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À semelhança de nossos pais

Opinião Pública | 17/05/2017 | | IFE CAMPINAS

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À medida que a maturidade cresce, ou mesmo antes, praticamente todos refletimos sobre nosso ser e nosso agir no mundo. Uma área que cedo ou tarde aparece na reflexão somos nós em comparação a nossos pais. Nesse sentido, é interessante quando – fazendo algo bom ou mal – identificamos um espelho ou um reflexo de nossos pais em nós mesmos; pensamos: “Estou fazendo como meu pai/mãe”. Experimentamos a verdade desse trecho de Belchior que fez sucesso na boca de Elis Regina: “Minha dor é perceber / Que apesar de termos feito tudo o que fizemos / Ainda somos os mesmos e vivemos (…) / Como os nossos pais…”. (Claro que aqui não se pretende esgotar o significado de letra tão rica, mas apenas usá-la como ilustração desta breve reflexão).

Além disso, quando nos deparamos com esse reflexo, temos uma estranha sensação, como se por um momento nós não fôssemos nós mesmos e como se não tivéssemos domínio sobre nós. Essa sensação é particularmente notável quando sentimos pesar por algo ruim ou não muito bom que fizemos e que percebemos ter sido “como nossos pais”: “Tanto tempo e ainda estou fazendo a mesma coisa?”, e ainda, “Como posso fazer isso? Já era para ter superado”, são alguns pensamentos que nos podem ocorrer.

Um exemplo são os hábitos. Quando adolescente criticava o gosto musical dos pais, mas, passados os anos, está lá ouvindo o mesmo estilo de música deles; quando mais jovem, reclamava de determinado modo de agir dos pais, mas, anos depois, faz do mesmo jeito; reclamava da afobação deles para certa situação, mas hoje também se afoba; etc. O ditado de que reclamamos de algo porque esse algo está em nós mesmos revela-se verdadeiro.

Claro que há as coisas boas. Dessas normalmente ficamos satisfeitos e somos gratos a nossos progenitores. Temos uma gratidão interna e, dependendo da importância, também externa – o que é justo. Das coisas boas que superamos em oposição a algo ruim, também sabemos que não vale a pena a atitude de orgulho, de nos acharmos superiores a eles. Ademais, queremos manter essas coisas boas e transmiti-las a nossos filhos.

No entanto, perceber tanto as coisas boas como as ruins, é sinal de que crescemos em conhecimento próprio. É sinal de que temos maior consciência de nossos pensamentos, palavras e ações, e de que conhecemos um pouco mais nossas virtudes e nossos limites. Contudo, há algo que pode ser deletério depois da percepção desse reflexo; é o conformismo: achar que, já que o tempo passou e não mudamos, não mudaremos nunca.

É deletério porque, além de não ser bem verdade – o comportamento é algo que pode ser mudado e melhorado, cuja própria educação familiar é prova –, coloca-nos numa situação de perpetração de coisas ruins; tornamo-nos, assim, repetidores de vícios. E depois reclamamos de nossos filhos, que reclamarão de nós, e lá se foi uma oportunidade para melhorar.

Parece-me, então, que essa percepção que os anos nos dão – do reflexo de nossos pais em nós – serve, entre outros, para melhorarmos humanamente, de modo que possamos dar um passo a mais na trilha aberta por nossos ancestrais. Nesse sentido contribuímos para uma melhor convivência entre nós e assim temos menos estresse. Evidentemente há quem retroceda nas conquistas, mas que não sejamos nós a fazê-lo.

João Toniolo é doutorando em Filosofia e gestor do Núcleo de Filosofia do IFE Campinas. E-mail:joaotoniolo@ife.org.br.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 17/05/2017, Página A-2, Opinião.