Passeio histórico sobre o ensino do Direito: das escolas da Grécia às escolas do século XXI

Sem Categoria | 22/12/2014 | |

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Maccari-Cicero

 Pela educação jurídica é que uma sociedade assegura o predomínio dos valores éticos perenes na conduta dos indivíduos e, sobretudo, dos órgãos do Poder Público.

(SAN TIAGO DANTAS, 1955:452)

“Homines dum docent discunt” [1].

(Sêneca)

 

São inúmeras as críticas que são formuladas ao modelo de ensino jurídico dominante no país. A crise do ensino do direito é assunto de muitas discussões, tanto no âmbito acadêmico[2] [3], quanto no seio da opinião pública[4], há, pelo menos, uma década. A área jurídica corresponde à segunda maior demanda acadêmica nacional e responde por 15% das matrículas do ensino superior. Nesse ano, chegamos à impressionante marca de 1.260 cursos espalhados pelo país, com uma oferta de 215 mil vagas, das quais mais da metade está concentrada na Região Sudeste[5].

São números superlativos e que demonstram o peso do profissional do direito na realidade institucional. É sabido que bacharéis mal formados multiplicam-se e a grande maioria dos diplomados jamais exercerá uma profissão jurídica, como professor-pesquisador, magistrado, advogado, promotor, delegado, procurador ou defensor. Eles irão engrossar as estatísticas do desemprego ou seguirão outros rumos profissionais. A disseminação e massificação das escolas de direito no cenário nacional contribuíram em muito para o desprestígio das leis e das profissões jurídicas, agravado ainda pelo academicismo, pedantismo verbal e apego ritualístico à noção de lei. Um retrato profissional muito preocupante.

Platão, nas cidades-estado gregas e, mais tarde, Cícero, na República Romana, pregavam um “governo de leis” no lugar de um “governo de homens”. E foi sob o “império da lei”, de alguns séculos para cá, depois dos movimentos constitucionalistas europeus, que o Estado de Direito teve seu complexo e pesado edifício construído.

Se justamente são os profissionais do direito as pessoas capacitadas a protagonizar os destinos de uma cidade assentada no império da lei, quando eles foram mal formados, os fundamentos do Estado de Direito ficam seriamente ameaçados. No lugar da isonomia, da legalidade e da aplicação da justiça com independência, entrarão, pelas rachaduras das fundações desse edifício, a abusividade dos donos do poder, a arbitrariedade da ideologia, o despotismo da maioria, o capricho relativista vestido de direito subjetivo e a parcialidade das decisões judiciais.

Não é o melhor dos cenários sociais. Aquilo que a sociedade poderá vir a ter como direito repousará nas consciências desses profissionais. Logo, a formação acadêmica dos estudantes de direito não só interessa à sociedade, como é fundamental à própria experiência da mesma sociedade com o direito.

Assim, a crise do ensino jurídico deve ser vista globalmente, à luz de um tempo presente em que os postulados da modernidade parecem indicar um sinal de esgotamento em muitos âmbitos do saber científico e, analiticamente, à luz de fatores escolares (curricular, pedagógico, docente e infraestrutural), legais (política estatal) e governamentais (regulação, avaliação e supervisão dos cursos jurídicos autorizados pelo Ministério da Educação).

Nos dias atuais, acreditamos não estarmos sob o pálio de um direito da pós-modernidade. Por outro lado, muitos autores que estudam a pós-modernidade indicam que mudanças estão em curso, porém, sem consenso nos planos conceitual e hermenêutico. Essa transição é um fenômeno que se manifesta em inúmeros níveis do relacionamento humano e social e decorre justamente das profundas alterações havidas nas matrizes dos valores que permeiam as ações individuais e coletivas.

Nessa atmosfera transitiva, a crença irrefreada na ordem e no progresso, segundo os postulados positivistas, foi abalada pela experiência contemporânea da fome em vários continentes, do nenhum caráter ressocializante do sistema carcerário nacional, da duvidosa eficácia dos resultados científicos em prol do bem comum, dos totalitarismos e regimes autoritários, da má distribuição da renda mundial, dos mandos e desmandos do sistema capitalista internacional, do pouco apreço governamental à formação pedagógica, da busca cega pelo hedonismo e pelo consumismo, da desagregação familiar e da trivialização das relações sociais.

O ideário positivista foi substituído pela noção de desenvolvimento sustentável, pelos princípios de justiça restaurativa, pela ideia de função social da propriedade dos bens, de justiça social e de diálogo entre ciência e religião, além de uma maior aproximação institucional entre Estado e sociedade civil por via das sociedades intermédias.

Dentro desse contexto, situa-se a questão da crise do ensino do direito, o qual também estaria passando por mudanças, instabilidades e incertezas. Se o modelo em que o direito foi sempre transmitido de geração em geração está em crise paradigmática, será que a atual forma de ensino do direito é capaz de fazer frente aos desafios dessa nova realidade?

