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Cultura do encarceramento: o mito

Opinião Pública | 27/09/2017 | | IFE CAMPINAS

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Na última semana, assisti a um debate sobre segurança pública, repleto de sociólogos, representantes de organizações não-governamentais de direitos humanos e até mesmo celebridades globais. Não havia um representante da classe jurídica. Um juiz, um advogado ou um promotor. Quem sabe, foram barrados na entrada desse baile.

Afinal, basta um deles para trazer um choque de realidade ao mundo dos sonhos dos outros convidados, normalmente alimentado por filosofias vagas e muita maionese sociológica e, assim, causar um certo desconforto no ar, a exigir do moderador muito esforço na mediação e, das cabeças dos outros convidados, um certo cansaço intelectual em levar seus argumentos ao limite.

A discussão girou em torno dos mantras já surrados na midia: “encarceramento excessivo”, “prisão preventiva desnecessária”, “persecução penal racista”, “rigorismo judicial”, “garantismo ideológico”, enfim, todo um rol de expressões com um forte apelo hermenêutico e que partem de uma premissa antropológica bem clara.

O preso, provisório ou condenado, seria um indivíduo que expia uma culpa que não lhe pertence, mas que deve ser atribuída à sociedade. Em outras palavras, se o sujeito comete um latrocínio, a responsabilidade penal não seria dele, mas da sociedade que se omitiu em suprir suas necessidades existenciais básicas. Então, por isso, ele mereceria uma espécie de “alvará para delinquir”. O resto seria somente uma questão de escolha da vítima.

O erro dessa visão está no determinismo que lhe serve de suporte. A carência material pode presdispor alguém ao crime, mas nunca condicioná-lo, porque sempre há um momento em que o sujeito decide livremente pelo sim ou pelo não, o que se dá também quando sua consciência prevê o resultado e sua vontade diz não, mas ele assume o risco do mesmo resultado.

Voltemos ao debate. De todos aqueles mantras já citados, o “encarceramento excessivo” ganhou destaque. Aqui, convém fazer alguns esclarecimentos sobre essa mentira que, de tanto repetida, virou verdade, tomados a partir de nossa experiência no foro criminal e não de livros ou teorias românticas.

Antes, porém, recordemos ser o Brasil o país do “homicídio excessivo”. Por aqui, mata-se violentamente em torno de 60 mil ao ano e só 8% dessa estatística é apurada pela polícia. Em miúdos, existem 55 mil homícidios cujos autores jamais serão identificados e mesmo encarcerados. Logo, o Brasil é também o país da “impunidade excessiva”.

O mantra do “encarceramento excessivo” significa que se prende mais do se que deveria? Não necessariamente. Superlotação de presídio não decorre por causa do encarceramento excessivo. Trata-se de uma falácia dedutiva de causa falsa, mais conhecida como post hoc ergo propter hoc: todo antecedente é causa do consequente.

Superlotação de presídio tem, como causa, a omissão dos governantes na expansão do sistema penitenciário. Construir prisão não dá voto. Se existissem mais vagas, os presídios não seriam depósitos de pessoas. E, considerando que vivemos num país que mata mais que a guerra da Síria, o número atual de presídios só pode ser insuficiente. Não é porque uma geladeira está cheia de bebida que há bebida demais para a festa. A geladeira pode ser pequena e grande o número de convidados para a festa.

Alguém pode dizer que, com os presídios existentes, já temos a quarta maior população carcerária do mundo, donde decorreria, de novo, o tal argumento do “encarceramento excessivo”. Aqui, incide a mesma falácia anterior. O Brasil tem a quinta maior população do mundo e a posição que ocupa, em número absoluto, é algo extremamente razoável.

No ranking que interessa (ICPR – Institute for Criminal Policy Research) e não naquele dos números torturados pelos ideólogos do INFOPEN, o Brasil aparece na 32a posição, com 307 presos para cada 100 mil habitantes. É excessivo? Seguramente, não. Curioso notar que neste mesmo ranking, países menos populosos que o Brasil, como Cuba e Venezuela, aparecem na frente. Viva Castro e Maduro!

No Brasil, não vivemos da cultura do encarceramento. Vivemos da cultura da impunidade. Enquanto for assim, afirmo categoricamente que o Brasil prende de menos. E, caro leitor, se ainda achar o contrário, minha sugestão é a de que ponham os presos – essas “vítimas” do punitivismo estatal – para trabalhar: farão muito mais pelo país do que sociólogos, artistas, ativistas de direitos humanos e alguns juízes para a democracia que os querem soltos. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes. Ph.D., é juiz de direito, professor-pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 27/09/2017, Página A-2, Opinião.

