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Nosso pai fundador

Opinião Pública | 11/09/2015 | | IFE CAMPINAS

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Quem quer que tenha frequentado o sistema regular de ensino brasileiro a partir da década de oitenta até os dias de hoje provavelmente ouviu – e leu – que o processo de independência do Brasil foi pacífico por ter sido fruto de um odioso “acordão” entre nossas detestáveis elites agrárias, Portugal e a Inglaterra. Tudo isso acompanhado das já gastas anedotas sobre as dores de barriga de Dom Pedro I.

No seio desse esquema geral, vez ou outra surgem nos livros regulares de história tímidas fotos de José Bonifácio de Andrada e Silva, “patriarca da independência”. O que certamente não é ensinado é que José Bonifácio foi homem de envergadura intelectual e moral que nada devia a um George Washington ou a um Thomas Jefferson: era dotado de uma curiosidade que conduziu seu interesse por temas que iam desde a pesca das baleias, passando pela mineração, até a política nacional e internacional, talento que o fez ser reconhecido como sábio em Portugal, onde estudou e lutou bravamente contra as tropas de ocupação do exército napoleônico, revelando, além da coragem intelectual, marcante coragem física, coisas que hoje em dia raramente andam juntas.

Depois de tudo isso, com idade mais avançada do que muitos que já haviam se recolhido à aposentadoria, dirigiu o processo de independência brasileiro, contribuindo com a organização de nossa unidade nacional como império centralizado – fato que impediu que o Brasil se fragmentasse em uma plêiade de republiquetas em constante guerra umas com as outras. Mas não parou por aí. Ao ajudar a organizar o novo país, Bonifácio contribuiu com ideias inovadoras, como planos de reforma agrária, de extensão da educação gratuita para todas e de abolição da escravidão.

Contrariamente aos que sempre buscaram modelos europeus ou americanos para implantar no Brasil (moda que se alastrou a partir do golpe militar de 1889), Bonifácio tinha profunda consciência de nossas particularidades nacionais, conhecimento que o levou a defender uma monarquia centralizada como centro de poder e a propor uma política externa de aliança com os Estados Unidos, explorando as rivalidades entre França e Inglaterra.

Como personalidade, José Bonifácio tentou cultivar em si aquilo que o povo brasileiro sempre teve de melhor: a alegria, a inteligência viva, a marcante sociabilidade. Além de grande estudioso, bravo soldado e hábil político, Bonifácio foi um leal amigo para aqueles que desfrutaram de sua convivência, pois sabia que a amizade se funda sobre a comunhão de interesses superiores, que afloram em longas e proveitosas conversações (arte na qual ele era bastante versado e que infelizmente quase se perdeu no Brasil de hoje).

Aprendamos, pois, com esse esquecido herói de nosso passado, como fez Machado de Assis, ao proclamar “E viverás, Andrada!”.

Fabio Florence é advogado, bacharel em direito pela PUC Campinas, mestre em filosofia pela UNICAMP e gestor do núcleo de história do IFE Campinas (florenceunicamp@gmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 11/9/2015,, Página A-2.

O lápis azul do imperador

História | 14/04/2015 | | IFE CAMPINAS

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Delfim-pedroII-MHN - Delfim da Câmara

No Império, implantou-se, a partir da Constituição de 1824, uma Monarquia Constitucional em terras tupiniquins. Havia três poderes que regiam a nação, tais como foram concebidos no século anterior por Montesquieu: Legislativo, Executivo e Judiciário. No entanto, Dom Pedro I instituiu ainda um quarto poder: o Poder Moderador, o qual deveria ser exercido pelo imperador no intuito de regular as relações entre os poderes e impedir trapaças e injustiças.

Na época, isso rendeu algumas chacotas, vindas da Inglaterra e de alguns grupos políticos que apelidaram nosso governo de “parlamentarismo às avessas”. Riam-se da interferência considerada demasiada do imperador em assuntos que competiam a outros poderes. Jocosidades à parte, já no governo de Dom Pedro II, o exercício do Poder Moderardor se dava de forma interessante, em especial no que toca às nomeações de ministros, governadores de províncias e outros cargos. Sempre que traziam indicações de nomes selecionados pelos eminentes senadores do império, D. Pedro observava um a um e passava a colher informações sobre cada candidato a fim de verificar se não teria um passado maculado por qualquer tipo de corrupção. Havendo indícios, ou seja, mesmo sem provas diretas dos fatos, o imperador, como medida cautelar, sublinhava os nomes suspeitos com um lápis azul, excluindo qualquer possibilidade de ocupação de cargo público por alguém desonesto.

