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Maioridade penal e impunidade

Opinião Pública | 05/12/2018 | | IFE CAMPINAS

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Recentemente, outra vítima, uma jovem com apenas 20 anos, tombou diante de um brutal assassinato cometido por um “de menor” que iria completar 18 anos três dias depois do crime. Compartilho a dor desses pais que irão enterrar um filho, um medo que carrego comigo, como pai, diante desse clima de violência social, porque acredito que os mais jovens devem suceder os mais velhos na existência. Admito que, diante de uma notícia desse naipe, leio o estritamente necessário, porque faz aflorar meus instintos mais primitivos.

Entretanto, instigado por um erudito leitor que gentilmente me solicitou uma opinião sobre o assunto da maioridade penal, lanço aqui algumas reflexões. E que cada um faça seu exame de consciência depois. Para a turma “bem pensante”, digo que um menor desajustado socialmente não é um potencial revolucionário em fase embrionária ou um fruto da árvore podre de nossas culpas pela omissão social das famílias desses menores: é uma pessoa que nasceu e cresceu num ambiente predisponente, mas não determinante, ao crime.

Um menor que pega uma arma para roubar um celular da vítima, em regra, tem pleno entendimento do caráter ilícito de sua conduta e é perfeitamente capaz de agir – ou não – conforme esse entendimento. As estruturas sociais que pervertem a sobrevivência social das famílias desses “menores” não são capazes de retirar por completo o elemento anímico – a vontade de infringir ou não a lei – do agente.

Sempre haverá um momento, por mais fugaz que seja, em que nossa vontade será chamada a dizer “sim” ou “não” para fazer aquilo que temos em mente. Seja bom ou mau. Não preciso de complicadas teorias sociológicas e nem de pesados tratados metafísicos ou antropológicos para enxergar uma realidade que anos de jurisdição na infância e juventude me ensinaram e que, de certa forma, diminuíram alguns anos de minha vida.

Mas convém distinguir para separar. Os tratados metafísicos e antropológicos confirmam minha experiência e as teorias sociológicas, em sua maioria, não passam de um exercício bem rasteiro de puerocentrismo indulgente, complacente com o menor, reduzido a uma espécie de coitado social de vontade nula, e inclemente com a vítima, a engrossar os números das estatísticas criminais.
Curioso notar que esse puerocentrismo afetou até mesmo o ambiente eclesiástico: existe apenas a pastoral dos presos, apesar de as vítimas, numericamente maiores, também pertencerem ao rebanho. Piada pronta.

Qualquer redução no limite da maioridade penal deve ser fruto de uma política criminal que dê um claro rumo e um propósito definido ao direito penal, algo que passa, necessariamente, pelas ideias de justiça e de bem comum. Não pode ser fruto de periódicos surtos de clamor social, ainda que tais surtos sejam muito importantes para o legislador acordar para uma consciência do problema. Além disso, o Estado deve atuar nas áreas em que está ausente e que justamente são mais sensíveis ao problema da criminalidade juvenil: educação, saúde, segurança e trabalho.

Desde os tempos de Largo, na questão da maioridade penal, sempre defendi uma posição, digamos, mais judicializada, o que torna, embora pertinente, esse debate de idade mínima – 17 ou 16 anos – indiferente para mim. Penso que esse limite deveria ser extinto, competindo ao magistrado, no caso concreto e segundo as circunstâncias pessoais do infrator, avaliar, com mecanismos interdisciplinares de apoio, sua imputabilidade penal e, caso afirmativo, condená-lo e submetê-lo à uma justa dosimetria penal, a partir da pena-base para o crime praticado e com a devida observância de fatores agravantes ou atenuantes. Pouco importa se o autor da violação ao bem da vítima tenha oito ou oitenta anos.

Creio ser uma proposta um tanto avançada para uma sociedade que ainda não está preparada para isso e que, cada vez mais, é marcada a fogo pelo cálculo egoísta, pela alteridade superficial e pela exaltação materialista. Um ambiente assim gera condições predisponentes para o incremento da delinquência juvenil. Façamos nosso mea culpa também.

Contudo, também é direito da sociedade cobrar a devida responsabilidade penal de qualquer pessoa a partir da idade em que já tiver conhecimento potencial da ilicitude de um ato e puder se comportar de acordo com esse entendimento. Do contrário, a prevalecer o panorama atual, continuaremos a enterrar nossos filhos e, talvez, nossas esperanças. No mesmo túmulo. E, na lápide, restarão apenas as lágrimas: de tristeza, por uma vida ceifada estupidamente, e de injustiça, como efeito dessa iniquidade legal proporcionada por uma concepção superada de maioridade penal, estribada no puro critério biológico. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes. Ph.D., é juiz de direito, professor-pesquisador, coordenador acadêmico do IFE, membro da Academia Campinense de Letras e do Movimento Magistrados pela Justiça.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 05/11/2018, Página A-2, Opinião.