Resgatando a imaginação


Quando ouvimos dizer que alguém “deu asas à imaginação” ou que possui a imaginação fértil, costumamos pensar, no mínimo, em fugas momentâneas da realidade e, no máximo, em pessoas indisciplinadas para o trato com os problemas da vida real. A aproximação da imaginação com a fuga da realidade não é coisa nova, tem origem no nascimento das ciências modernas, ganhando especial destaque com a obra de René Descartes, que buscou dar uma base filosófica sólida para as ciências exatas, banindo a imaginação para o campo das ideias obscuras e confusas, isto é, do erro.

A criação de campos estanques separando o pensamento científico e a imaginação fez, no século 20, com que esta fosse explorada em especial pela publicidade e pelo cinema, como válvula de escape para uma vida cada vez menos provida de sentido e na qual as ocupações cotidianas foram se tornando cada vez menos toleráveis para grande parcela da população. Enquanto boa parte das ocupações profissionais entrava no registro da racionalidade burocrática, da rotina e do tédio, os filmes, novelas e peças publicitárias convidam a escapar para um mundo onde tudo é possível, onde um dia nunca é igual ao outro e onde grandes aventurasse sucedem umas às outras. Assim, existiria como que uma passagem que levaria do mundo real para o mundo imaginário e que se abriria nos cada vez mais raros momentos de lazer.

Nesse mundo imaginário produzido pelo cinema e pela publicidade, a tônica recai sobre o sentimento e as emoções: quanto mais intensos, melhor. Os objetivos são, sobretudo, a produção de sensações de euforia e de melancolia induzida, como numa montanha russa de emoções.

Essa visão ainda muito disseminada a respeito da imaginação deixa de lado um fato importante: a imaginação (entendida como a capacidade de pensar por imagens) é o primeiro recurso pelo qual tomamos contato com a totalidade do mundo para além dos nossos sentidos, o que nos permite ir além do universo vivido por um animal irracional. Podemos dizer então que a racionalidade é um recorte feito sobre um mundo de imagens, selecionando algumas e excluindo outras.

Desse modo, todas as organizações sociais que já passaram pela face da terra tiveram seu fundamento e sua base organizacional em uma ordem de imagens do mundo, por meio da qual os conhecimentos adquiridos pela experiência humana assumiam um sentido para além do imediato e, por isso, comunicável de uma geração para a outra. Foi assim que surgiram as grandes narrativas mitológicas, que durante tantos anos atribuíram sentido à existência dos indivíduos.

Como depósitos privilegiados da cultura imaginativa da humanidade podemos apontar as artes e a literatura, que contribuem tanto para a compreensão científica do mundo, como também para a própria atribuição de sentido às nossas vidas. A partir dessa tomada de consciência, percebemos a dimensão do erro de atribuir à imaginação o papel de mera válvula de escape para a rotina cotidiana. Todos somos chamados a fazer uso da nossa imaginação, até mesmo nas tarefas mais corriqueiras, e desse uso depende o modo como encaramos a vida e suas perspectivas. Se a imaginação fica confinada à hora da novela ou do seriado, a opção que fazemos é de esvaziar nossa vida real de sentido, relegando este último para sonhos e devaneios.

Para quem se interessar por um aprofundamento neste assunto instigante, fica o convite para a inscrição no II Seminário do Instituto de Formação e Educação (IFE) em parceria com a Academia Campinense de Letras (ACL), com o título “Por que a Imaginação Importa?”, que se realizará no dia 8 de novembro próximo, a partir das 14 horas, na sede da ACL, com entrada franca (inscrições pelo site www.ifecampinas.org.br).

Fabio Florence é advogado, professor de filosofia e gestor do núcleo de história do IFE Campinas (florenceunicamp@gmail.com)