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Sobre o vício e a virtude (Plutarco)

Filosofia | 03/06/2016 | | IFE CAMPINAS

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A virtude segundo uma escultura da Catedral de Sens (França), em gravura de Viollet-le-Duc (~1856).

A virtude segundo uma escultura da Catedral de Sens (França), em gravura de Viollet-le-Duc (~1856).

 

1. Parece que são as roupas que aquecem o homem, mas absolutamente nem o aquecem nem projetam calor – em si mesma, qualquer uma delas é fria, e por isso aqueles que ardem em febre ou se queimam ao sol trocam muitas vezes umas por outras -, senão é o calor que o homem produz por si próprio que a roupa, cobrindo o corpo, guarda e mantém, e não deixa que este calor do corpo volte a se dissipar.

Ora, no que concerne às ações humanas, esta mesma aparência engana a maioria: caso se cerquem de grandes casas ou reúnam grande quantidade de escravos e de riquezas, os homens crêem que viverão com alegria. Mas viver alegre e contente não lhe sobrevém de fora, senão que, ao contrário, o homem acrescenta prazer e alegria às coisas que o rodeiam, tirando-os como que da fonte do seu caráter.

Quando arde o fogo na lareira,
a casa é mais digna de ver,

a riqueza mais agradável, e mais ilustre o poder e a glória: porquanto a alegria vem da alma; donde, devido à facilidade e doçura de caráter, os homens suportam leve e brandamente a pobreza, o exílio e a velhice.

2.     Assim como os perfumes deixam olorosas vestes e roupas, enquanto o corpo de Anquises exalava malcheirosa secreção,

que ensopava o fino linho em suas costas, [1]

assim também, acompanhado de virtude, todo hábito ou tipo de vida é agradável e indolor – mas o vício, misturando-se às coisas que parecem ilustres, preciosas e veneráveis, torna-as sofríveis, nauseabundas e insuportáveis para quem as possui.

Julgam-no feliz na praça pública,
mas depois de entrar em casa é miserável:
manda em tudo a sua esposa, ordena, briga sempre [2].

Todavia, a ninguém que fosse um homem, não um pau-mandado, seria difícil livrar-se de uma mulher ruim; mas contra o próprio vício não há possibilidade de escrever uma carta de divórcio e assim abandonar de uma vez os próprios achaques e folgar, tornando-se auto-suficiente: o vício está sempre conosco em nossas entranhas, dia e noite acompanha-nos.

Consome sem tição e conduz a uma velhice precoce, [3]

sendo um péssimo companheiro de viagem por causa da sua presunção, dispendioso conviva por causa da gula, além de concubina insuportável, cortando e aniquilando o sono por meio de cuidados, preocupações e rivalidades. E então quem tenta dormir descansa e repousa apenas o corpo, enquanto sua alma, que vive de superstições, é toda terrores, agitações e pesadelos.

Quando adormeço e me arrebata a dor,
sou morto pelos pesadelos,[4]

diz alguém; e a um tal estado também dispõem a inveja, o medo, a ira, a intemperança.

Durante o dia, olhando para fora e tomando os outros como modelo, o vício fica envergonhado, oculta as paixões de que padece e não se entrega a todos os seus impulsos, mas amiúde lhes resiste e combate: porém em sonhos, fugindo ao bom-senso e às leis e ficando o mais distante possível da reverência e do temor, cogita todo desejo e desperta tendências malignas e libidinosas. “Ousa dormir com a própria mãe” (como diz Platão), leva à boca alimentos sacrílegos e não se abstém de ação alguma, deleitando-se em transgredir quanto possível por meio de imagens e visões que não terminam em nenhum prazer e realização do desejo, mas conseguem apenas agitar e exasperar suas paixões e perversões.

