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O seu filho escreve mal?

Opinião Pública | 11/05/2015 | | IFE CAMPINAS

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Sem título

Como professor de Redação, corrijo inúmeros textos por semana. Nem sei quantos em um ano. Há oito anos realizando o mesmo ofício, gostaria de compartilhar com os pais algumas observações e experiências que podem ser esclarecedoras.

Antes, porém, gostaria de fazer duas ressalvas importantes: há jovens que não escrevem bem porque apresentam algum problema cognitivo; outros devido a um temperamento ativo, os chamados SP’s pela caracterologia, e pouco propensos a algo que não esteja ligado à ação imediata. Salvo essas exceções, vamos às considerações.

A primeira é a de que o ambiente no qual o agora jovem cresceu e hoje se desenvolve é muito relevante para uma boa escrita. Não estou sozinho nessa afirmação. O livro “Dificuldades de aprendizagem de A-Z”, escrito pela PHD na matéria, Corinne Smith, relata diversas pesquisas a esse respeito. Uma delas concluiu que crianças órfãs com sérios problemas tinham o Q.I. aumentado por terem sido adotadas por famílias de inteligência normal. As que permaneciam em instituições experimentavam um declínio no desempenho cognitivo.

Diretamente relacionado ao ambiente, está o fato de que crianças que crescem em lares nos quais o idioma é falado de forma incorreta têm problemas na interpretação de texto e na escrita. Outro ponto relevante nesse sentido é o excesso de televisão, que também afeta essa capacidade. Hoje, até mais do que a TV, é possível constatar que o celular é a principal fonte de entretenimento dos adolescentes. Pode-se até mesmo falar em vício. Basta observar o segundo em que o professor fala que a aula acabou. A primeira coisa que fazem é ligar o celular. Parecem pessoas extremamente ocupadas que têm de resolver uma questão de vida ou morte.

Mas seus pais também não agem da mesma forma?

Essas novas tecnologias podem ser ocasiões de conhecimento. Mas devo confessar que acabam sendo mera distração. E pouco qualificada. Afinal, os textos escritos nesses dispositivos têm de ser quase que “telegrafados”. Mutilam o idioma e, se hoje muitas linhas são escritas, o são de forma ruim. Portanto, as novas tecnologias podem ser benéficas, mas o fato é que são utilizadas apenas como passatempo. Via de regra, de má qualidade, ou seja, com pouca ou nenhuma profundidade e sem relevância para a vida de qualquer um, inclusive a dos jovens.

Outro fator ligado ao ambiente diz respeito às relações entre pais e filhos. Se todos estão ao celular, ninguém está conversando. Os pais narram aos filhos histórias de família, especialmente às crianças, que tem um grande interesse por elas? Os pais contam aos filhos adolescentes as alegrias e as dificuldades da vida profissional? Quando um pai diz ao filho que ele não sabe o esforço que tem de fazer para o filho estudar, temo que seja verdade. O jovem não sabe porque ninguém fala com ele.

O que escrevi tem influência direta na qualidade do texto. Um aluno que passa horas na televisão, no celular, “mexendo” no computador pouco lê. Claro, visto que ler exige algumas capacidades que a passividade dos outros meios. Exige concentração, determinação para não abandonar a leitura e reflexão para compreender o que foi lido. Vídeos tolos de internet não possuem essa exigência.

Consequentemente, o aluno que pouco lê, pouco pensa. Sem ofender ninguém, visto que aqui o pensar significa visão crítica. Se não lê e não conversa com os mais velhos sobre assuntos relevantes, sabe-se, desde Aristóteles, que escreveu na Retórica que os jovens “adoram gracejos”, que buscarão o prazer imediato.

Poderia ter escrito sobre técnicas que um pai poderia ensinar ao filho, qual o melhor livro para ler, etc. Porém, esse é o trabalho do professor em sala de aula. Sem dúvida o professor é importante. Decisivo. Mas para que um aluno possa ser um cidadão completo, que interfira de modo consciente e positivo na sociedade, não basta. Os pais sempre serão mais. Devem ser mais. É bom que sejam mais.

