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Pra quê serve um professor?

Opinião Pública | 12/06/2019 | | IFE CAMPINAS

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Perto do ano 2000 muito se falava que nós professores estávamos com os dias contados, pois a tecnologia substituiria nosso trabalho. Embora a tecnologia possa em algum momento ser mais atrativa do que nossas aulas e é inegável que nem sempre é fácil competir com essas ferramentas que, se bem empregadas, podem ser um auxílio precioso, o problema real está na corrupção pela qual o próprio conceito de educação passou e ainda está passando, a começar pelas instituições e pelo próprio sistema de ensino brasileiro que é falho já em seus pressupostos.

A existência de cursinhos pré-vestibulares, por exemplo, comprova que o sistema de ensino é ineficaz, daí a necessidade de que existam para preencher essa lacuna. Atualmente uma visão de mercado suplantou a visão de educação, ou seja, o que realmente importa para muitos pais é a tentativa de retirar seu filho do convívio com supostas más companhias em instituições públicas – como se estas não existissem em igual ou maior proporção no ensino privado – e preservá-los do contato com drogas ou outras situações de risco e, supostamente, para oferecer-lhes uma “educação de qualidade”, conceito este que é construído muito mais na fama de que gozam algumas instituições de ensino do que no conhecimento das metodologias e informações que seus filhos recebem de fato. Os pais são e parecem querer ser enganados, tranquilizando suas consciências sem medir de fato o que estão oferecendo a seus filhos.

Por outro lado, essa situação é aproveitada por instituições de ensino que exploram esse mercado oferecendo o que o pai deseja e fazendo o que pode para manter a máxima quantidade de alunos, sem a mínima preocupação em educá-los e formá-los, antes cuidando para que se sintam felizes e realizados de acordo com sua medida pessoal sem forçá-los, como é próprio da verdadeira educação, a se elevarem a níveis sempre mais altos e melhores em vista de uma excelência acadêmica. Há um tempo atuei em uma instituição de grande porte em que percebi certa desorganização do pensamento dos alunos na compreensão da História, não por culpa própria, mas por terem se moldado ao que lhes era oferecido. No intuito de ampliar os horizontes, melhorar sua compreensão e ensiná-los a interpretar a História de forma linear e orgânica passei a adotar alguns princípios simples: aulas expositivas, solução de dúvidas, análise de imagens e mapas, rigorosa anotação de resumos e quadros sinóticos, exercícios e muitas perguntas elaboradas para inquiri-lhes diariamente sobre o conteúdo aprendido. Em pouco tempo consegui obter um bom resultado: cadernos organizados, ideias organizadas, memória mais afiada, discursos com coesão e coerência e a reclamação de algumas famílias de que a matéria era passada em demasia e que os filhos, no caso, adolescentes, não tinham tempo para mais nada. As reclamações, mesmo vindo de meia dúzia de pais renderam muita dor de cabeça e minha demissão.

Pra quê serve então um professor? A desvalorização dos docentes não é privilégio apenas da ausência de políticas públicas ou de um maior reconhecimento estatal, mas antes está entranhada no modo de agir e pensar daqueles que veêm nela algo meramente instrumental e não como algo mais profundo. Santo Agostinho afirmava que a verdadeira educação “não é um processo imediato e sim um prolongado e fatigoso processo de purificação moral e de exercício intelectual que conduz gradualmente o aluno até a identificação com a sabedoria, a beleza e a felicidade supremas, que se identificam com Deus”. Sem essa visão não formamos pessoas e sim autômatos e não edificamos casas do saber e sim empresas, más empresas, que oferecem educação e entregam o aluno aos seus próprios instintos na sanha de mantê-lo satisfeito e garantidamente mal formado para a vida real que o espera, pois o importante é o hoje e não aqueles valores perenes que farão toda diferença durante a vida desse aluno.

L. Raphael Tonon é professor de História, Filosofia e Ensino Religioso, gestor do Núcleo de Teologia do IFE Campinas (raphaeltonon@ife.org.br).

Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular, Edição de 12 de junho de 2019, Página A2 – Opinião.

