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Exame de consciência

Opinião Pública | 19/10/2016 | | IFE CAMPINAS

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O ex-presidente, cada vez mais encrencado com a justiça, resolveu, por ocasião da apresentação de sua defesa em um dos processos, afirmar ser necessário “botar pressão” no juiz da causa, nesse caso, Sérgio Moro. Recordo-me dos áudios da conversa dele com a ex-presidente, quando dizia que iria “botar a Fátima Bezerra e a Maria do Rosário para cima dele”, que “bicho, eles têm que ter medo”, e outras máximas que creio melhor não recordar: algumas são impublicáveis e outras atentam contra a inteligência do leitor.

Novamente, ele pleiteou a suspeição do mesmo magistrado. Achei curioso, porque a manobra mais lembra uma chicana processual de advogado de porta de cadeia. E, ao mesmo tempo, inteligente, porque foi uma forma bem concreta de “ir para cima dele”. O juiz seria obrigado a escrever páginas e mais páginas com explicações sobre sua imparcialidade processual. Isso daria munição para a mídia marrom – agora, no olho da rua, já que o dinheiro estatal secou – gerar manchetes aqui e acolá e, assim, insuflar o que restou da militância de um partido falido.

Desnecessário lembrar que, no mês passado, o ex-presidente mandou um advogado a Genebra para alertar a ONU que as prisões do dito juiz são ilegais, porque somente baseadas em depoimentos de suspeitos que estão loucos para fugir da prisão. Não sei que fim teve a empreitada externa.

Mas, enfim, o factoide valeu uma foto com os alpes suíços ao fundo e as manchetes dos jornais por um par de dias. De fato, na situação dele, isso foi bem vantajoso, por evitar outro destaque dele na mídia sobre algum novo esquema de corrupção envolvendo alguma grande empresa pública, a maioria “privatizada” para a comedeira dos companheiros de partido que, um dia, ao que tudo indica, serão também de cela.

Sem dúvida, o julgamento dos processos criminais do ex-presidente, cujas cifras envolvidas transformam casos políticos passados de corrupção pública em singelas “batidas de carteira”, será o batismo de fogo da independência judicial brasileira. Afinal, trata-se do político mais emblemático dos últimos tempos: começou sua carreira política com os pés e com as mãos e, ao que parece, no final dela, resolveu meter os pés pelas mãos.

A julgar pela estratégia defensiva, ele insiste em apostar tudo no viés político dos processos criminais. Acionou a ONU e, logo, deverá levar sua queixa ao bispo. O de Roma. Quem sabe, se condenado, venha a receber convites de asilo diplomático nos países que compõem o museu de obsolescências políticas do século XX. Afinal, para o ex-presidente, tudo é política.

Nesse ponto, ele é um genuíno weberiano. Autodidata, já que, como afirmou uma vez, “até para ler eu sou muito preguiçoso”. Aliás, falta de leitura deve causar mal à saúde mental. Segundo ele, num comício privê, “a profissão mais honesta do mundo é a do político”, porque “todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem que ir para a rua encarar o povo e pedir voto. O concursado não. Se ele se forma na universidade, faz um concurso e está com emprego garantido pelo resto da vida”.

O ex-presidente crê que a política pode derrotar a justiça. Veremos. Nunca antes na história desse país, um político ousou emparedar um juiz como ele está fazendo. Mas o mesmo juiz mostra-se um verdadeiro estrategista e não quero crer que, num despacho, ele vá se declarar cada vez mais convencido de sua suspeição.

Com tempo livre, sugiro ao ex-presidente que, ao invés de demonizar a instituição judicial, vá realizar um exame de consciência. Faz um bem tremendo para alma. Também deixo aqui – para o leitor que não tem preguiça de ler – um pequeno exercício de múltipla escolha, baseado na pérola emitida no tal comício, onde levo a lógica apedêutica do autor ao grau de limpidez de água de bica.

“Segundo a declaração de Lula: a) ser ladrão é ser honesto; b) se for político, pode ser ladrão, que, ainda assim, é honesto; c) o fato de pedir voto, mesmo sendo ladrão, torna a pessoa honesta; d) a pessoa pode ser honesta por maioria de votos, por mais ladrão que seja; e) todo concursado, por mais honesto que seja, será sempre um ladrão, já que não pode pedir votos; f) o ser (político) é (honesto) e o não-ser (concursado) não-é (desonesto); g) todas as anteriores”.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 19/10/2016, Página A-2, Opinião.