Rui Barbosa, ferrenho defensor da República e Ministro da Fazenda do governo do Marechal Deodoro da Fonseca, anos após a derrubada do regime monárquico se lamentaria de ter defendido e lutado pela República, afirmando que o Império era uma “escola de estadistas”, enquanto a República se tornara uma “praça de negócios”.

De lá para cá, o mundo mudou, mas a “herança mercantil” da República “onde tudo se negocia”, permaneceu. Assistimos ao comércio de ideologias, projetos e até mesmo de valores. Vivemos em tempo de “panpartidarismo”, onde já não se consegue definir o que é esquerda ou direita. Cristalizou-se a mesma confusão do início da República e, nesse quesito ela deve ser elogiada, porque é sempre coerente: começou negociando tudo e segue fazendo o mesmo até hoje.

Ética, moral, honra, são palavras gastas pela profanação que sofrem constantemente. E seguirão sofrendo, porque ventos contrários sopram contra o Brasil, em especial depois da recente aprovação do Decreto 8.243, vindo a lume no último dia 23 de maio e no qual a presidente cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), supostos instrumentos para proporcionar e estender a participação direta dos cidadãos e grupos sociais nas decisões de governo. Aparentemente o projeto seria uma resposta às manifestações ocorridas no meio do ano passado, porém, na prática é uma ação que viola o sistema democrático de governo implementado pela Constituição de 1988. O pior disso tudo é que esses projetos acabarão (se o decreto for acolhido pelo STJ) por amplificar a voz de grupos sociais e organizações subvencionadas pelo próprio partido da presidente e de também de outros partidos e grupos afinados com suas propostas. Legislar por decreto não é algo novo, aliás, o velho discurso de que os movimentos sociais “são os legítimos representantes dos interesses do povo” fazem parte da cartilha bolchevique tão apreciada em nossos “democráticos” vizinhos latino-americanos, como a Venezuela e a Bolívia.

Que nomes de nossa política o lápis azul de Dom Pedro II riscaria hoje? Restaria alguém? A retidão do imperador brasileiro sirva de exemplo a nós cidadãos. D. Pedro, embora caluniado como “absolutista”, era tão democrático que permitiu que falassem abertamente contra ele e que contestassem publicamente suas decisões, a ponto de se chegar à derrubada da monarquia. Ofereceram-lhe a possibilidade de matar os revoltosos, mas ele se recusou e resignou-se para não derramar sangue brasileiro. Hoje o que se diz democrático, age de forma absoluta e o que se pensava no passado, ser absoluto, agia democraticamente. A dialética da História nos ensina a distinguir bem as coisas.

Luiz Raphael Tonon, professor de História e Filosofia, gestor do Núcleo de Teologia do IFE Campinas.

Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular, 18/07/2014, Página A2 – Opinião.

Imagem: Pedro II aos 49 anos de idade, 1875, de Delfim da Câmara (scan de Museu Histórico Nacional, Coleção Museus Brasileiros, edição Banco Safra). Imagem em Domínio Público disponível neste link.

Resenha do livro “Momentos Decisivos da História do Brasil”, de Antonio Paim, por Antonio R. Batista

História | 18/11/2014 | | IFE CAMPINAS

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MomentosDecisivosDaHistoriaDoBrasil

Seremos capazes, algum dia, de vencer e enterrar o patrimonialismo?

“Criamos uma estrutura destinada à preservação do status quo, o Estado Patrimonial. que se tem revelado imbatível. Seu último feito consistiu precisamente na cooptação do Partido dos Trabalhadores …”
(Antonio F Paim)

É sempre desafiador comentar, num retrato simplificado e objetivo, uma obra do Professor Antonio Paim. Seus textos, quando nos prometem história estão preenchidos por fecundas análises de ideias; quando nos prometem discutir ideias não o fazem sem fundamentá-las, com cuidado e zelo, no mundo real e nos acontecimentos históricos em que atuaram. Essa dupla exigência, de filósofo e de historiador a que o professor se submete, tem o condão de tornar suas obras estimulantes e desafiadoras.

