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JUVENTUDE, CONDUÇÃO E RUMOS

Opinião Pública | 21/11/2018 | | IFE CAMPINAS

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Numa dessas manhãs, pedalava ao redor da Lagoa ouvindo a voz operística do Bruce Dickinson. O vento cortava a alma, porque o sol ainda não tinha levantado, mas a disposição de muitos já estava de pé, pondo-se a marchar na minha contramão de direção.

Gosto muito desse exercício matinal. Alia esforço físico com distanciamento da realidade e é vivida mais intensamente nos meses em que não há aulas, porque, nesse horário do dia, invariavelmente estou levando os filhos para a escola.

Nesses momentos, a reflexão costuma fazer-me companhia, sempre tirada a partir da observação dos rostos que cruzam com o meu ao longo das voltas que vão sendo vencidas até que o cansaço fale mais alto. Nesses rostos anônimos, sempre vejo inúmeras faces de alegria, tristeza, preocupação ou tédio. Algumas cabeças, ora empinadas, ora cabisbaixas e outras plugadas ao som da música ou ao som do silêncio. E a minha cabeça em ritmo de diálogo com todas essas outras.

Naquela manhã, chamou-me atenção um grupo de senhoras que caminhava acompanhado de supostos netos, recém-egressos na juventude, porque nesse horário do dia, esses seres, em férias, costumam estar imóveis e acompanhados de travesseiros e cobertores. Ao olhar para aquela cena, lembrei-me que os jovens são sempre capazes de nos surpreender. Para o bem ou para o mal: vai depender do grau de enamoramento de seu coração.

Hoje, é preciso estar atento para os anseios e as perspectivas que a realidade descortina para a juventude, porque daí devemos apontar um modelo ético de ser humano e de sociedade coerente com nossa natureza. Não estou aqui a repetir a chavão de uma certa mentalidade decrépita, tanto mais decrépita, em regra, quanto mais longe se situa de seu passado juvenil e que fica enfatizando as limitações e os fracassos da cultura atual.

É preciso abrir espaços de interlocução com os adolescentes, participar de seus ambientes, dialogar com suas representações, compreender suas expectativas, mas, sobretudo, dar rumo para que eles conduzam seus projetos de vida. Porque, quando somos jovens, costumamos pensar nas pessoas que amamos e admiramos e que, por isso, gostaríamos de imitar.

Pode ser uma pessoa da vida quotidiana ou um sujeito famoso. Vivemos numa cultura da celebridade e a juventude é, muitas vezes, encorajada a ter figuras do mundo dos esportes ou do espetáculo como modelos de vida. Devemos aproveitar essas ocasiões e, ao invés de dizer que esse não presta ou essa é assanhada demais, devemos submetê-los às perguntas cruciais: quais são as qualidades que esses modelos possuem e que você gostaria de possuir em maior medida? Que espécie de pessoa realmente você gostaria de se tornar?

Ouviremos respostas nos mais diversos sentidos, mas a maioria delas passará por rios de dinheiro ou por uma alguma espécie de vanguarda espetacular numa dada atividade profissional. Ter dinheiro torna possível ser generoso e fazer o bem no mundo. Entretanto, só isso não é suficiente para tornar uma pessoa feliz. Ser grandemente dotado numa profissão é algo positivo. Poderá tornar-nos famosos, mas isso não é sinônimo de felicidade.

A busca da mimese de uma celebridade é, no fundo, a busca da felicidade que o jovem anseia tão intensamente nessa fase da vida. No entanto, uma das grandes tragédias deste mundo é que muitos a procuram, mas não conseguem encontrá-la, pois a buscam nos lugares errados. Os sucessos mundanos não satisfazem um coração enamorado, porque ele foi feito para a transcendência e a transcendência é a porta de nossa alma que abre somente para fora.

Paul Johnson, certa vez, disse que a adoração que os jovens dedicam às celebridades é uma corruptela da espécie de adoração que os nossos antepassados dedicavam aos santos, beatos e outros tipos de aureolados. A afirmação é tão certeira que os modernos “peregrinos” imitam os antigos na busca de uma relíquia da celebridade amada, ressalvado o abismo axiológico particular entre umas e outras.

Recentemente, o vaso sanitário do John Lennon foi a leilão pelo lance mínimo de 9.500 libras. Ontem, um pedaço de tecido. Hoje, uma privada. Amanhã, quem sabe, a língua da Lady Gaga conservada num vidro de formol. Não sei. Só sei que, além de condições materiais decentes, devemos oferecer aos jovens modelos de imitação que os conduzam a um horizonte de vida autêntico. Quem sabe começando por nós mesmos, os pais, por meio de um esforço diário de exemplo, resgatando, como dizia o cantor na minha pedalada, a juventude que existe dentro de nós. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes. Ph.D., é juiz de direito, professor-pesquisador, coordenador acadêmico do IFE, membro da Academia Campinense de Letras e do Movimento Magistrados pela Justiça.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 21/11/2018, Página A-2, Opinião.

