitou o projeto de lei que dispõe sobre o Plano Municipal de Educação (PME). Sua versão federal, o Plano Nacional de Educação (PNE), que, inclusive, serve de base para os planos municipais, foi intensamente discutida em Brasília no ano passado, oportunidade em que a proposta da ”igualdade de gênero”, foi amplamente rechaçada e retirada toda linguagem nesse sentido de seu texto final.

A proposta da citada igualdade, encampada pelo MEC e apoiada na ”teoria de gênero”, perdeu a partida, em dois tempos – Câmara e Senado – na arena democrática do parlamento nacional, culminando com a edição da Lei Federal 13.005/14, que instituiu o PNE. Mas o time derrotado não se deu por satisfeito e partiu para o terceiro tempo, de maneira a contornar a vontade majoritária contrária, expressada pela voz da democracia representativa.

Numa manobra que deixaria o famoso advogado do tricolor carioca com inveja, a Conferência Nacional da Educação (CNE), onde o MEC atua incisivamente, elaborou um documento-base para a formulação dos planos municipais. A proposta de ”igualdade de gênero”, derrotada em Brasília, reaparece contundemente, a fim de ver triunfada nos municípios. Inclusive, em Brasília, embora seja um distrito. O tema, que foi expulso da casa da democracia pela porta da frente, retorna pela fresta do basculante do porão dos fundos. Nem o dito advogado faria uma chicana melhor. Ou, sob um certo ângulo, pior.

Alguém mais desavisado poderia questionar a insistência do MEC nesse sentido. Segundo o MEC, a ”teoria de gênero” seria uma forma bem concreta de tutela das minorias e sua adoção, como proposta pedagógica, seria um avanço civilizacional em respeito aos direitos humanos. Contudo, a ”teoria de gênero” é tão arbitrária quanto a chicana que procura favorecê-la.

A ”teoria de gênero” defende a total irrelevância do dado biológico, com seus componentes fisiológicos, psíquicos e psicossomáticos, na constituição da identidade sexual do indivíduo. Ela simplesmente elimina, sem qualquer critério científico sustentável, esse dado como premissa epistemológica no estudo da sexualidade humana.

Nesse sentido, não existiria um gênero só (humano), fundado em dois sexos (feminino e masculino). Agora, seriam dois sexos, determinados naturalmente (masculino e feminino), com uma infinidade de gênero, entendido como os papéis sexuais exercidos pelos indivíduos na sociedade no curso da história (heterossexual, homossexual, bisexual, transsexual e outros).

O gênero do indivíduo seria uma elaboração estritamente pessoal e cambiável ao longo de sua existência, toda vez que ele ˜descobrisse-se” pertencente a esse ou àquele papel sexual. Então, como efeito, o dado biológico seria uma dimensão aprisionante, da qual o indivíduo deveria libertar-se histórica e culturalmente em prol de sua emancipação sexual.

Ao ignorar, solenemente, o dado biológico e, somado a isso, transformado o CNE numa espécie de um tapetão para chamar de seu, a aludida teoria começa a deixar a cair a máscara pedagógica para mostrar sua faceta ideológica, porque, além de carecer de cientificidade, ainda atua em favor do proselitismo de uma concepção única da sexualidade, tomada a partir das premissas do movimento feminista de gênero.

Percebemos claramente que, se o combate à toda forma de injusta discriminação impõe-se em nossa realidade social, por outro lado, não é por intermédio da instituição governamental de um único modo de pensar, ver ou sentir à sociedade que isso será superado. Essa postura tem o nítido aroma da intolerância, tal como tudo que namora com o totalitarismo político: as notações desse aroma são a mordaça ao pensamento divergente, a mobilização do patrulhamento inquisitório e a ridicularização do adversário na arena dialógica.

No meio desse cenário composto por tapetão, ideologia e pendor totalitário, notamos que seus artífices são incapazes de lidar com nossa rica diversidade democrática, bem avessa à canga da prosápia que sustentam, porque um verdadeiro e próprio democrata deveria apenas pensar que posicionamentos opostos nada mais são que outros modos de pensar de outros cidadãos, os quais têm tantos direitos quanto ele. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 1/7/ 2015, Página A-2, Opinião.

http://correio.rac.com.br/index.php?id=/colunistas/andre_fernandes