Tamanho não conta

Opinião Pública | 07/09/2016 | | IFE CAMPINAS

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Na sessão final do processo de impedimento da ex-presidente, malgrado sua aprovação, pudemos notar que, em termos circenses, o Senado Federal não ficou muito atrás da inesquecível sessão que fez culminar a primeira parte do mesmo processo, dado no plenário da Câmara do Deputados. No afã de se reconhecer as lambanças criminais da ex-presidente, outras exóticas lambanças foram cometidas nas duas sedes de nosso sistema bicameral.

Na Câmara, fomos brindados pelas mais curiosas invocações disso e daquilo no momento da votação final, a demonstrar o baixo nível vocacional e moral de nossos deputados. Antes fosse só isso. Agora, no Senado, um rol de personagens da vida política, dado a desfilar na passarela do código penal, aproveitou a ocasião para nos oferecer um gran finale típico das repúblicas bananeiras. Com o beneplácito judicial, para meu assombro, porque, ao final, servirá para se perpetuar a impunidade que caracteriza nosso sistema político. Resta saber se, comparativamente, o tamanho de cada uma das lambanças conta.

Ao prever que, no julgamento pelo crime de responsabilidade de um presidente, a condenação “somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, limitando-se à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”, a Constituição, nesse artigo, atribui ao Senado a missão de julgar o réu por um quórum qualificado e, ao mesmo tempo, retira-lhe a capacidade de dispor sobre as consequências do julgamento, tidas como efeito necessário no caso de condenação.

Salvo se o sentido semântico da preposição “com” ganhou significado oposto àquele que está na cabeça de todo ser alfabetizado na língua portuguesa, não dá para concluir outra inferência, na interpretação deste artigo, senão que a inabilitação para o exercício de função pública acompanha, necessariamente, a perda do cargo de presidente. Mas aquele rol de personagens resolveu inovar e “fatiou” a votação final em dois quesitos. A racionalidade jurídica também restou fatiada: eu vi uma “emenda constitucional” (rectius: processo informal de mutação constitucional) sendo “elaborada” por um “acordão” autorizado pelos presidentes do Senado e do STF. Para desespero do Direito Constitucional.

Para Popper, o mecanismo do impedimento, nas democracias ocidentais, é um problema eminentemente prático: ele procura remover os maus governantes sem derramamento de sangue. Por aqui, creio que nosso filósofo diria que o impedimento também é um problema eminentemente semântico: com a carta constitucional reescrita por um bando de ilustrados manetas na língua portuguesa, o resultado da ópera – bufa e trágica – havida no Senado poderia ser assemelhado a alguém que foi demitido por justa causa, mas que poderá sacar o FGTS e receber o seguro-desemprego.

O episódio da votação final expõe a inesgotável capacidade da classe política nacional de trair a confiança dos cidadãos brasileiros e corrigir uma lambança com outra é apenas uma forma de perpetuar nossa perplexidade diante desse cenário político em que vivemos. Ao cabo, quem disse que o tamanho não conta, não estava a pensar no Brasil: gigante pela própria natureza e pelas próprias lambanças morais de seus políticos.

Nessas turvas sendas, notamos que suas entrelinhas servem para retratar a desfaçatez dos políticos de Pindorama por seus habitantes. Aqui, tamanho também não conta, sobretudo quando a conta do castigo pelo crime – a inabilitação – vira um tamanho “pindura”, já que, afinal, “não é possível se viver com uma aposentadoria de cinco mil reais”, “não podemos ser desumanos” e, ainda, “corre-se o risco de sequer se assumir um cargo de merendeira de escola pública”.

Respondo à minha indagação. O tamanho das pedaladas ficou ofuscado pelo tamanho do caradurismo do golpe final. Aliás, de fato, tudo não passou de um golpe, cujo tamanho também não conta. Um golpe de mestre contra a Constituição Federal (agora, Constituição Fatiada), porque foi perdido o cargo público, mas não o direito de se permanecer público num outro cargo. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicano no jornal Correio Popular, edição 07/09/2016, Página A-2, Opinião.