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A lição de uma trégua

Opinião Pública | 16/01/2019 | | IFE CAMPINAS

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Eu deveria escrever um artigo de opinião, tomar posição diante de assuntos polêmicos que estão na pauta nacional. Ocupar o espaço, diriam, para uma militância necessária e urgente. É tempo de empunhar a espada, elevar gritos de ordem, exercer a cidadania. Mas, hoje, gostaria de mergulhar um pouco mais profundo, longe da confusão de narrativas que invade diariamente o nosso noticiário. Estou farto de discursos de opiniões convictas e suspeito que se algum discernimento não nos socorrer, de nada valerá todo esse esforço de convencimento.

Se ainda fosse dezembro, eu traria comigo a esperança de uma “Trégua de Natal”, como naquele histórico episódio ocorrido na véspera do Natal de 1914, durante a Primeira Guerra Mundial, quando os soldados ingleses e alemães, tomados pelo espírito natalino, depuseram as armas. Conta-se que os ingleses começaram a cantar canções natalinas e, imediatamente, os alemães se uniram ao coral. Com a promessa recíproca de cessar fogo, aos poucos os soldados foram deixando as trincheiras para trocar presentes, bebidas, chocolate, cigarros, chegando até mesmo a jogar futebol. Estima-se que durante os dias de trégua cerca de 100 mil soldados deixaram de lutar.

Com esta trégua, não quero fazer coro às ideologias pacifistas. É verdade que, às vezes, a guerra é que garante a paz e o sacrifício da vida, a própria vida. Mas este episódio magnífico faz pensar que mesmo uma guerra justa e legítima jamais pode abandonar aqueles limites que tocam a nossa própria humanidade, sob pena de perder todo o seu sentido. Não devemos esquecer, como diz Chesterton, que “o verdadeiro soldado luta não porque odeia o que está à sua frente, mas porque ele ama o que está atrás”, isto é, o sentido da sua luta não é a destruição do inimigo, mas a preservação e o sustento do que ama. Por isso, a necessidade do combate contra o seu semelhante pesa-lhe sobre os ombros como remédio amargo, que aceita com responsabilidade, estritamente por amor ao bem e à verdade, jamais pelo ódio, pela vaidade de vencer ou pela cobiça de conquistar.

Penso que esta é uma lição importante para a atual momento político brasileiro, em que temos visto um acirramento do debate político-ideológico que, embora saudável para a nossa democracia, também deve se pautar por estes mesmos princípios, sob pena de a busca pelo bem comum, finalidade precípua da verdadeira política, degenerar numa luta cega pelo poder. Infelizmente é o que acontece quando o exercício da política é dominado pera mera militância ideológica.

As ideologias tendem a produzir fanáticos que, seduzidos por narrativas prontas e simplificadas da realidade, nada mais fazem que bradar os mesmos lemas e bandeiras, como cães adestrados, sem espaço para a reflexão racional e o livre debate. Absorvidos pela narrativa do “partido” e convencidos da superioridade moral dos seus membros, passam a considerar qualquer um que pense diferente um inimigo a ser combatido, entrando em um perigoso jogo de “nós contra eles”. Sua grande tarefa não é enfrentar os problemas concretos que a realidade apresenta, em prol do bem comum, mas simplesmente implantar uma agenda pronta e destruir tudo o que a contrarie, custe o que custar.

Esse modo de pensar e agir é uma real ameaça à democracia e combatê-lo é um dever, mas devemos resistir ao impulso de utilizar os mesmos meios, aceitando os pressupostos de uma guerra inescrupulosa e irracional. No atual contexto brasileiro, fica o convite de não nos esquecermos da lição daquela “trégua de natal”, para impedir que nossas convicções políticas extrapolem os seus limites, justificando brigas em famílias, rompimento de amizades, disseminação de mentiras e fake news, destruição de reputações e atos ainda piores.

Definitivamente, os fins não justificam os meios e uma luta política que não se fundamente na ética, na honestidade, no respeito ao próximo e à coisa pública, no debate livre e racional de ideias, perde completamente o seu sentido. Que o motor da nossa cidadania não seja o fanatismo das ideologias, o ódio pelo outro ou a cobiça pelo poder, mas a busca pelo bem comum, o amor ao próximo, à pátria e aos valores que nos sustentam.

João Marcelo Sarkis é analista jurídico e gestor do núcleo de Direito do IFE Campinas.
E-mail: joaosarkis@gmail.com.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição de 16 de Janeiro de 2018, Página A2 – Opinião.