Para essa importante pergunta, que deverá ser respondida por estudiosos mais capazes, pretendemos, sempre numa ampla perspectiva pedagógica, fornecer alguns subsídios históricos e sociais para o debate da crise do ensino jurídico, a fim de demonstrar como o Direito, esse saber tão belo e tão antigo quanto a própria humanidade, foi capaz de, em qualquer situação dotada de uma concreticidade e uma historicidade irrepetíveis, renovar sua vitalidade perene e, assim, explicar o que as nossas instituições são e porque é que são as que existem.

A História do Direito ensina que o Direito é, no fundo, uma permanente história do homem em sua contínua interação social. O homem, segundo a tradição aristotélica, é um animal social. Ou seja, por sua própria natureza, não pode viver fora da sociedade. E, por outro lado, a sociedade não pode existir sem direito: ubi societas ibi ius[6], sentenciaram, com precisão, os romanos, povo dotado de um gênio prático, político e organizativo sem paralelo na história das civilizações.

A vida social apresenta uma série de peculiaridades que surgem de maneira muito variada ao longo do tempo e do espaço. Sobre alguns alicerces universais – a natureza humana e a sociabilidade natural – assenta-se uma realidade jurídica e social multifacetada. Não foi à toa que Isidoro de Sevilha[7] (2009:389) afirmou que “a lei deve ser honesta, justa, possível, conforme aos costumes pátrios, conveniente ao lugar e ao tempo, a fim de atender ao bem comum dos cidadãos”.

Mas a sociedade, um dia, já foi bem primitiva e seu elemento organizador lastreava-se no princípio do parentesco, cujos efeitos irradiavam-se nos campos político, econômico e cultural, produzindo uma segmentação que estruturava a comunidade em famílias, grupos de famílias, clãs e grupos de clãs. Nesse nível de arranjo social, só há lugar para uma única ordem jurídica: aquela decorrente do costume[8], querida por uma dada divindade e, por isso, sagrada. E o “ensino” do direito, nesse universo rudimentar, é feito no seio familiar, pela educação, de geração em geração, dos costumes imemorialmente estabelecidos naquela comunidade.

Com a expansão das sociedades, fruto do aumento quantitativo ou do adensamento do tecido formado pelas interações humanas, o princípio do parentesco, em razão de seu limitado alcance regulatório, é substituído paulatinamente. Surge o domínio político, localizado em centros de administração e diferenciados de uma organização de matriz religiosa, guerreira, familiar ou tribal.

O primado do centro político é um dado digno de apreço, mormente para o direito como poder de constituição do equilíbrio social. As comunidades passam a se organizar como polis[9], uma forma hierárquica de domínio fundada no prestígio político ou econômico. Nessa toada histórica, o direito, como ordem normativa, vincula-se ao homem não mais por ele pertencer a esta ou àquela família, a este ou àquele clã, mas por estar vinculado a esta ou àquela sociedade política.

Essa mutação demanda do direito uma manifestação por meio de fórmulas prescritivas de validade permanente e que não mais se prendem necessariamente aos costumes havidos em virtude do vínculo parental, reconhecendo um campo de possibilidades de escolha pelo homem em seu agir social. Como corolário, o ensino de tais fórmulas prescritivas deixa a seara familiar e desloca-se para o meio social.

Na Grécia, os filósofos discutiam o Direito[10], em suas escolas de ensino, junto com seus discípulos, porque a questão do direito não se constituía numa preocupação autônoma, porém era entendida como parte dos problemas institucionais da polis. Pensadores como Sócrates, Platão[11] e Aristóteles[12] trataram o Direito com seus alunos. E os sofistas deram sua contribuição também. Cada qual de uma forma: aqueles filósofos ensinavam por meio de questões e buscavam uma resposta desinteressada, sem preocupações de ordem retórica; estes ensinavam qualquer cidadão a defender qualquer causa, não importando de que lado estivesse na contenda judicial, com forte acento no manejo do sentido e do alcance das palavras[13].

Por isso, na escola sofista, havia um traço metodológico marcante: o uso da retórica[14], porque a palavra, na vida política grega, a arena da arte da persuasão por excelência, reinava soberanamente. Nesse ponto, afirma Cambi (2009:91) que

o modelo alternativo/complementar ao platônico e que resultará dominante no mundo antigo foi, todavia, o de Isócrates (436-338 a. C.), de inspiração retórico-oratória e gramático literária. Aluno dos sofistas, entrou em contato também com Sócrates, ‘dedicou-se à profissão de logógrafo, escritor de discursos pronunciados depois no tribunal pelos interessados’ (Bowen) e fundou em Atenas uma escola de retórica. De Isócrates nos restam diversas orações, políticas e forenses, que bem caracterizam sua concepção de oratória. Na sua escola, a formação do orador durava quatro anos e compreendia o ensino da dicção e do estilo (…). O aprendizado da oratória ocorria falando e escrevendo sobre qualquer assunto e confrontando analiticamente os resultados com os princípios estabelecidos pelo mestre. (…) Com Isócrates, outrossim, fixa-se a organização do discurso em quatro partes (proêmio, narração, demonstração, peroração) conhecendo vastíssima fortuna.

