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Espírito conservador

Opinião Pública | 16/11/2016 | | IFE CAMPINAS

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Todos somos conservadores, ao menos naquilo que estimamos. Família, trabalho, time, livros, bebidas, lugares e comidas. Um sujeito com uma disposição conservadora tende a valorizar aquilo que já tem, não porque tudo que possua seja superior à uma alternativa hipotética, mas porque eles não são uma alternativa hipotética e a possibilidade de os perder em tempos de mudança desenha-se como uma privação fundamental.

Vivemos em tempos absolutamente progressistas, nos quais depositamos nossa fé política numa crescente concentração estatal de poder, atribuindo aos detentores deste a condição de “iluminados”, porque eles seriam os guardiães das respostas para todos nossos problemas e imperfeições e, assim, os destinos da cidade sempre estariam progredindo no caminho da política. Para um espírito conservador, “a beleza” do progressismo está em sabermos como começa e ignorarmos como termina.

O espírito conservador é sempre a pedra no meio desse caminho rumo ao progresso. Ele levanta dúvidas e, dessa maneira, questiona o papel de uma elite culta que pretende impor sua agenda política – em regra, progressista, mas, não raro, reacionária – ao restante da sociedade, porque, afinal, por ser mais capacitada, está apta a interpretar a realidade melhor que os incultos, os quais, em razão disso, também não sabem votar.

O espírito conservador também critica uma mídia “mais engajada” em desconstruir que informar, sobretudo durante os processos de alternância de poder. Nesse caso, se o candidato da torcida midiática perde, não foram as pesquisas de opinião que erraram. Foi o candidato opoente que “surpreendeu” e venceu a eleição.

Atualmente, temos três espíritos predominantes no cenário político-partidário: o reacionário, aquele que defende uma visão apegada e idealizada do passado, uma espécie de “revolucionário do avesso”; o progressista, o sujeito dado à filosofia da vaidade do otimismo racionalista, o revolucionário de uma felicidade futura utópica que só existe na cabeça dele.

Por último, temos o conservador, cujo espírito procura, sempre diante da perspectiva de mudança do cenário social, preservar um certo rol de princípios fundamentais apreendidos pela experiência histórica e, assim, orientado por um discernimento prudencial, aceita, por reformas gradativas, as modificações culturais ou sociais que pulsam no seio da dinâmica histórica.

Logo, um espírito conservador não propõe “conservar” tudo como está, inclusive as inúmeras injustiças sociais que saltam aos nossos olhos, mas tem o espírito atento aos sinais das épocas, procurando zelar pelo desfrute das condições presentes que sobreviveram aos “testes do tempo” e que se revelam ainda úteis e benignas na condução da sociedade.

Essa postura também emerge, mas reativamente, em momentos de particular dramatismo para as instituições que sobreviveram aos “testes do tempo”, como a família nuclear. Nesse ponto, metaforicamente, o espírito conservador seria a princesa: só com um beijo do príncipe portador da “boa-nova radical”, ele despertaria.

Em suma, o conservador é aquele que defende o mundo presente e as suas instituições, não porque esse mundo corresponde estritamente a um “projeto conservador de poder”, mas porque as instituições, os valores e os princípios ainda se mostram necessários para a preservação desse mundo tal como vivemos, compondo uma tradição que deve servir de base para uma atuação política prudencial, porque as exigências da política são, em boa parte, as exigências de uma tradição perene.

Nestes tempos modernos – de fragmentação, de “duplipensamento” e de descrença – o espírito conservador adquire um novo alcance e sentido. O espírito conservador é, em si mesmo, um “modernismo” e aqui reside o segredo de seu sucesso: a capacidade de indicar os essenciais arranjos tradicionais que, com base no reservatório de experiências do passado, estão aptos a nos conduzir para uma vida boa. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 16/11/2016, Página A-2, Opinião.