Enquanto aguardava por um bom tempo até o momento para ser atendido pela burocracia estatal, lia meu livro e, ao meu redor, pude observar que todos estavam nos celulares que, pelo ritmo frenético dos dedos, pareciam estar batendo papo pelas redes sociais. O que mais me chamou a atenção foi a idade média das pessoas ao meu redor. Todas oscilavam em torno dos quarenta, o que me fez intuir que, mesmo em minha geração, talvez, a leitura já não mais componha um hábito salutar.
Os livros, sobretudo os clássicos, sempre tiveram um peso importante no mundo ocidental. Ousaria dizer que somos uma civilização livresca, principalmente desde que Gutemberg resolveu aposentar os monges copistas e a tradição pedagógica essencialmente oral. Mesmo assim, os livros tiveram seus momentos trágicos: muitas fogueiras foram acesas com eles e muitos indexadores proibitivos serviram de canais de censura religiosa e totalitária. Inclusive, os povos que começam a tratar os livros tragicamente, como modo de agir, acabaram por estender o mesmo tratamento às pessoas. Apesar desses contratempos, o sentido da paixão pela leitura conseguiu sobreviver indene.
Ler sempre consistiu num hábito tradicional de se receber uma herança e transmiti-la. Nos dias atuais, ler deixou de ser um costume de envergadura e virou algo secundário ou mesmo supérfluo. Prefere-se estar diante de instrumentos tecnológicos, contentando-se a gastar o tempo na leitura de notícias. É mais cômodo. Ao cabo, acabamos por nos perder no meio de tanta informação descartável, sem absorver um conhecimento perene.
Por outro lado, o homem contemporâneo é um ser ocupado que não sabe encontrar remansos de paz no meio de nosso cotidiano frenético. Os momentos de ócio perderam-se, na medida em que esse mesmo homem está submetido a outras obrigações sociais e familiares. Para agravar esse quadro pouco animador, falta-nos ainda silêncio e paz interior. A voz da consciência, que clama pelo diálogo com os livros, é abafada, ininterruptamente, pelos fones de ouvido a todo volume. É sintomático que uma grande porcentagem de jovens não seja capaz de manter a concentração durante horas consecutivas.
O mercado editorial, com raras exceções, também não colabora muito. As megastores vendem pilhas de livros. Pilhas de livros iguais. As livrarias fora desse padrão, se já não fecharam ou foram engolidas pelas grandes cadeias, sobrevivem de poucos, mas fiéis, leitores, insuficientes para dar algum lucro ao negócio, pois não vendem games, cafés gourmets e livros de colorir, os quais não são literatura e sim um passatempo divertido.
Estamos formando uma nova geração que não tem o hábito de ler, porque prefere navegar na rede mundial de computadores. De fato, esta abre novas perspectivas de espaços para a cultura e encerra grandes potencialidades, sem inviabilizar por completo o mercado editorial de papel. Todavia, a internet descortina a tentação de achar que informação é sinônimo de formação, o que se dá somente com o acesso a obras de peso, horas na frente do livro e muito mais horas de reflexão depois.
Nunca é demais refletir sobre o lugar do livro no mundo deste século. Contemporanemente, mais que no passado, onde a televisão reinava sozinha, é indispensável que se proporcione, desde a aprendizagem mais elementar, uma verdadeira educação estética pelo livro, entendido como uma expressão escrita de penhor da cultura e da civilização. A experiência de perder-se num mundo com um tempo e um espaço próprios é uma viagem rumo à uma revelação interior que só o livro proporciona.
Sem isso, corremos o risco de a leitura tornar-se um hábito exótico ou clandestino. Quem sabe, até ser visto como o marco de uma “contracultura”. Precisamos, novamente, descobrir os livros. E, depois, quem sabe, ser descoberto por algum deles, na próxima vez em que nos dirigirmos à uma livraria ou biblioteca. Com respeito à divergência, é o que penso.
André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)
Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 10/6/2015, Página A2, Opinião.