3.     Onde está, então, o prazer do vício, se em nenhum lugar há isenção de dores e cuidados, nem auto-suficiência, nem tranqüilidade, nem calma? Pois, com efeito, é o funcionamento equilibrado e saudável do corpo que dá lugar e origem aos prazeres da carne; mas é impossível que um prazer e alegria sólidos nasçam na alma se a confiança, o destemor e o arrojo não lhes abrirem como que um abrigo ou piscina natural, protegida das ondas – caso contrário, mesmo se alguma esperança ou alegria sorrir a essa alma, ei-la rapidamente -irrompendo nela um só cuidado, como uma borrasca no mar calmo – toda transtornada e demolida.

4.     Reúne ouro, junta dinheiro, edifica pavimentos, enche a casa de escravos e a cidade de devedores: mas se não aplainares o terreno das paixões da alma, nem contiveres teu desejo insaciável, nem te livrares de teus medos e cuidados, destilas vinho para quem tem febre, serves mel a quem sofre do fígado e preparas pratos e comidas para quem sofre de cólicas e disenteria; nenhum destes absorve esses alimento nem se fortifica, mas é ainda mais prejudicado por eles.

Não vês que os enfermos mal toleram e rejeitam as mais finas e caras iguarias, desculpando-se com os que lhas trazem e insistem em que comam? Depois, restabelecido o seu vigor, estando perfeita sua saúde, limpo o sangue e normal a temperatura, não vês que, já de pé, se comprazem e se alegram comendo um simples naco de pão com agrião e queijo?

É a razão que produz na alma uma tal disposição: serás auto-suficiente se aprenderes o que é o belo e bom; viverás na pobreza, e serás rei, e não terás menos felicidade numa vida pacata de homem privado do que se a levasses junto com cargos militares e civis. Se te entregares à sabedoria, não viverás sem prazer, mas aprenderás a viver alegremente em toda parte e com tudo o que se te deparar; regozijar-te-ás com a riqueza favorecendo muita gente, com a pobreza não tendo que gerir muitos bens, com a fama sendo um homem honrado, com a insignificância vivendo sem causar inveja.

Tradução a partir do original grego de Érico Nogueira, tendo por base a seguinte edição: Oeuvres Morales, Paris: Les Belles Lettres, v. 1, 2ª parte, 1989, págs. 250-3.

Plutarco nasceu em Queronéia, na Beócia, em 47 d.C., e morreu na mesma cidade em 120 d.C. Foi filósofo de inspiração platônica, amigo do imperador Trajano e dono de um estilo inconfundível. Sua obra se divide entre as Moralia, tratados de cunho moral entre os quais se inclui o que traduzimos aqui, e as Vidas Paralelas, biografias de varões ilustres, que contrapõem sempre um grego a um romano.

 


NOTAS:

[1] Verso de uma tragédia de Sófocles, hoje perdida.

[2] Citação de uma das comédias perdidas de Menandro.

[3] Hesíodo, Os trabalhos e os dias, v. 705.

[4] Citação de um poeta desconhecido, provavelmente da Comédia Nova.


Publicado originalmente na revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta&Contradicta, Edição nº 2, Dezembro de 2008. 

INSCRIÇÕES ATÉ HOJE, 10/05 | "NIETZSCHE – Pensador de Dualidades" | SEMINÁRIOS DE FILOSOFIA

Filosofia | 10/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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Nietzsche

Prezado(a) leitor,

Hoje, 10 de Maio, é o último dia para inscrição no seminário “NIETZSCHE – Pensador de Dualidades”. Não se trata de uma defesa de Nietzsche, que, como se sabe, é um filósofo de várias problemáticas. Mas por isso mesmo o seminário, para mostrar melhor quem foi, o que pensou e que conseqüências teve seu pensamento. Seguem abaixo informações:

 

SEMINÁRIOS DE FILOSOFIA

“NIETZSCHE

Pensador de Dualidades”

