O preço da felicidade


É no mínimo curioso observar que há muitas pessoas de baixa renda que são notavelmente felizes, assim como há outras de condições mais abastadas que também são visivelmente felizes. De igual forma, é comum encontrar pessoas muito infelizes em todo tipo de situação financeira. Antes de entrar em qualquer debate abstrato sobre o que é ser feliz, pode-se considerar que o famoso slogan “dinheiro não traz (compra) felicidade” guarda razão. Nunca houve, e nem haverá, nenhuma correlação obrigatória entre dinheiro e felicidade e as pessoas que descobrem tardiamente essa verdade quase sempre já estão afogadas em suas misérias pessoais, ainda que nadando em dinheiro.

Estabelecer metas pessoais, profissionais e financeiras na vida é importantíssimo. Não há nenhum mal em querer viver dignamente com boas condições materiais e ser feliz. Entretanto, é preciso cuidado, pois, hoje, em nosso mundo, uma lógica muito sedutora, mas terrivelmente perigosa, é introduzida em nossas cabeças, indicando, desde precocemente, que é preciso sucesso para ser feliz. Este “sucesso”, por sua vez, tem múltiplas facetas, simbolizado por empregos ideais, carros do sonho, casas extravagantes, a tão almejada promoção profissional ou um corpo “perfeito”.

A lógica é sedutora, pois a partir do momento em que constatamos alguma infelicidade ou desequilíbrio interior, pequeno ou grande, atribuímos que sua solução só pode estar fora, esperando pra ser conquistada, seja qual for a faceta da vez. Tudo o que mexe com a esperança humana tem um poder incrivelmente sedutor. Por outro lado, a lógica é perigosa, pois é uma mentira.

Aliás, não estou falando essas coisas sozinho e nem da boca para fora. Apenas corroboro, modestamente, o que muitos autores e estudiosos já descobriram. Gostaria apenas de trazer o exemplo de Shawn Achor, autor da obra “The Happiness Advantage” (ou pela infeliz tradução “O jeito Harvard de ser feliz”), que busca demonstrar, com base nas recentes descobertas no campo da psicologia positiva, que a lógica funciona na verdade de maneira inversa: é a felicidade que impulsiona o sucesso, e não o contrário.

Durante uma turnê de palestras na África, Shawn Achor visitou uma escola ao lado de uma favela que não tinha eletricidade e a água encanada era precária. Diante daquelas crianças, percebeu que não seria apropriado utilizar os exemplos que normalmente apresenta nas palestras sobre experiências com estudantes universitários americanos privilegiados e homens de negócios poderosos. Assim, na tentativa de criar um vínculo e encontrar um ponto em comum com seu público, perguntou em tom claramente irônico quem gostava de fazer lição de casa. Para seu espanto, 95% das crianças levantaram as mãos e abriram um sorriso sincero e entusiasmado. Mais tarde, querendo saber o porquê dessas crianças serem tão “estranhas”, explicaram-lhe que elas consideravam um privilégio fazer a lição de casa, um dos muitos privilégios que os pais não tiveram.

Diante dessa experiência marcante, Shawn começou a perceber o quanto a nossa interpretação da realidade pode alterar a experiência que temos dela. No caso, as pessoas que são gratas pelo o que têm, ainda que seja pouco, conseguem enxergar as coisas por outra perspectiva, que as permitem serem mais felizes e produtivas mesmo diante de uma realidade dura que em nada contribua para isso.

Como é belo encontrar pessoas que sabem agradecer sinceramente pelo o que têm, pelo que são e pelas pessoas que têm ao lado. Pobres financeiramente ou não, são todas ricas de espírito e a alegria que emanam através de seus sorrisos sinceros, iguais aos daquelas crianças, é simplesmente contagiante.

Por isso, penso que felicidade tem menos a ver com aquilo que temos propriamente, mas no valor que damos a elas. Nosso mundo está sedento por pessoas felizes assim.

Por fim, aproveitando o enredo, agradeço sinceramente a você, caro leitor (a) por ter me acompanhado até aqui. Um feliz 2018 a todos!

Marcos José Iorio de Moraes é bacharel em história pela Unicamp, advogado e membro do IFE Campinas (marcos.jimoraes@gmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 17/01/2018, Página A-2, Opinião.




Caro leitor, muito obrigado!