Educação e resgate paideico

Opinião Pública | 15/11/2017 | | IFE CAMPINAS

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Em conversa com o vice-reitor de uma universidade paulista, expus para ele minha preocupação sobre os rumos de uma pedagogia jurídica que só “prepara para o mercado de trabalho” ou “garante a futura empregabilidade do aluno”. Fiquei estarrecido quando ele me respondeu que essa visão acadêmica não é só privilégio do mundo das leis. Segundo ele, a colonização foi praticamente completa: “educa-se” para o mercado e não para o mundo do trabalho.

Esse é o quadro do cenário educacional que contemplamos hoje. Os alunos são clientes, os diplomas são comprados em prestações mensais e as metodologias de avaliação são típicas de um sistema de produção toyotista. A eficaz máquina educativa inunda o mundo profissional de analfabetos diplomados e eu convivo com muitos deles nas petições iniciais e contestações.

No fundo, penso que essa máquina parte de uma pobre visão antropológica que oscila entre o homem “consumens” e o macaco evoluído: esse busca a redenção existencial pela técnica, enquanto aquele satisfaz sua curiosidade e se diverte contra a angústia de uma vida sem sentido. De fato, a julgar pelo nível dessa premissa antropológica, a educação superior não pode ser muito diferente: os frutos jamais caem longe da árvore.

Os gregos transformaram a educação na própria razão de ser de seu povo. A Academia e o Liceu foram o modelo de uma escola autêntica: o assenhoramento da universalidade do conhecimento da época pelos mestres da filosofia levou o grego aristocrata a frequentar escolas naturalmente. Aliás, em razão do cultivo do saber e da busca da sabedoria, os gregos só poderiam valorizar altamente a educação.

Depois da Grécia, a educação passou a ser vista como fonte de fortalecimento dos povos. Floresceu e democratizou-se com o espírito prático dos romanos até a queda do império ocidental, quando a Igreja Católica assumiu sua função de educadora ao civilizar os povos bárbaros e, alguns séculos depois, fomentou a criação da universidade medieval, legado precioso que perdura até hoje e um dos símbolos da civilização ocidental.

Com o advento do Estado moderno, cada nação tratou de por seus olhos na formação de suas gerações pelo meio da educação, desde a mais elementar até a mais sofisticada, restando a impressão de que o homem estaria no vestibular da conquista do universo, cuja aprovação dependeria do domínio de suas próprias contradições e tendências menos dignas de uma natureza debilitada.

Mas parece que nos encaminhamos para a reprovação, se o estado atual das coisas permanecer assim. Talvez, uma saída passe por uma profunda reflexão sobre o papel da cultura. A cultura é sempre a irrupção do atemporal no meio do tempo. Cultura vem do latim colere, que significa também cuidar.

Algo que se relaciona com a natureza e o cultivo da terra e não com uma linha de produção. É uma operação que consiste em cuidar do espaço, liberar os recursos do crescimento de uma pessoa e permitir a frutificação da plenitude de um ser. Por isso, uma vivência cultural lembra mais o trato da terra e não o chão de fábrica.

Educar é, pois, cultivar e não manufaturar. Respeitar os ritmos das colheitas e das estações dos indivíduos. Trato esmerado. Não produção em série. Contudo, educar entranha um risco: o risco da liberdade humana. É o único caminho, porque uma educação sem risco vira adestramento, algo em que a maioria das faculdades concorrem umas com as outras. Diria até que, em alguns casos, o puro “educar” para o mercado de trabalho chega a ser tão eficaz que o aluno logo consegue um emprego.

Cinco anos depois, todo aquele conhecimento da graduação não tem muito mais serventia e começa a maratona de sucessivos cursos dos mais diferentes tipos, a fim de o ex-aluno se tornar cada vez mais empregável, visando escapar da condição de excluído. Afinal, ele foi adestrado para o mercado de trabalho. Se tivesse sido educado para o mundo do trabalho, muito dificilmente precisaria daquela maratona pedagógica.

A modernidade pedagógica propôs fazer uma educação laica, ainda que, em regra, tenha flertado com o laicismo. A pós-modernidade pedagógica propõe a falsa transcendência do mercado de trabalho. No primeiro caso, sonhávamos com um homem sem Deus. No segundo, sonhamos com algo pior: um homem sem o humano. Eis o efeito nefasto de nosso “adestramento superior”: é chegada a hora de seu resgate paideico. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes. Ph.D., é juiz de direito, professor-pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 15/11/2017, Página A-2, Opinião.

