Arquivo da tag: Comunidade

image_pdfimage_print

O empreendedor e a comunidade

Opinião Pública | 01/05/2019 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print

Uma longa história de idealização da carreira pública, combinada com a difusão sistemática do discurso marxista da luta de classes, criou no Brasil um ambiente difícil para o empreendedor, especialmente para aquele que não se inclui no seleto grupo dos “amigos do rei”. Nos últimos anos, contudo, vem ganhando força entre nós um discurso liberal de extrema superficialidade que apregoa a criação de um ambiente de completa desregulamentação do mercado. A pergunta que então naturalmente se levanta é: como alcançar a via média da prudência entre os dois extremos?

Num país acostumado a exigir todas as soluções de seus problemas da parte de entes estatais, nada mais natural que esperar do governo um amplo conjunto de sábias reformas que, de um só golpe, eliminem os entraves para a atividade empreendedora e protejam o interesse público da comunidade como um todo. Sucede, no entanto, que, conforme assinalou Aristóteles, nem toda sociedade política alguém sábio o suficiente para dar-lhe um conjunto de leis que seja a expressão mesma da justiça. Por mais que o desejássemos, não teremos sempre à nossa disposição um Sólon ou um Péricles. Diante disso, a única saída para a manutenção de uma sociedade política saudável seria contar com um bom-senso medianamente distribuído entre os cidadãos. Ora, em que consiste esse bom-senso da parte do empreendedor?

Em primeiro lugar, cumpre saber que uma das maiores mentiras difundidas pelo pensamento socialista nos últimos séculos foi a ideia de que empregadores e empregados são inimigos entre si e se engajam numa relação naturalmente injusta. A verdade é bem o contrário: do ponto de vista das relações humanas naturais, empregador e empregado auxiliam-se mutuamente, aquele assumindo certos riscos no lugar deste e, ao mesmo tempo, ensinando-o determinadas técnicas que adquiriu. O resultado desse encontro é a criação de um vínculo de proximidade que, de algum modo, se assemelha às relações familiares. As antigas corporações de ofício não eram outra coisa senão o resultado de longo prazo desta associação entre homens que se vinculavam de maneira que um assumia certos riscos e ensinava e outros se punham sob sua proteção e aprendiam, podendo, com o tempo, ocupar o lugar do antigo mestre.

Mas a tendência à criação de relações de proximidade e amizade no interior da corporação também apresenta uma frutuosa contrapartida no que diz respeito ao grupo social mais amplo em que ela está situada. Quando uma empresa se instala numa cidade pequena, a tendência é que seus funcionários sejam moradores locais ou que, se não o forem, que desenvolvam vínculos de proximidade e amizade com os habitantes da região. O empreendedor que tiver sabedoria buscará criar um ambiente de enraizamento de seus funcionários com pequenas comunidades locais, pois é a existência e o fortalecimento de relações de amizade que dotam a vida de sentido e dão à experiência do trabalho sua real dimensão: de um serviço de amor ao próximo (coisa que de nenhum modo exclui a justa remuneração, mas que, se estiver ausente, faz com que até mesmo o mais bem remunerado dos empregos resulte num tormento).

O fomento de relações desse tipo entre empreendedores, empregados e comunidade é algo factível em qualquer ambiente, mas tem maior chance de ser bem-sucedido em cidades de pequeno e médio porte do que em metrópoles. Nunca é demais lembrar que o crescimento desenfreado destas últimas esteve ligado a um modelo centrado em fábricas gigantescas, nas quais o trabalho era frequentemente mal remunerado e os empregados infelizes. Hoje a tendência, mesmo nas grandes empresas, é de um regime de trabalho em pequenas equipes, privilegiando laços de confiança e evitando ao máximo o recurso ao aparato judicial do Estado. Que os empreendedores saibam discernir esse sinal dos tempos e o aproveitem de maneira sábia.

Fabio Florence é professor de filosofia, tradutor e membro do IFE Campinas
florenceunicamp@gmail.com

Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular, Edição de 1° de Maio de 2019, Página A2 – Opinião.