Muitos alunos, digo com alegria, dizem que eu sou um professor de quem eles gostam. Mas é a vocês que eles amam.

 

Eduardo Gama é mestre em Literatura pela USP, jornalista, publicitário e membro do IFE-Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 09/05/2015, Página A2 – Opinião.

A beleza do amor

Opinião Pública | 03/11/2014 | | IFE CAMPINAS

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Nas minhas aulas de Redação, tenho por gosto que meus alunos escrevam memórias de infância. Quase sempre tenho a oportunidade de ler histórias divertidas, como a da menina que, brincando de esconde-esconde, resolveu trancar-se no porta-malas. Horas depois, foi descoberta dormindo pelos pais aflitos.

Em uma aula, porém, uma situação muito diferente aconteceu. Uma aluna veio até mim e disse não ter nada para escrever. Respondi ser impossível: “Nunca aconteceu nada de marcante na sua vida, algo diferente, divertido?” Nada, foi a resposta. Mas o rosto dela estava triste. Talvez tivesse algo em mente.

Para minha surpresa, a aluna voltou para o seu lugar e escreveu rapidamente o texto e me entregou. Melhor, quase jogou a folha sobre mim. Em seguida, virou de costas, sentou-se e começou a chorar. Curioso, comecei a ler o texto ali mesmo. Contava a história da morte da mãe. Já me veio aquele mal-estar no estômago, característico da emoção. Segurei a lágrima e permiti que a garota fosse chorar no banheiro.

Na aula seguinte, chamei- a e disse que a redação estava excelente e que escrevera algumas palavras no fim.

Por se tratar de uma aluna jovem, de 14 anos, uma pergunta ficou martelando na minha cabeça: por que um sofrimento desses tão cedo?

Dei-me conta que o mesmo questionamento fora feito por um personagem revoltado de Dostoievski: Ivan Karamazov. No livro, esse personagem conversa com o irmão mais novo, que quer se fazer monge, Aliocha. Em páginas duríssimas de se ler, Ivan relata não se compadecer dos adultos que sofrem, pois teriam “culpa no cartório”. O que o revolta é o sofrimento das crianças. Por páginas, desfila atrocidades que Dostoievski lia nos jornais da época.

Resumindo de forma precária esse belíssimo momento da Literatura, Aliocha percebe pela primeira vez que o irmão não acredita em Deus. Não por causa da dor dos mais frágeis, mas por orgulho, pelo fato de nunca ter aceitado ter sido abandonado pelos pais quando pequeno. As grandes revoltas quase sempre têm motivos íntimos…

Para alguns leitores de Dostoievski, a resposta de Aliocha para os questionamentos de Ivan é decepcionante. Ele afirma: “Só aquele que sofreu tudo pode explicar tudo”, referindo-se a Cristo e ao Calvário.

Mais do que uma resposta, o que Aliocha indica é um caminho. Porque não há respostas prontas para o sofrimento, posto ser pessoal e intransferível. Quem sofre sou eu e sou eu quem tem de descobrir uma resposta, ou o sentido, não outra pessoa. Se não conseguimos nem medir o quanto a dor de cabeça de uma pessoa a nosso lado pode estar incomodando, quanto mais uma dor da alma!

O sofrimento, quando visto de longe, pode até ser incompreensível. De perto, pode até ser revoltante, mas jamais inútil, vazio e sem razão.

Voltando à história da jovem, não escrevi no fim do texto dela palavras de conforto ou qualquer coisa do gênero. Destaquei o que percebi na redação: a beleza do amor. A mãe dela, infelizmente, não está mais entre nós. Mas o que me comoveu, de verdade, foi a lembrança viva. Como escreveu Adélia Prado, “o que a memória ama fica eterno”.

Pode parecer paradoxal, mas o sofrimento, superada a autocompaixão, o vitimismo, aquela síndrome de “coitadinho de mim”, é belo. Aceito, heroico. Uma história que merece ser contada.

Eduardo Gama é mestre em Literatura pela USP, jornalista e publicitário e membro do IFE Campinas.

Publicado no jornal Correio Popular em 03 de Novembro de 2014, Página A2 – Opinião.