Protagonistas do futuro – por Isabella Silveira de Castro

Opinião Pública | 22/10/2014 | | IFE CAMPINAS

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O mundo sofre hoje as dolorosas penas do desenvolvimento de uma sociedade que se tornou insustentável; não pela falta de recursos, mas pela falta de perspectivas. A realidade é tão crítica que quem acredita em um futuro realmente melhor é taxado como sonhador. Entretanto, como suprir as carências do mundo sem acreditar que isto seja possível?

Mesmo o futuro parecendo obscuro e incerto, é preciso nutrir o sonho para ficarmos enérgicos na modificação do presente. Caso contrário, alimentando a visão pessimista e conformista de incapacidade, apenas favorecer-se-á a manutenção dos problemas, tornando-nos cúmplices e igualmente culpados pela realidade. Um cientista vive na perspectiva de descobertas, aparentemente distantes, muitas vezes improváveis; mas, mesmo com tantos obstáculos, empenha-se em seu trabalho. Por isso, espero que os cientistas acreditem na cura do câncer e espero que todos acreditem em uma melhora.

Embora exista uma tendência ao conformismo, os jovens, principalmente, são naturais questionadores e dificilmente acatam submissos a realidade imposta. Contudo, devido ao disseminado individualismo, ao passarem pela fase de revolta, não fazem com que sua consciência crítica reverta-se em ações concretas. Nota-se que a revolta de muitos jovens é expressa por atitudes de pura autoafirmação, como adoção de estilos alternativos e vida desregrada, ou seja, atos que sirvam para afirmarem seu controle sobre suas vidas e futuros; entretanto, tal controle é equivocado.

O equívoco não está na possibilidade de determinarem seus futuros, mas em colocarem como objetivo a ser alcançado a satisfação de prazeres momentâneos, pois, justamente por sua característica de transitoriedade, os prazeres não transformam futuro algum. Logo, na tentativa de determinarem seus futuros, os jovens acabam apenas preenchendo o presente.

Consequentemente, cria-se um ciclo, há sempre expectativa em “preencher” novamente o presente com prazeres. Por conseguinte, realizações a longo prazo perdem o significado, o imediatismo prevalece, ao lado da falsa sensação de satisfação pessoal. Com esta mentalidade, a sociedade ficará para sempre estagnada. O jovem de hoje não almeja fazer escolhas em proveito de melhoras sociais e sustenta discursos justificantes: o discurso é fruto da escolha e não mais as escolhas como o resultado de convicções.

A filosofia do “deixa a vida me levar” é insustentável em sua essência, pois a vida é construção humana, cada um tem papel indispensável em sua história, por isso, o “deixar-se levar” é o mesmo que desistir de si mesmo se entregando ao acaso. A citação de Frei Beto ilustra a questão: “Quando não se injeta utopia na veia, corre-se o risco de injetar drogas”. Não nego importância de momentos prazerosos e de lazer, mas a vida não resume-se a eles.

A compreensão do valor da vida em sua universalidade, isto é, a concebendo não apenas no momento presente e além de sua individualidade, é essencial para construção de um mundo diferente. Quando não damos sentido a nossa existência – não temos objetivos ou convicções – caminhamos sem rumo à procura incessante da felicidade e acabamos equivocadamente confundindo-a com prazer.

A busca pelo sentido da vida é um dos maiores dilemas da história e cabe a cada um dar sentido a sua: as condutas que nos propomos a fazer e a finalidade pelas quais as fazemos revelam o sentido que almejamos dar a elas. Talvez aí esteja a chave de um enigma: o combustível do homem é o reconhecimento do valor de suas ações. Sendo assim, o primeiro passo para um mundo melhor é a convicção, sobretudo da juventude, na necessidade de posturas que contribuam para melhora social. O segundo passo é deixar que os objetivos norteiem as condutas, objetivos coletivos e pessoais.

Quem sabe assim, o futuro seja diferente, diferente de verdade. Quando o homem decide desenvolver novas tecnologias, cria coisas fantásticas. Basta nos inspirarmos no espirito inovador dos inventores e persistência dos cientistas. Tantos ideais alcançados pela ciência foram ditos inatingíveis; vamos educar as novas gerações a provar que um projeto de futuro melhor é concretizável.

■■ Isabella Silveira de Castro é graduanda em Direito pela PUC-Campinas e colaboradora do IFE Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, dia 11 de Outubro de 2014, Página A2 – Opinião.