Neste caso, cabe de imediato destacar que apenas o título da obra lembra a outra – Momentos Decisivos da História – de autoria de Stefan Zweig, literato austríaco e judeu que viveu parte dos seus anos no Brasil. São autores, inclusive, de perfil bastante diverso. Zweig, apesar de acurado observador e analista tinha, acima de tudo, uma alma de poeta e foi com esses atributos que ele nos descreveu e escreveu sobre nós, particularmente no seu livro “Brasil, o pais do futuro”, um texto primoroso cheio de afeto, que fala sobre a nação que tanto amou e que escolheu para morrer em um suicídio partilhado com a esposa, em 1942, sofrendo crescente depressão depois de abandonar sua terra e a Europa convulsa e em guerra.

Paim é um analista minucioso da realidade, agradável na leitura, mas que não acalenta ilusões nem licenças poéticas além da beleza natural que se possa usufruir numa boa prosa. É um professor por vocação e por empenho na sua férrea disciplina de estudo e trabalho. Seu principal interesse, no que se refere ao Brasil, é esmiuçar os nossos problemas e dificuldades; é dissecar os porquês dos nossos tropeços sistemáticos em realizar as potencialidades que tantas vezes desprezamos para nos apegarmos aos vícios que nos debilitam. Daí a expressão “momentos decisivos”, que ele define como aqueles em que o país poderia ter escolhido rumo diverso daquele que escolheu. A respeito disso presta, explicitamente, tributo à historiadora Barbara Tuchman, que usa uma chave definidora semelhante para apontar a dinâmica da sua “Marcha da Insensatez”.

Existem alguns vilões recorrentes na obra de Antonio Paim e, digo eu, da forma como estão interligados poderíamos acusá-los de formação de quadrilha: o autoritarismo, nos seus diversos matizes teóricos e práticos; a burocracia; o “estatismo”; o cartorialismo; a estigmatização do lucro; as distorções do sistema representativo; o Patrimonialismo com suas nuances, inclusive os métodos de corrupção sistemática. São temas aos quais o autor se dedica e se dedicam alguns dos seus ex-alunos, não por uma obsessão gratuita, mas porque representam óbices que nos têm levado a reincidir na perda de sucessivas oportunidades, comprometendo o que poderia trazer ao país um futuro melhor e uma posição mais condizente com o seu potencial.

Nesta obra Paim oferece, de início, reflexões importantes a respeito do método historiográfico e da historiografia brasileira. Trata-se de uma introdução fundamental em tempos que há pregação de uma história  construída menosprezando a documentação e os testemunhos qualificados, para melhor poder manejar os esquemas teóricos tão ao gosto de ideologias que se perturbam com a evocação de fatos e dados. Depois, navega ao longo da nossa história até os tempos atuais, onde identifica um recrudescimento intenso do patrimonialismo, depois de ter sido obtido algum recuo que parecia justificar certa esperança. É nessa pontuação analítica da história, passando pelo Império, depois pela República e o nosso sistema representativo sempre comprometido e inconcluso, pelo efeito Vargas e a estatização da economia nos governos militares, que o autor vai identificando diversas das nossas mais renitentes dificuldades. Incapacidade para aprimorar o sistema representativo e persistência do modelo patrimonial são questões fulcrais, que se reforçam mutuamente e assim como comprometeram nosso passado ameaçam o nosso futuro. Daí a principal questão colocada pela obra: seremos capazes, algum dia, de vencer e enterrar o patrimonialismo?

por Antonio Roberto Batista.

DADOS DO LIVRO:

Título: Momentos Decisivos da História do Brasil
Autor: Antonio Ferreira Paim
Número de Páginas: 396
Editora: Vide Editorial
Idioma: Português
ISBN: 978-85-673-943-29
Dimensões do Livro: 16 x 23 cm

Texto publicado em nosso site com a permissão do autor. Fonte: Mídia Mais, disponível [online] aqui.