A lógica do país dos elfos


Nas histórias fantásticas uma lei como a da gravidade pode ser quebrada, mas uma lei clássica como a da não-contradição ainda costuma permanecer inalterada. Nos contos de fada, uma criança pode voar, mas ainda não é possível a ela voar e não voar no mesmo instante, sob o mesmo aspecto. Um garoto pode ou não envelhecer, mas continua idêntico a si mesmo e distinto de qualquer outra criança. Um pequeno príncipe pode até ser o único regente de um asteróide, mas um desenho necessariamente ou representa ou não representa uma jibóia digerindo um elefante.

Se tais princípios lógicos são contextuais, pressupostos ou subjacentes às narrativas, às vezes a lógica é explicitamente empregada ou destacada. Por exemplo, na obra o Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, Pedro e Susana buscam o conselho do Professor a respeito de Lúcia, que afirmava ter encontrado Nárnia. O Professor exclama: “Lógica! Por que não ensinam mais lógica nas escolas?”. Raciocina sobre três possibilidades: ou Lúcia está mentindo; ou ela está louca; ou ela está falando a verdade. Ora, Lúcia não mente e obviamente não está louca, logo, devem assumir que ela está dizendo a verdade. E mais tarde acrescenta: “Eu gostaria de saber o que estas crianças aprendem na escola!”.

As perguntas do Professor são relevantíssimas, especialmente para nós brasileiros, que sentimos na pele o declínio do sistema educacional, crise após crise, reforma após reforma. Os Parâmetros Curriculares Nacionais praticamente não contemplam o ensino da lógica propriamente dita, atribuindo ao ensino de matemática a tarefa de desenvolver o “raciocínio lógico-matemático”. Pobres professores de matemática! Além da árdua tarefa de ensinar equações, funções, figuras planas e espaciais, etc, ainda lhes atribuem a responsabilidade de prover os rudimentos para o pensamento racional, anterior ao fazer matemático. Em resumo, pouquíssimos brasileiros, sejam estudantes, professores ou outros profissionais, conhecem efetivamente alguma coisa de lógica. Paradoxalmente, enquanto o Brasil produz pesquisa em matemática e em lógica de primeiro nível, a maioria da população não possui habilidade mínima nesses domínios.

Tal estado de coisas é muito grave. Se estiverem corretos os autores de subestimadas épocas ao afirmarem que o ser humano é o “animal racional” e de que a lógica é a “arte ou ciência que dirige a razão”, então somos obrigados a nos indagar sobre as consequências da carência de estudos de fundamentos de lógica. Se a lógica é a ética do pensamento e do discurso, como está nosso comportamento no domínio racional?

“Mas, a lógica não é tudo! Nem tudo é racional!”, podem dizer algumas pessoas, especialmente os dados à preguiça de pensar. De fato, a lógica não dá conta de tudo, mas consegue lidar com muita coisa e pode evitar ou pelo menos evidenciar uma série de aberrações. Por exemplo, na história recente, vimos o desenrolar de um processo de Impeachment. Nesses casos, nossa Carta Magna garante a existência de duas penas, a saber, a perda do cargo cumulada com a inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. De um ponto de vista lógico, a norma constitucional poderia ser representada da seguinte maneira: “Se A, então B e C”, isto é, “Se houve crime de responsabilidade, então deve haver perda de cargo e inabilitação”. Como temos “A” (considerou-se a ré culpada de crime de responsabilidade), aplicando a regra denominada “Modus Ponens”, deveríamos ter “B e C”, isto é, “perda de cargo e inabilitação”. Todavia, magicamente temos “B e Não-C” (perda de cargo sem inabilitação). Parece que foi aplicada ou a ignorância; ou a lógica dos acordos; ou o rabo preso.

Apesar de sua relevância, a lógica não é uma ferramenta criativa, por isso necessitamos da imaginação para nos completar. Bons livros são um tesouro inestimável para o desenvolvimento da razão e da imaginação. Que tal uma viagem com Alice pelo País das Maravilhas para aquecer? Ou vamos deixar que “cortem nossas cabeças”?

Fábio Maia Bertato é Licenciado em Matemática, Doutor em Filosofia, Superintendente do IFE Campinas e Pesquisador do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp (fmbertato@cle.unicamp.br)




INSCRIÇÕES ABERTAS :: A ERA DA DESORDEM - POLÍTICA E CULTURA NA IMAGINAÇÃO MORAL :: 27/10 :: 19H30


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Música, ficção e mundo real


A paixão pela música veio-me desde cedo. Meu pai tocava violão e, alguns vizinhos também e, em particular, um deles tinha banda. Uns e outros ouviam e tocavam. Esse background movia-me e provavelmente daí nasceu o gosto pela música, de modo que aprendi alguns instrumentos, não enveredando, entretanto, para a profissão musical.