PRORROGADAS AS INSCRIÇÕES ATÉ DIA 10/05*

«Nietzsche, Pensador de Dualidades»
*para quem começar a partir da segunda aula, será dado acesso à gravação da primeira aula (Introdução Geral).
Inscrevam-se pelo email lulio1232@gmail.com ou pelos telefones 11-3101-6785 ou 11 95134-6626
Local: LIVRARIA MARTINS FONTES AV. PAULISTA
6 encontros, às terças-feiras, das 19h15 ás 21h15
Dias 3, 10, 17, 24, 31/5 e dia 7/6/2016

O CURSO

Dentre as diversas abordagens ao pensamento de Nietzsche, uma das menos conhecidas é a que o investiga sob a perspectiva das dualidades, exposta em forma de livro em 2005 pelo filósofo espanhol Leonardo Polo (1926-2013). Esse enfoque se justifica porque, desse modo, 1) se destaca o seu repúdio ao platonismo, que valoriza a unidade em detrimento da dualidade; 2) se mostra que Nietzsche é um filósofo claramente pós-hegeliano, uma vez que o pós-hegelianismo se caracteriza sobretudo pela renúncia à síntese; 3) se tematiza a antropologia nietzschiana, ainda pouco estudada; 4) a crítica a Nietzsche se torna mais acessível e menos extremista; 5) não se dá atenção exclusiva à parte destrutiva do método nietzschiano, mas também e sobretudo à construtiva, e 6) se pode avaliar melhor a crítica de Nietzsche à representação e ao conhecimento objetivo.

PÚBLICO

O curso se destina a todos que se interessam por problemas filosóficos, em geral, e por antropologia filosófica, em particular. E, claro, a todos que amam ou odeiam esse tão falado quanto desconhecido filósofo alemão.

PROGRAMA

1 – PERFIL BIOBIBLIOGRÁFICO, A HERMENÉUTICA DA SUSPEITA
Antecedentes, A moral, O cristianismo, O idealismo

2 – A “PARS CONSTRUENS” DO MÉTODO NIETZSCHIANO, A VIDA E A VONTADE DE PODER

3 – O SUPER-HOMEM, O ETERNO RETORNO E O TEMPO
O instante, A eternidade

4 – O NIILISMO, A INSPIRAÇÃO E O SÍMBOLO

5 – A TOTALIDADE E A LUZ, A HIPERCRÍTICA

6 – A LIBERDADE, INTERPRETAÇÕES DE NIETZSCHE

PROFESSOR

Edson Gil leciona filosofia no nível superior há dez anos. Membro fundador do IBFCRL, estudou história na UFRJ, pedagogia na Alemanha e fez mestrado em filosofia na PUC-SP. Traduziu, entre outros livros, A escada dos fundos da filosofia e O café dos filósofos mortos.

DATAS E HORÁRIOS

Curso com 6 encontros de 2 horas-aula às terças-feiras das 19h15 às 21h15.

3 de maio, 10 de maio, 17 de maio, 24 de maio, 31 de maio e 7 de junho

INVESTIMENTO

R$ 200,00 à vista ou 3 parcelas de R$ 75,00 no cartão de crédito.

INSCRIÇÕES informe seu nome completo e telefone ao Sr. Marco Antonio pelo telefone 11 3101-6785 / 95134-6626 ou pelo email: lulio1232@gmail.com

LOGO 2 - Post NietzscheLOGO 1 - Post Nietzsche

Local:
LIVRARIA MARTINS FONTES PAULISTA
Av. Paulista, 509 – Metrô Brigadeiro

LOGO 4 - Post Nietzsche

 

LOGO 3 - Post Nietzsche© Copyright 1998-2016
INSTITUTO BRASILEIRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIA
RAIMUNDO LÚLIO (RAMON LLULL)
www.ramonllull.net

Fonte: Newsletter via e-mail Ramon Lull (www.ramonllull.net).

