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Humilhadas e ofendidas

Opinião Pública | 28/10/2016 | | IFE CAMPINAS

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Brian Boulos da NYC - Flickr

Foto: Brian Boulos da NYC – Flickr

 

Dostoievski é, para mim, o melhor escritor que já existiu. E, se é assim, os grandes dramas humanos de todos os tempos devem estar em seus livros, tais como o amor, o perdão, o sofrimento, etc. Hoje, há um tema que vem gerando muita reflexão, a chamada questão feminina. O sábio russo deve ter algo a dizer sobre o assunto. E tem.

Em “O idiota”, acompanhamos o drama de Nastácia Filípovna. A jovem perdeu os pais muito nova e ficou sob os cuidados de um conhecido do pai, Totski, que sentiu pena da órfã. Até a adolescência da moça, deu-lhe bons cuidados, mas, a partir de então, redobrou-os devido à beleza dela e a tratou como uma concubina. A respeito de Nastácia, o protagonista do livro, o príncipe Mischikin, profundo conhecer da alma humana, afirmou ao ver seu retrato: “O rosto é alegre, e não obstante ela sofreu terrivelmente, não? É um rosto altivo, terrivelmente altivo, só que eu não sei se ela é bondosa ou não.” Para quem lê o livro, fica claro que Nastácia tem essa atitude de orgulho e rancor porque foi tratada como um objeto da luxúria daquele “respeitável senhor da sociedade”. E o príncipe não sabe se ela é bondosa porque, naquele momento da narrativa, ela está fechada para o amor, quer apenas se vingar da humilhação sofrida. Busca reparação.

Quantas Nastácias temos hoje? Quando vejo jovens tirando a roupa para protestar por qualquer coisa, quando xingam e babam ódio, quando gritam “meu corpo, minhas regras” vejo Nastácia. Gostaria de perguntar-lhes que mal lhes foi feito para quererem se vingar assim de todos nós. Embora algumas acabem por seguir o que parece ser uma tendência feminista, acredito que muitas foram “humilhadas e ofendidas”, para citar mais um título do genial russo.

Buscam proteger-se do mal que lhes fizeram querendo ter os mesmos direitos de seus agressores. O erro reside no fato de que ninguém deu a eles o direito de ferir o outro. Mas elas não consideram a questão sob esse prisma. Pensam que o direito de humilhar também lhes deve ser facultado, talvez para que nunca mais sejam ofendidas novamente. Em alguns casos bastante tristes, acabam aceitando a maldade imposta e veem a si mesmas como “vadias”.

Fala-se muito hoje que os meninos devem aprender a não serem estupradores. Nenhum de nós o é, alguns se tornam. Mas esse não é ponto, serve apenas para nos distrair do problema fundamental: a falta de amor. Mulheres devem ser amadas, caso contrário, a crise na sociedade instala-se. E uma forma cruel de maltratá-las, mas ninguém fala, pois é um tema tabu, é a pornografia.

Em um artigo publicado no Washington Post, Gail Dines, professora de Sociologia e autora de livros sobre o tema, aponta que um estudo recente em sete países distintos concluiu que o consumo de pornografia está associado ao aumento de atos verbas e físicos de agressão sexual contra a mulher. No mesmo sentido, outro estudo, que analisou cenas de filmes mais assistidos, verificou que os homens xingavam e cometiam atos agressivos em 70% dos casos. A mulher era o alvo em 94%. Sem falar nas imagens publicadas por “namorados”, o que já levou algumas meninas ao suicídio.

“Que pode uma criatura senão, entre outras criaturas, amar?”, perguntou Carlos Drummond de Andrade. Porém, como explica o stárietz Zózima em outro livro de Dostoievski, sua obra-prima, “Os irmãos Karamázov”, “o amor é um mestre, mas é preciso saber adquiri-lo, porque é difícil adquiri-lo, custa caro, um longo trabalho que demanda um longo tempo, porque não se deve amar por um instante fortuito, mas até o fim.” É o que pedem todos, especialmente aquelas “humilhadas e ofendidas”.

Eduardo Gama é mestre em Literatura pela USP, Jornalista, Publicitário e membro do IFE – Campinas.