Olhando hoje, é difícil encontrar quem não goste de algum tipo de música. Um bom arranjo de instrumentos e vozes com harmonia, além de boa letra, é aprazível aos ouvidos. Além disso, a música muitas vezes comunica-nos emoções e sentimentos. Claro que as sensações provocadas dependem da música e do estilo musical: pode-se ir do depressivo ao alegre. Mas me parece que, no fundo, tendemos a preferir aquelas que nos provocam boas emoções, que nos fazem bem, ou que nos elevam – para usar o termo de Henri Angel para bons filmes.

No entanto, há canções que não seguem – ou seguem pouco – nesse sentido, das quais o mercado musical hoje está cheio: varia desde canções apelativas e baixas (inclusive servindo à objetificação dos corpos, como se não fôssemos uma pessoa, mas objetos úteis), até aquelas de letras que parecem um conto de fadas. De todo modo, embora exista quem goste de canções apelativas e baixas, muitas vezes estas nos impactam e as repelimos; percebemos que não é coisa boa.

Por outro lado, há canções cujo arranjo de instrumentos, vozes e harmonias são muito bons, porém, com letras que transmitem-nos – sutil ou explicitamente – uma mensagem de “malandragem”, de ilusão/imaginação, “safadeza” etc. De um modo explícito são aquelas que, por exemplo, fazem apologia à traição com palavras mais leves, cantando coisas como “eu não sou fiel” e o público acompanhando. A melodia etc. pode até ser legal, mas por trás disso está a vida real: quanto sofrimento traz uma traição, quantas famílias sofrem e se esfacelam por isso… Na imaginação, não é difícil conceber um mundo em que tudo pode ser feito buscando-se a própria satisfação, com uma liberdade ilusória (traição gera peso interior), mas na realidade a história é outra.

As músicas que transmitem de modo sutil o que acima afirmo, talvez sejam as mais abundantes. São dessas também que tendemos a gostar de algum modo, a nos acostumar e a achar normal (tocam no rádio, pegam, fixam), mas aqui reside o problema: acostumar-se e achar normal o que é fictício, “malandro”, incluso o descrito no parágrafo anterior.

Os exemplos nesse sentido são muitos, mas é possível concentrar-se em pontos principais. As músicas transmitem algo que é aparentemente bom, possível, ou realizável, mas cujo fundo é a busca da satisfação do “eu”: “sou feliz porque isso ou você me satisfaz”. E a letra – que quase passa despercebida – é aos poucos assimilada e tida como normal, de modo que se passa a considerar normais coisas como: elevar a mulher ao status de uma deusa e estrela guia, ou o homem como “o capaz” de dar a ela tudo o que deseja; atitudes vingativas em vez do perdão; o álcool como “saída” de problemas; imaginar um cenário ideal para um relacionamento, com tudo bonitinho… quando, na verdade, muitas dessas coisas não acontecem na vida real – não por pessimismo, mas pelo fato de a realidade ser diferente daquilo que o romantismo hodierno propaga.

Claro que há músicas com senso de realidade, sem deixar de lado a poesia, a harmonia etc., e que não tendem para a “sacanagem”, para o ilusório, nem para o egocentrismo. Mas é preciso vigilância e filtro, se não tomamos por “normal” algo que pode nos enganar e/ou nos enroscar, levando-nos à frustração. Um antídoto para isso é o contrário do egoísmo, tendo em mente o amor enquanto virtude: entre a busca da satisfação própria que diz: “Amo você porque me torna feliz”, ficar com a virtuosa “Sou feliz porque amo você”, isto é, porque se doa e não busca a si mesmo.

■■ João Toniolo é mestre e doutorando em Filosofia e gestor do Núcleo de Filosofia do IFE Campinas (joaotoniolo@ife.org.br)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 27/07/2016, Página A-2 – Opinião.




Fotos 2º Seminário IFE/ACL :: "Por que a imaginação importa?" (08/Nov/2014)


2º Seminário IFE/ACL | Tema: “Por que a imaginação importa?” (08/Nov/2014)

Fotos: IFE Campinas

Informações do evento neste post.




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2º Seminário IFE/ACL | Tema: “Por que a imaginação importa?” (08/Nov/2014)

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