A inclusão vista de perto

Opinião Pública | 02/06/2015 | | IFE CAMPINAS

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Criança de três anos com autismo indicando um peixe em aquário. Foto: Connie Kasari (Wikipedia Creative Commons: link http://en.wikipedia.org/wiki/Autism#/media/File:Opening_a_window_to_the_autistic_brain.jpg)

Criança de três anos com autismo indicando um peixe em aquário. (Foto: Connie Kasari, Wikipedia – Creative Commons, link da imagem aqui)

 
Muito se discute sobre dos problemas do nosso tempo. De fato, não são poucos. Contudo, há uma questão que me deixa orgulhoso por viver em nossa época. Refiro-me à inclusão, notadamente a escolar. Não porque a vivamos à perfeição – muito pelo contrário –, mas sim pelo esforço que começa a ser feito para termos uma sociedade mais humana e menos propensa a considerar apenas como dignos aqueles sem qualquer transtorno ou deficiência.

Tenho um filho com autismo e sou professor, isto é, vivencio os dois lados dessa solução, incluir, que muitas vezes é um problema.

O lado perverso da inclusão ainda é o fato de haver escolas que negam a matrícula a crianças diferentes. A desculpa, quando existe alguma, é a de que os professores não estão aptos para a tarefa. Mas a primeira questão que deve ser feita a professores, coordenadores e pais é: quem está preparado? Quando recebi o diagnóstico do meu filho, tudo o que tinha era boa vontade. E isso, ao menos no início, faz toda a diferença, tanto do lado da escola como dos pais.

Alguns poderão objetar afirmando ser um dever dos profissionais da educação saber lidar com o transtorno, como por exemplo, o autismo. Mas, mesmo eu, que tenho um filho nessa condição e sou professor, não sei o suficiente para ensinar jovens de 13 a 16 anos, faixa etária em que leciono. Imagine os que pouco ouviram falar sobre o assunto. Além disso, não existe apenas o autismo, mas diversas síndromes e deficiências que exigem um cuidado individualizado, isto é, de um para um. Como um professor pode realizar essa tarefa em meio a mais 30 alunos?

O último livro que li a respeito, TEA e inclusão escolar, de Anita Brito, professora e mãe de um jovem com autismo, é muito elucidativo porque mostra a inclusão como um processo no qual escola e família devem trabalhar juntas. Os problemas acontecem quando uma das partes não compreende esse fato. A escola pensa estar fazendo um favor à família e, por isso, em face de qualquer problema, tende a demonstrar irritação. Os pais, por sua vez, podem ver preconceito em tudo e serem hipersensíveis a qualquer observação da escola.

Enquanto as faculdades não “incluírem a inclusão” como matéria obrigatória e fundamental ante os desafios atuais, ela acontecerá quando a escola e a família aceitarem a criança tal como ela é. Assim, os desafios que forem surgindo serão superados com compreensão e conhecimento. Os pais podem ajudar e muito para que a escola do filho seja de fato inclusiva, principalmente auxiliando-a a lidar de forma mais eficaz com a criança. Bons profissionais aceitarão de bom grado essa ajuda, pois serão profissionais mais capacitados e humanos.

O meu filho é estimado por toda a escola na qual estuda. Gostaria que todos os pais de crianças especiais soubessem como é bom ver que o filho está em boas mãos. Enquanto nenhum poder público cumpre a sua obrigação, escola e pais devem fazer não a inclusão dos sonhos, mas a possível e que pode transformar a vida dos nossos filhos.

Eduardo Gama é mestre em Literatura pela USP, jornalista, publicitário e membro do IFE Campinas

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 1º de Junho de 2015, Página A2 – Opinião.

Educar para a sabedoria

Educação | 05/05/2015 | | IFE CAMPINAS

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Ilustração - Educar para sabedoria -G Melo

Em entrevista recente, o artista chinês Ai Weiwei – que está proibido de deixar seu país devido a desentendimentos com o governo – criticava o sistema educacional de sua nação, apesar de os estudantes chineses atingirem resultados excepcionais em rankings internacionais de desempenho acadêmico. Ele admitia que seus compatriotas podem até ser habilidosos, mas “falta-lhes a habilidade de fazer seus próprios julgamentos livres”. E continuava: “É realmente triste ver jovens adultos, de 20, 25 anos, que não aprenderam a tomar suas próprias decisões. As pessoas incapazes disso não adquirem um senso de responsabilidade. E quando não se tem um senso de responsabilidade, empurra-se a culpa para o sistema”.

