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O juízo dos sem-juízo

Opinião Pública | 09/03/2016 | | IFE CAMPINAS

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Na última semana, assisti aos questionamentos sobre a “desnecessidade” da condução coercitiva do ex-presidente Lula. Isso merece um exame mais profundo. Há menos de um mês, quando um promotor do Ministério Público de São Paulo – em estrito exercício regular de direito e um amigo de agruras forenses na extinta primeira entrância – intimou-o a prestar esclarecimentos sobre o triplex do Guarujá, os tais “movimentos sociais” – todos financiados pela máquina estatal – convocaram uma manifestação no Fórum Criminal da Barra Funda, justamente no horário do depoimento.

Certamente, não se deslocaram para lá para ficar agitando bandeiras da sigla, abanar a mão para o Lula ou mesmo tirar uma selfie com ele. Foi um cerco montado pela militância partidária com a clara intenção de intimidar promotores e juízes. Em suma, emparedar o Estado de Direito. Como aliás, costumava fazer, ao redor do fórum, a turma bem engajada, alimentada à base de muita maionese sociológica, e se dizente bien pensant para a resolução da invasão da área pertencente aos credores trabalhistas e previdenciários de uma conhecida empresa regional. O modus operandi é o mesmo. Em bom português, é o juízo dos sem-juízo.

Quando resolveu deferir a condução coercitiva, amparado em precedentes jurisprudenciais do STF, o juiz Moro fez uma jogada de mestre, porque, ao jogar segundo esse modus operandi do populismo político que governa o PT, simplesmente os deixou sem reação imediata e completamente perdidos. Nem Maquiavel ou Kasparov fariam melhor. O Brasil não é a Venezuela. Nem Cuba. Por aqui, o Estado de Direito é atribuição do Poder Judiciário. Não é pautado pelo Instituto Lula, pelo PT ou mesmo pelo que sobrou do Planalto.

A operação Aletheia – cujo nome é bem sugestivo, porque há muitas verdades escondidas nas sombras do passado político recente e que precisam ser desveladas, inclusive, dos outros partidos também – sustenta-se a partir de uma representação do MPF que aponta para uma série de indícios de enriquecimento ilícito contra o ex-presidente, tido, para muitos, como uma espécie de vestal intocável do messianismo político tupiniquim.

O fogo de artilharia disparado por Lula e seus partidários, na direção de uma imprensa dita golpista (o tal do PIG) e de um Poder Judiciário dito cooptado politicamente em favor do projeto de poder da oposição (Que oposição? Desde 2003, não temos oposição…), buscar atingir aquilo que, nessa altura dos acontecimentos, não é mais possível: iludir as consciências dos cidadãos de um país inteiro.

Se Lula, nossa contribuição sociológica para a história do messianismo político, como pretendem seus simpatizantes, acredita que algum direito lhe foi violado, resta-lhe bater nas portas dos tribunais superiores. Eles estão lá para isso: o STF já lhe acenou negativamente. Ignoramos qual será sua reação, depois de ter já dado com uma porta fechada. Chegou a hora de conhecer sua verdadeira identidade.

Aquela que, como qualquer cidadão, sabe conviver com uma imprensa livre e um Poder Judiciário independente, pilares de qualquer país sério, ou, quem sabe, aquela do mimetismo do companheiro-mensaleiro-preso-político-político-preso José Dirceu: sair às ruas, junto com a militância, que confunde ente de razão ideológica com a coisa-em-si, erguer o braço e fechar o punho. Em desafio à democracia que, aliás, ele, um dia, no passado, ajudou a restaurá-la. Seria, na segunda opção da disjuntiva, um triste fim para Lula e sua biografia de vida política, até sua ascensão ao poder, incomparável.

Aguardamos pelo desfecho das investigações. Então, no final, somente no final, saberemos se o Delcídio foi, simbolicamente, seu suicídio. E, também, esperamos que o juízo dos sem-juízo não abale o Estado de Direito em seu prejuízo. Ainda mais se for comprovado que sua vestal resolveu comportar-se como messalina dos valores republicanos. Como os ânimos estão exaltados, alerto que eventuais hate speech comments, que vierem a ocupar minha caixa de mensagens doravante, serão, solenemente, ignorados. Porque, o que nos faz bem, é pensar – e debater – bem.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com).

Artigo publicado o jornal Correio Popular, edição 9/3/2016, Página A-2, Opinião.