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A paz de Francisco

Opinião Pública | 17/04/2019 | | IFE CAMPINAS

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No dia 08 de dezembro de 2018, subi ao altar e entoei o “sim” à mulher mais especial de minha vida. Poucos dias depois, estávamos sobrevoando o Atlântico rumo à Itália, ansiosos para tudo que veríamos, conheceríamos e jamais esqueceríamos.

Quando me sentei para escrever este artigo, estava com a ideia fixa de fazer uma crônica, sob uma curiosa perspectiva, de um dos eventos mais desejados da Lua de Mel, o passeio de gôndola em Veneza. Contudo, tão logo comecei a recordar da viagem, os pensamentos foram se afastando do Mar Adriático e me levando ao coração de Roma, onde pude ter outra oportunidade inesquecível – essa sim, a melhor de todas – o encontro com o Papa Francisco.

Em preparação à viagem, consultei várias pessoas que também foram à Roma após se casarem, e aos poucos fui colecionando dicas de todos os tipos, especialmente àquelas que possibilitariam nosso encontro com o Sumo Pontífice. Quase todas as quartas-feiras do ano, o papa realiza audiências gerais sobre determinada temática. Qualquer pessoa pode participar, mas, para tanto, deve requerer com prudente antecedência os ingressos, gratuitos, através de um requerimento disponibilizado no site da Prefeitura do Vaticano e enviá-lo por fax (sim, é fax mesmo). Felizmente, existem muitos sites que ensinam e disponibilizam serviços de fax online.

Faltando aproximadamente um mês da data de audiência escolhida, o Vaticano retorna com um e-mail, confirmando a reserva e indicando o dia e o local para retirada dos convites. Agora vem a parte especial e que particularmente me interessava mais. Para àqueles que se casaram recentemente (nos últimos três meses), existe a possibilidade de ficar em uma sessão reservada aos noivos, na qual o papa cumprimenta e abençoa, ao término do encontro, todos os recém-casados pessoalmente. Basta realizar o mesmo procedimento de solicitação dos ingressos, se vestir a caráter no dia (homens de terno e mulheres de vestido de noiva), munidos, ainda, da certidão de casamento, caso solicitem.

Assim eu e minha esposa fizemos no dia 19 de dezembro de 2018. Acordamos cedo, vestimos os trajes do altar, chegamos à Praça de São Pedro e entramos no auditório pela entrada dos noivos, informada por um guarda suíço. A audiência em si foi muito especial, mas, sinceramente, o coração só ansiava pelo momento do encontro. Em frente aos noivos, havia ao menos duzentas pessoas que seriam cumprimentadas primeiramente, em sua maioria pessoas que padeciam de alguma enfermidade.
A cena foi marcante. Presenciar um homem de 82 anos, com um só pulmão, após uma hora de audiência, cumprimentar e ouvir cada pessoa como se fosse a única no recinto. Cientes de que era um momento único em nossas vidas, repassamos mentalmente, centenas de vezes, tudo o que gostaríamos de dizer ao Sumo Pontífice.

Quando o Papa terminou de cumprimentar o casal ao nosso lado e se virou para nós, a emoção tomou conta. Seguramos carinhosamente seu braço, o abraçamos, e começamos a pedir que abençoasse nossas famílias. Comecei mostrando uma foto de minha irmã e seu marido, sem os quais não teríamos conseguido realizar essa viagem. Enquanto falava, o papa sorria e nos olhava muito ternamente, até que sua expressão mudou quando mostrei uma foto de meus pais e expliquei, em espanhol, que meu querido pai havia partido da terra há então 2 meses. Nunca esquecerei o olhar de compaixão que o Papa Francisco me deu naquele momento. Percebi que ele podia não só compreender o valor de minha perda, mas senti-la também, compartilhando comigo, naqueles instantes, a dor de meu luto.

Ver as mãos do papa fazer com tanta compaixão e carinho o sinal da cruz para as fotos de minha querida família, em especial de meu amado e saudoso pai, fez emergir em mim muitos sentimentos inexplicáveis, mas, de todos, predominou a sensação de paz que ficou na alma.

Há alguns dias, vejo esse mesmo grande homem, um Chefe de Estado, de 82 anos e um só pulmão, se prostrar e beijar os pés dos líderes sul-sudaneses, implorando a seus irmãos que não voltassem à guerra civil, honrassem o recente – e frágil – armistício e ficassem em paz. Quando vi a cena em um vídeo, refleti interiormente: “esse é o Francisco que conheci, aquele que, por onde passa, afasta a dor e deixa a paz”.

Marcos Moraes é bacharel em História pela Unicamp, advogado e membro do IFE Campinas (marcos.jimoraes@gmail.com).

Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular, Edição de 17 de Abril de 2019, Página A2 – Opinião.