INSCRIÇÕES ATÉ HOJE, 10/05 | “NIETZSCHE – Pensador de Dualidades” | SEMINÁRIOS DE FILOSOFIA

Filosofia | 10/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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Nietzsche

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Hoje, 10 de Maio, é o último dia para inscrição no seminário “NIETZSCHE – Pensador de Dualidades”. Não se trata de uma defesa de Nietzsche, que, como se sabe, é um filósofo de várias problemáticas. Mas por isso mesmo o seminário, para mostrar melhor quem foi, o que pensou e que conseqüências teve seu pensamento. Seguem abaixo informações:

 

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“NIETZSCHE

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*para quem começar a partir da segunda aula, será dado acesso à gravação da primeira aula (Introdução Geral).
Inscrevam-se pelo email lulio1232@gmail.com ou pelos telefones 11-3101-6785 ou 11 95134-6626
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Dias 3, 10, 17, 24, 31/5 e dia 7/6/2016

O CURSO

Dentre as diversas abordagens ao pensamento de Nietzsche, uma das menos conhecidas é a que o investiga sob a perspectiva das dualidades, exposta em forma de livro em 2005 pelo filósofo espanhol Leonardo Polo (1926-2013). Esse enfoque se justifica porque, desse modo, 1) se destaca o seu repúdio ao platonismo, que valoriza a unidade em detrimento da dualidade; 2) se mostra que Nietzsche é um filósofo claramente pós-hegeliano, uma vez que o pós-hegelianismo se caracteriza sobretudo pela renúncia à síntese; 3) se tematiza a antropologia nietzschiana, ainda pouco estudada; 4) a crítica a Nietzsche se torna mais acessível e menos extremista; 5) não se dá atenção exclusiva à parte destrutiva do método nietzschiano, mas também e sobretudo à construtiva, e 6) se pode avaliar melhor a crítica de Nietzsche à representação e ao conhecimento objetivo.

PÚBLICO

O curso se destina a todos que se interessam por problemas filosóficos, em geral, e por antropologia filosófica, em particular. E, claro, a todos que amam ou odeiam esse tão falado quanto desconhecido filósofo alemão.

PROGRAMA

1 – PERFIL BIOBIBLIOGRÁFICO, A HERMENÉUTICA DA SUSPEITA
Antecedentes, A moral, O cristianismo, O idealismo

2 – A “PARS CONSTRUENS” DO MÉTODO NIETZSCHIANO, A VIDA E A VONTADE DE PODER

3 – O SUPER-HOMEM, O ETERNO RETORNO E O TEMPO
O instante, A eternidade

4 – O NIILISMO, A INSPIRAÇÃO E O SÍMBOLO

5 – A TOTALIDADE E A LUZ, A HIPERCRÍTICA

6 – A LIBERDADE, INTERPRETAÇÕES DE NIETZSCHE

PROFESSOR

Edson Gil leciona filosofia no nível superior há dez anos. Membro fundador do IBFCRL, estudou história na UFRJ, pedagogia na Alemanha e fez mestrado em filosofia na PUC-SP. Traduziu, entre outros livros, A escada dos fundos da filosofia e O café dos filósofos mortos.

DATAS E HORÁRIOS

Curso com 6 encontros de 2 horas-aula às terças-feiras das 19h15 às 21h15.

3 de maio, 10 de maio, 17 de maio, 24 de maio, 31 de maio e 7 de junho

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Vida curta, arte longa

Opinião Pública | 04/05/2016 | | IFE CAMPINAS

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“Os pensamentos são livres”, diz uma popular música do cancionário alemão. Durante o III Reich, foi proscrita das manifestações populares. Mas a ordem de seu banimento, própria de um regime totalitário, somente conduziu a cantá-la com mais entusiasmo na clandestinidade ou, ao menos, por dentro, no próprio coração, a saber, naquele recôndito mais íntimo da alma, onde as ordens legais não têm qualquer efeito e os outros não têm espaço.

