A morte é possivelmente a realidade mais certa de nossas vidas e, contraditoriamente, uma das menos refletidas. É bem verdade que não faz muito sentido pensar melancolicamente sobre a hora de nossa partida, pois seu dia é tão incerto quanto à certeza de sua vinda. Refletir saudavelmente sobre a morte deve nos instigar a meditar sobre o sentido da vida e a maneira como viveremos.
Há dois meses perdi o maior e melhor homem da minha vida: meu querido pai. No dia do sepultamento, logo após a missa, pude ler algumas palavras que o coração arduamente permitiu que fossem expostas às centenas de pessoas que compareceram para se despedir do querido “Toninho”.
Quando sentei para escrever, não tive dúvidas da primeira frase: “Meu pai morreu do jeito que viveu: se sacrificando até o último segundo pela família que tanto amava”. Nas últimas 24 horas de vida de papai, vejo um retrato fiel do que foi sua vida inteira.
No sábado de manhã, véspera de seu falecimento, acordou cedo e foi assistir a missa matinal com a esposa e alguns filhos, conforme seu hábito diário. No período da tarde, meus pais receberam em casa dezenas de casais do curso de formação para casais jovens que coordenavam – afinal, depois de 11 filhos, 35 anos de casados e de muitas dificuldades e alegrias compartilhadas, tinham alguma experiência no assunto. Acabada a aula, meus pais ainda ficaram horas arrumando toda a casa e preparando nosso jantar. Disse que acordaria as 3h:00 da manhã do domingo para fazer um bate e volta a praia (que fica a 3,5 horas de distância), pois fazia tempo que não íamos em uma e já estávamos com saudades.
Foi dormir mais cedo, mesmo com muitas dores nas costas, indicativas do infarto que o levaria no dia seguinte. Chegamos domingo cedo em Ubatuba, assistimos a uma belíssima missa e passamos horas muito gostosas na praia que para sempre ficarão na memória. Ao meio dia, rezou a oração do Ângelus, que os católicos tradicionalmente rezam nesse horário, abraçadinho na areia da praia com mamãe, enquanto comtemplavam a imensidão e a beleza do oceano. Uma hora mais tarde, sua vida e missão nessa terra chegaram ao fim e nos deixou.
Assim, vejo nas últimas horas de meu pai o que sempre fez em vida: serviu à sua Igreja, serviu aos outros, serviu à sua família e através desses todos, serviu a Deus. No fundo, sua vida de serviço era uma vida de amor e por isso deixou marcas no coração de muitas pessoas.
Até hoje ainda choca descobrir a quantidade de pessoas que esse homem atingiu. Frequentemente, me deparo com alguma pessoa que nunca conheci e que me fala da gratidão que tinha por papai, por alguma ajuda que ele fez no passado. Nessas horas, me pergunto: “Meu Deus, como esse homem tinha tempo de rezar, trabalhar arduamente para nos sustentar, ser um pai presente aos seus 11 filhos, marido fiel e companheiro de sua esposa e ainda ajudar tantas pessoas?” “É possível que o amor expanda não somente o coração, mas também o tempo de uma pessoa?”
Olhando para a trajetória de meu pai, enxergo a concretização máxima daquele primeiro ponto de meditação do livro “Caminho”, escrito pelo santo que papai tinha piedosa devoção, São Josemaría Escrivá: “Que a tua vida não seja uma vida estéril. – Sê útil. – Deixa rastro. – Ilumina com o resplendor da tua fé e do teu amor”.
Talvez existam várias boas respostas sobre o sentido da vida, mas eu sei que presenciei, na privilegiada condição de filho, o amor dar todo sentido – e felicidade – na vida de um grande homem. Eu te amo meu pai. Obrigado por ter me dado, com todos os seus defeitos e qualidades, o melhor modelo de amigo, marido e pai. Enche-me de honra e o orgulho ter sido seu filho. Descanse em paz!
Marcos José Iorio de Moraes é bacharel em história pela Unicamp, advogado e membro do IFE Campinas (marcos.jimoraes@gmail.com)
Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 02/01/2019, Página A-2, Opinião.