Ora, caberia perguntar se essas características são privilégio do sistema educacional chinês. Afinal, o ranking que coloca a China na dianteira foi elaborado pela OCDE, organização eminentemente ocidental. Portanto, se Weiwei discorda dos critérios – a saber: habilidades em aritmética, ciências naturais e leitura – que exaltam o desempenho dos estudantes de seu país, mais do que criticar a China, ele está indiretamente problematizando o tipo de avaliação que o ocidente tem adotado para valorizar determinados sistemas educacionais em detrimento de outros.

Ou seja, se nossos rankings colocam no topo da lista estudantes que são incapazes de tomar decisões e que não possuem um senso de responsabilidade apurado, não seria o caso de questionarmos esses critérios de avaliação? Pois esses números resultam em relatórios, que fomentam o processo de elaboração de políticas públicas, que, por sua vez, moldam a “fisionomia educacional” dos países, incentivando a formação de estudantes com determinado perfil.

Sendo assim, que tipo de estudante desejamos? Ou, o que esperamos dos jovens que passaram pelo sistema educacional: simplesmente, que saibam ler, fazer contas e que possuam noções básicas de ciências naturais? Não seria necessário pensarmos numa educação que também contribuísse para que as pessoas desenvolvessem sua capacidade de decidir e o seu senso de responsabilidade?

T.S. Eliot já se perguntava na primeira metade do século passado: “Onde está a sabedoria que nós perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que nós perdemos na informação?”. Se formamos pouco para o conhecimento, menos ainda para a sabedoria. Aliás, temos utilizado a palavra “sabedoria” muitas vezes com um viés esotérico e, por incrível que pareça, oriental – o que soa surpreendentemente contraditório, se pensarmos na fala de Weiwei.

Talvez isso aconteça porque temos lido muito Piaget e Vygotsky, mas esquecemos de Platão e Aristóteles: por isso, nossos sistemas de ensino e de avaliação descartam a formação para as virtudes da prudência e da justiça, que capacitam – no sentido moral, não no “mercadológico”! – o ser humano a decidir e a ter senso de responsabilidade.

Há alguns dias, lendo J. D. Salinger, deparei-me com um trecho em que se refletia sobre a universidade. Franny, uma das protagonistas do livro, reclamava que não estaria tão decepcionada com a vida acadêmica, se pelo menos uma vez houvesse ouvido a sugestão, mesmo superficial, de que “o conhecimento deve conduzir fatalmente à sabedoria e que, se não o fizer, é uma repugnante perda de tempo!”

Tendo cursado Ciências Sociais, tenho que concordar com Franny. Em meus anos de universidade, pouco – para não dizer nada! – ouvi sobre “sabedoria”. E, onde encontrei? Justamente na leitura de alguns clássicos da filosofia e da literatura: leitura que não tinha como objetivo a “compreensão interna” do texto, mas sim aprender algo que valesse a pena para a vida.

Portanto, nossas metas educacionais, longe de visarem resultados que nos aproximem dos estudantes chineses, poderiam se pautar por outros critérios. Um caminho interessante seria valorizar leituras e conteúdos que procuram formar pessoas com sabedoria para decidir por conta própria e que, por isso, não “jogarão” a responsabilidade de suas ações para o sistema.

Guilherme Melo de Freitas é professor, mestre em sociologia pela USP e Gestor do Núcleo de Sociologia do IFE Campinas (gmelo.freitas@gmail.com).

Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular, 30 de Janeiro de 2014, Página A2 – Opinião.

Ilustração: Reprodução de ilustração que acompanha este artigo publicado no jornal Correio Popular, 30 de Janeiro de 2014, Página A2 – Opinião.

Professor por opção (por Fabio Florence¹ e Guilherme Melo de Freitas²)

Educação | 31/03/2015 | | IFE CAMPINAS

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800px-Math_lecture_at_TKK_LOUSA-byTungstenJá dizia a piada: “Qual a diferença entre um professor e um palhaço?” A resposta é taxativa: “É que o palhaço não corrige provas!”.