Somos livres para pensar por conta própria. Contudo, fazemo-lo de verdade? Ou preferimos repetir os editoriais de periódicos ou revistas, as visões de programas de televisão ou de rádio, as opiniões de blogueiros e de redes sociais ou mesmo de nossos amigos mais influentes? Hoje, na maioria dos países, praticamente não há mais uma autoridade constituída para ditar os pensamentos ou para censurar aquilo que “não convém” para a sociedade.

Entretanto, por outro lado, a dita autoridade cambiou seu modo de agir: não se vale tanto mais da coerção, somente de uma branda persuasão. Fez-se anônima, invisível e, não raro, disfarça-se de normalidade ou de opinião pública. Não pede nada mais do que fazer o que todos fazem. Bovinamente. Em tempos assim, pulsa mais forte nossa necessidade de discernir e assinalar. Em suma, pensar.

Pensar é, sem dúvida, uma grande coisa, mas, muito antes, é uma exigência da natureza humana, porque cada homem é, de certo modo, um filósofo e possui concepções filosóficas a partir das quais orienta sua vida. Todos somos filósofos, ainda que muitos não se deem conta disso: um professor de matemática, uma doméstica, um taxista, um ministro, um campesino, um artista, um advogado e um juiz. Afinal, já dizia Aristóteles, todos os seres humanos naturalmente desejam o conhecimento.

Evidentemente, não somos como os filósofos de profissão, mas pertencemos ao que comumente é chamado de filosofia espontânea e, assim, a filosofia constitui, substancialmente, um tipo de saber com o qual se procura dar respostas às questões mais relevantes da existência vital.

Desde aquelas absolutamente típicas, como “quem sou eu?”, “de onde venho?”, “para onde vou?”, até outras mais incitantes, tais como o sentido da dor e do belo, a natureza e os limites da liberdade, a missão e o alcance do amor, a distinção entre o bem e o mal ou entre o lícito e o honesto, a essência da morte ou a existência da miséria e da vida ultraterrena.

Sob esse ângulo, todos filosofamos, enquanto buscamos na vida mais que o mero e maçante cotidiano. Nesse momento, as respostas fáceis ou habituais não nos bastam. Sentimos uma necessidade interior de ir além e, nessa circunstância, emerge o talante metafísico do ser humano.

Ousaria ainda pressagiar que, para muitos, sobretudo os mais jovens, as respostas mais convencionais do atual estágio civilizatório, pautado pelo consumismo, hedonismo e utilitarismo de uma “sociedade de mercado”, são insuficientes para muitos dos assuntos que tocam mais imediatamente no fluir do dia-a-dia.

Então, esses espíritos inconformados, exercitando um sadio espírito crítico, tentam ir além de tais respostas e mesmo das expectativas que reinam no ambiente. Não só passam a se comportar como filósofos, todavia, descobrem, com efeito, a partir desse momento existencial, um grande eixo de potencial formativo da filosofia, porque esta pretende dar respostas veritativas mais definitivas possíveis às questões que se lhe proponham e, antes, estabelecer perguntas de máximo alcance. Uma questão trivial assume foros filosóficos na medida em que os requerimentos e soluções são mais incisivos e esclarecedores.

Todavia, a filosofia não é o único conhecimento humano, embora seja o mais fecundo deles. Na verdade, o conhecimento humano é inexaurível, enquanto a vida é finita. Os horizontes do saber dilatam-se: ars longa vita brevis, o famoso adágio latino traduzido no título, retrata nossa impotência em pretender abarcar o conhecimento total da realidade, até porque a história ensina-nos que o próprio conhecimento renova-se e reinventa-se.

Durante séculos, a filosofia e, ao cabo, o pensar, faz notar que sua pretensão tem sido a de ser “amor ao saber”. Creio que, mais profundamente, a filosofia deveria ser o “saber do amor”. Dessa forma, passa a exprimir um profundo anseio existencial do ser humano, o amor que, potencializado pelos influxos desse saber, abre as portas para a verdade inesgotável que nos rodeia. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 4/5/2016, Página A-2, opinião