Ciência e gênero

Opinião Pública | 15/09/2016 | | IFE CAMPINAS

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toiletsImagem de ícone feita por Freepik de www.flaticon.com é licenciada por CC 3.0 BY

Um relatório, que acaba de ser lançado, é um duro golpe naqueles que acreditam que uma pessoa nasce homossexual ou que se torna dessa orientação. A prestigiada publicação norte-americana da área de ciência, tecnologia e ética, New Atlantis, divulgou em seu último número uma publicação que revisou décadas de estudos de pesquisas sobre temas LGBT.

Uma das conclusões dos autores – o psiquiatra Paul R. McHugh, tido como um dos mais importantes profissionais dessa área dos últimos tempos, e o epidemiologista e especialista em bioestatística, Lawrence S. Mayer – é que a ideia de que a orientação sexual é inata, de que as pessoas nascem assim, não é respaldada por nenhuma evidência científica. Lady Gaga pode cantar Born this way à vontade, mas a letra da canção é apenas mais um mito que cai por terra. Outra constatação do estudo é de grande importância para os educadores. Segundo os autores, estudos com adolescentes indicam que a orientação sexual pode ser fluida ao longo da vida para algumas pessoas. Incríveis 80% dos homens adolescentes que afirmaram ter atração pelo mesmo sexo, não mais a tinham quando adultos.

Para nós educadores e outros profissionais envolvidos com jovens, a informação é de extrema relevância. Afinal, quando um jovem revela sentir essa atração, talvez não seja um indício de que seja homossexual. Pode ser uma fase, alguma experiência negativa, enfim, não é possível rotular o adolescente por esse motivo. Muitas vezes, quem lida com adolescentes nessa situação pode achar que está fazendo um bem a ele ao ajudá-lo a “sair do armário”. As coisas não são tão simples assim.

Outro fator relevante apontado no estudo diz respeito à saúde mental e estresse social. Comparada à população geral, os não heterossexuais possuem um risco elevado de contrair uma sorte de problemas de saúde e mentais. O grupo citado possui 1,5 mais risco de ter desordens de ansiedade que os heterossexuais, o dobro de risco de depressão, risco 1,5 maior de uso de substâncias ilícitas e é 2,5 vezes maior o risco de suicídio. Entre os transgêneros, o risco de suicídio é aterrador: ao longo da vida, chega a 41%, contra 5% da população norte-americana.

Muitos acreditam que isso se deve ao fato de que são vítimas de preconceito e estigmatização. Sem considerar irrelevante esse fator, os autores consideram que há evidências “limitadas de que fatores de estresse social, como preconceito e estigma contribuam para esse quadro”. E concluem essa questão afirmando que a explicação do estresse social não pode ser imposta como a única explicação possível para a disparidade de problemas de saúde mental entre heterossexuais e não heterossexuais: “Mais pesquisas são necessárias para explorar a causa e as soluções para esses desafios de saúde pública”.

Um dado triste, e que pode elucidar o risco maior de problemas de saúde mental entre esse grupo é a porcentagem mais alta de abuso sexual e físico. Entre gays e lésbicas, o número é de quase 30%; já entre os heterossexuais é de quase 15%.

Sobre a crença de que é possível escolher a identidade sexual ao longo da infância, e que seria importante educar os filhos com a possibilidade de escolherem a sua identidade sexual, o estudo pontua: “Não há evidência de que todas as crianças com pensamentos atípicos de gênero ou comportamento devam ser encorajadas a se tornarem transgêneros.” Por fim, dizem-se extremamente preocupados com tratamentos e cirurgias precoces para casos de crianças que não conseguem se identificar como menino ou menina.

McHug e Mayer afirmam que há muito o que fazer para esclarecer ainda mais as questões que essa acurada revisão da Literatura sobre o tema LGBT revelou. Contudo, os dados disponíveis até agora mostram que há uma lacuna entre o discurso predominante na sociedade e o que a ciência aponta. Uma questão tão relevante quanto a sexualidade humana não pode ser tratada com ideias pré concebidas, o “como eu gostaria que fosse”. Quando a ciência pode elucidar caminhos, a decisão mais sábia é ouvi-la.

Eduardo Gama é mestre em Literatura pela USP, jornalista, publicitário e membro do IFE Campinas (eduardo_gama@hotmail.com).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição de 13 de Setembro de 2015, Página A2 – Opinião.