Além dessas tiradas de humor – que, diga-se de passagem, são bastante engraçadas! -, o sujeito que se vê na situação de professor, cedo ou tarde, irá se deparar com a clássica pergunta: “Você trabalha ou só dá aulas?”.

Por essas e outras, fica patente que a profissão de professor não é valorizada atualmente.

Nesse sentido, não surpreende que grande parte dos docentes não exerça seu ofício devido uma escolha, mas sim porque as circunstâncias da vida o conduziram – a despeito dele – a tal profissão: “na falta de coisa melhor”, começa-se dando umas aulas para completar a renda; o tempo é preenchido, aparecem mais aulas, e, após alguns anos, já não é mais possível se inserir em outra área. Ou, tendo se aposentado, passado por uma frustração profissional, a pessoa enxerga como única alternativa dar algumas aulas, “para não ficar parada”, enfim, para “ganhar um dinheirinho”…

Diante desse panorama, é difícil encontrar sujeitos que tenham optado voluntariamente pela carreira de docente. Mesmo assim, apesar dos pesares, ainda existem jovens que, tendo o futuro pela frente, e diferentes possibilidades em vista, decidem – em sã consciência! – trilhar sua trajetória profissional na sala de aula.

A pergunta que surge é: por que fazem isso?

Certamente, a motivação não é financeira: afinal, no nosso país, quem decide ser professor – salvo as exceções que confirmam a regra – tem clareza sobre as dificuldades econômicas que terá que enfrentar.

Também não é uma motivação relacionada ao prestígio. O “orgulho de ser docente” não anda em moda na atualidade – isto é, não há “admiração social” pela profissão, como existia há algumas décadas atrás, o que fornecia um considerável status àqueles que se dedicavam ao ensino.

Descrevendo esse cenário, lembramos uma dessas “dinâmicas de planejamento do ano escolar”, quando o coordenador pediu que os professores pensassem em uma música que pudesse ilustrar bem o momento em que alguém decide seguir a profissão de docente. Um dos presentes não titubeou e soltou imediatamente um antigo sucesso de Raulzito: “Eu vou ficar… Ficar, com certeza, maluco beleza!”

Afinal, cabe perguntar: jovens que decidem voluntariamente ser professores não seriam uns “loucos”, “pessoas esquisitas”, “perdidas na vida”?

E aqui respondemos: definitivamente, não! É possível sim optar razoavelmente pela docência. E, na maioria das vezes, a motivação para essa escolha está ligada a dois tipos de experiências vitais.

A primeira é a de quem já teve a oportunidade de ensinar. Um exemplo é um universitário que cursava química e desistiu de trabalhar em empresas, depois de dar uma aula e ouvir de um aluno a “frase mágica”: “Ah, agora entendi!”. Essa alegria que brota da experiência de ensinar outra pessoa é um primeiro fator de motivação para a opção pela docência.

A outra experiência vital está relacionada ao fato de se ter aprendido algo valioso. Só deseja realmente ensinar quem aprendeu algo que vale a pena ser transmitido. E, nesse aspecto, temos muita carência: afinal, infelizmente, não são comuns os professores que gostam de estudar, e que demonstram um sincero fascínio por aquilo que ensinam. Talvez, se houvesse mais esses “apaixonados”, também haveria muitos outros jovens que se inspirariam com a profissão de docente.

Como diria de modo lapidar o pensador Étienne Gilson: “A educação é uma conseqüência derivada da busca desinteressada de tudo aquilo que deveria ser desejado e amado por si mesmo. Se um ser humano busca a beleza para ‘adquirir educação’, perderá tanto a beleza como a educação, mas se busca contemplar a beleza por si mesma, alcançará tanto a beleza como a educação. Buscai primeiro a verdade e a beleza, e a educação lhe será dada por acréscimo”.

Fabio Florence¹ e Guilherme Melo de Freitas²

¹ (florenceunicamp@gmail.com), 29 anos, mestre pela Unicamp, professor de filosofia do Colégio Etapa.

² (gmelo.freitas@gmail.com), 27 anos, mestre pela USP, professor de sociologia da Escola Estadual Prof. João Lourenço Rodrigues.

Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular, 18/04/2014, Página A2 – Opinião.

Imagem: Lousa quádrupla na Helsinki University of Technology, 2005. Foto em domínio público disponível neste link.