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Novo feminismo: novo machismo?

Opinião Pública | 02/05/2018 | | IFE CAMPINAS

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Por motivos acadêmicos, andei, um tempo atrás, a ler alguns textos e entrevistas de Camille Paglia. As “neofeministas”, também conhecidas por “feminazis”, não podem ouvir esse nome. Por uma razão muito simples: essa acadêmica e ensaísta americana goza de atividade cerebral completa, porque defende não só a dignidade das mulheres, mas a dos machos da espécie também.

E isso parece ofender os atuais cânones de suas colegas de causa, as quais produzem mais manchete que reflexão. Lembra muito a diferença, em teoria musical, entre barulho e melodia, entre o som emitido por um escapamento furado e uma sonata de Mozart. Nossa ensaísta, nessas leituras, questiona se queremos uma sociedade de mulheres e homens livres ou uma farsa pueril, na qual as mulheres são tratadas como menores abandonadas e os homens como bárbaros inimputáveis.

É uma boa pergunta, pois testa os limites da racionalidade do feminismo “nutella” vendido por aí nas redes sociais, na opinião publicada e nas aulas de sociologia e filosofia do ensino médio e superior. O feminismo de Paglia é demasiado rude para a sensibilidade histérica das mentes desse feminismo.

Nossa ensaísta recorda que o feminismo, digamos, “raiz”, não atacava ou insultava os homens e não os indicava como a fonte de todos os problemas do universo feminino. As mulheres pediam igualdade de condições no mundo do trabalho e da política, porque carregavam consigo um dom exclusivo, o da maternidade, a fim de, ao cabo, demonstrar que podiam obter as mesmas conquistas dos homens.

Hoje, ela recorda que as feministas culpam os homens por tudo e mais um pouco. Elas exigem que os homens mudem, querem que eles pensem, vistam-se e ajam como mulheres. Almejam que a diversidade masculina seja reduzida ao máximo possível, criando um feminismo que, em última análise, é um anti-feminismo, porquanto não reconhece as diferenças inatas dos sexos e sua complementariedade e o efeito disso consiste justamente no retrocesso e no enfraquecimento do movimento feminista.

Nada como uma mulher a falar de mulheres. No meu caso, nada como viver entre mulheres: em casa, no cartório e no gabinete, onde as mulheres que conheço não só concretizam o ideal do feminismo de Paglia, como elas nutrem o interesse de partilhar o espaço vital com homens adultos e dignos de si. Essas mulheres são senhoras de sua liberdade e não seres débeis e vulneráveis, a serem diuturnamente tuteladas num mundo que lhes é hostil e predatório.

Sabem lidar com essa infeliz realidade e não se retiram da arena como uma criança assustada que corre para os braços de seus pais, ao se deparar com um cão bravo. Pudera. Elas não dão a menor bola para o discurso do feminismo “nutella”, apto a enganar só as desavisadas e a reduzir a luta pela causa numa espécie de caricatura de si mesma. Um discurso que confunde a coisa-em-si com entes de razão ideológica e dados objetivos com segundas intenções.

Para nossa ensaísta, a ideologia feminista reinante é doente, indiscriminada, neurótica e não permite à mulher ser feliz. Triste diagnóstico. E acrescento: é uma ideologia tocada à base de “pânicos morais” ou de “originalidades desnecessárias”. No primeiro caso, um fenômeno, que representa um grave problema existente há tempos, é reconstruído pela via do discurso midiático e político como se fosse a denúncia de algo até então ignorado ou estatisticamente crescente, o que pode ser exemplificado pela campanha #MeToo.

No segundo caso, o aludido déficit na performance cerebral dá seus tons criativos. Porque toda pauta feminista foi atendida pela sociedade e só falta conquistar a libertação dos mamilos femininos, algo que os similares masculinos já conseguiram, foi desencadeada a campanha #FreeTheNiple.

É preciso que a honra feminina seja novamente defendida, como faz nossa sincera ensaísta nas questões aqui expostas. Esse é o ponto. O feminismo “nutella” é tão reacionário quanto o machismo mais jurássico: ambos tratam as mulheres com a mesma condescendência. Ambos olham para as mulheres como o “sexo fraco”. É o eterno retorno grego. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes. Ph.D., é juiz de direito, professor-pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 02/05/2018, Página A-2, Opinião.