Às vezes, tenho a impressão de que festa com data marcada, como a da virada de ano, começa e não vira nada. Quem sabe vem daí a razão do provérbio popular, segundo o qual o melhor da festa é esperar por ela. De fato, a véspera deixa a imaginação fora de si. Depois, surge a dura realidade e que fica sempre aquém do estratosférico horizonte criado pela imaginação alada. Para o mundo imaterial dos sonhos, vale a máxima do mundo mais aqui embaixo da gulodice: os olhos são maiores que a barriga.

Mais um ano se passou. Pensamos e não fizemos. Fizemos sem pensar. Pensamos demais e fizemos de menos. Ou, ainda, nem pensamos e nem fizemos. Enfim, cada um que se curve e reflita sobre a vida que levou no ano passado. E uma boa forma de começar nosso exame pode ser, simplesmente, agradecer. Sim, um espírito de gratidão é capaz de dar outro sentido à nossa vida.

A gratidão, esse sentimento puro e desinteressado, faz com que o homem converta-se a si mesmo em devedor daquele de quem se recebe um dom. É uma intensificação da virtude da justiça, porque busca afirmar ao outro pagando-lhe amorosamente o devido a ele. Haver recebido põe o homem frente à justa obrigação de devolver ao menos uma parte do dom recebido. Muitas vezes este dever se vive, mais radicalmente, como ato prazeroso e espontâneo de agradecimento.

Nota-se, assim, que a gratidão, no mundo de nossa existência, tem uma dimensão social, ética e estética. Sob as mais variadas formas, ponto que deixo ao exclusivo gosto de cada um. Existem agradecimentos polidos (“Fico-lhe obrigado por tanta gentileza”) e não polidos (“Valeu!”). Agradecimentos masculinos (“Obrigado!”), femininos (“Obrigada!”) e politicamente corretos (“Obrigadx!”). Agradecimentos elegantes (“Estou ternamente agradecido!”) e comuns (“Agradeço a você!”). Agradecimentos antigos (“É alta a mercê que me fazes!”), modernos (“Obrigado!”), pós-modernos (“Obrigado eu!” e, na forma meio descortês, “Obrigado você!”) e virtuais (“#‎obrigadooogalera!”). Agradecimentos curtos (“Grato!”) e longos (“Muitíssimo obrigado!”).

Por falar em forma, para além de um certo formalismo vazio, bem ao gosto kantiano, que o cotidiano tende a arremessá-las, todas essas expressões, à primeira vista, tão inofensivas e pueris, incidem, originariamente, sobre aquelas importantes dimensões de nossa existência e, muitas vezes, mostram-se autênticas mensagens cifradas, por vezes infinitamente sutis, surpreendentes e sábias, como sempre nos ensinaram a prosa, a poesia, a filosofia, mas, sobretudo, a linguagem, por meio da etimologia e da semântica.

Sob esse ângulo, o dinamismo da linguagem pode minar o sentido mais profundo do “obrigado” que, como outras expressões do cotidiano, é depositário da destilação das grandes experiências esquecidas. E se quisermos resgatar aquele sentido que elas encerram, devemos voltar-nos, criticamente, para esse depósito. Sob certa forma, é uma espécie do “eterno retorno” de Nietzsche, nem que seja ao dicionário, responsável por detectar e registrar tais sentidos.

Então, deixo por aqui meus agradecimentos a todos que contribuíram para minhas conquistas pessoais em 2014, mas, principalmente, para os leitores cordatos que interagiram comigo depois de cada artigo publicado. Cada qual, à sua maneira, sempre me ensinou um pormenor virtuoso a ser incorporado no baú das minhas ideias. Agradecimentos polidos, não polidos, masculinos, femininos, politicamente corretos, elegantes, comuns, antigos, modernos, pós-modernos, virtuais, curtos e longos e outros mais.

Este singelo agradecimento, como epílogo de 2014, serve, também, como prólogo de 2015, dessa vez, na expectativa de realização de mais uma “contribuição demográfica” à humanidade. Sempre em companhia dos livros, que são meu último reduto em busca de uma vida ainda não vivida: tal como os mendigos de Oxford, sempre bêbados (no meu caso, não necessariamente) e agarrados aos opúsculos.

Acabo por aqui, porque estou percebendo que o agradecimento está ficando muito extenso, a ponto de pretender conquistar a atenção de uma leitura maior que uma xícara de café que, se for da Nespresso, deveria ser ingerido às colheradas. Tal como uma sopa e para o desespero dos baristas mais ortodoxos. Por fim, lembro ao leitor que o colunista merece umas férias e a coluna regressa apenas em fevereiro.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, dia 31.12.2014, Página-A2, Opinião.