 Manacorda (2010:78) reforça o vigor da paideia isocrática, ao asseverar que

a arte da palavra, a institutio oratoria, se tornará de fato o conteúdo e o fim da instrução grega, assim como tinham começado a ensiná-la os sofistas Górgias, Protágoras, Pródico, Hípias e Eutidemo, estes ativos interlocutores de Sócrates nos diálogos platônicos. E eles se seguirá a fileira de oradores, profissionais da palavra falada ‘nos conselhos e nas assembleias’, dos retores, mestres dessa profissão, dos gramáticos, filólogos, filósofos e novos sofistas, para os quais as questões das palavras (…) se tornam a cultura por excelência.

E, por sua vez, Jaeger (2003:1180-1181) lembra que

Isócrates ilustra o caráter do conteúdo e da forma dos seus discursos à luz de uma série de trechos exemplares, que seleciona de seus discursos já publicados. Desta forma, esclarece realmente a essência dos seus discursos escritos. Nada ilumina melhor que esta seleção a tendência de Isócrates para educar à base de modelos; é ela que nos dá a chave para compreendermos o método didático da escola isócratica. Nesta escola também não se ensinavam só os detalhes técnicos da língua e da composição, mas a própria inspiração final devia vir do mestre.

No campo do ensino jurídico, a retórica produziu seus efeitos de forma muito definida. O mestre retórico submetia o aluno a uma série completa e graduada de exercícios preparatórios, sendo que cada qual era objeto de uma regulamentação cuidadosamente estabelecida. Um exercício muito praticado era o da “proposição de lei”. Consistia na defesa ou no ataque de um texto legal, mediante o emprego de um discurso judicial. O estudante cuidava de sua composição apoiado numa série de conselhos e regras precisos, analisando os vários aspectos, elementos e variantes do caso concreto.

Como ilustração, Marrou (1998: 282) expõe analiticamente o exercício acima citado, ao acentuar

a incrível complexidade de tal sistema de ensino: não fiquemos estupefatos ante o desencadeamento de abstrações que provocaria, por exemplo, a análise dos ‘estados das causas’, um dos elementos básicos na preparação dos discursos judiciais. O acusado matou? A questão de fato: ‘é o ‘estado de causa atual?’ Esta morte é um crime? (…) Segundo as escolas, distinguiam-se entre um, dois, três (posição clássica), quatro e até nove estados de causa.

Se, na Grécia, a preocupação com o Direito era uma ocupação filosófica e o ensino de sua aplicação nas várias situações sociais da polis, por outro lado, era ministrado nas escolas sofistas, em Roma, o jovem poderia se submeter ao ensino do Direito, depois de superado o ensino retórico nos Ateneus, centros de cultura nos quais os mestres retóricos e os poetas instruíam seus alunos, em virtude do arraigado costume romano dos discursos públicos nas mais variadas solenidades. Nesse sentido, a educação romana ombreou-se com a grega[15].

Paulatinamente, o ensino retórico começou a preparar os alunos para unir a arte da palavra ao conhecimento das estruturas sociais e jurídicas, com o claro intuito de promover uma oferta de profissionais aptos para a defesa dos interesses imperiais junto aos tribunais e órgãos administrativos. Assim, o ensino da retórica enveredou para uma finalidade prática, instruindo os alunos para uma carreira voltada para as leis. Conforme a praxis ia ganhando corpo pedagógico, surgem escolas focadas apenas para o ensino jurídico. Marchese (2006:15) sustenta que

esse novo ensino dedica-se a transmitir ao aprendiz o conhecimento da legislação, do sistema, dos processos e procedimentos judiciários. Formaria uma pessoa capaz de compreender a sociedade e seus costumes, criar, interpretar e modificar as normas colocadas para regê-la. Essa nova escola ministra uma formação pautada por uma educação geral e humanística. Ela não introduz o discípulo nas leis antes que tenha concluído seu aprendizado nas letras latinas, e em alguns momentos também nas gregas. O estudo da filosofia, da lógica, da retórica e principalmente da política e da ética, eram sempre feitos através do estudo dos clássicos. Todas as instituições destinadas ao ensino do direito, dentro do quadro de evolução pedagógica que sofreram na monarquia, república e império romano, preparavam o futuro homem de leis no campo da ética, da filosofia, da política e da retórica.

Como consequência desse novo ensino, o Direito deixa de ser cultivado por pensadores, moralistas ou sacerdotes e desatrela-se do ensino das artes retóricas (ainda que guardassem sua importância no exercício da profissão), constituindo-se como uma ciência autônoma: um fenômeno que iria desencadear, para sempre, uma mudança de paradigma na forma de se transmitir e pensar o Direito. Surge o novo homem do direito: o jurisconsulto[16] ou o jurisprudente (juris prudens), um homem que tem plena consciência do objeto próprio de sua indagação e do potencial de aprimoramento e de especialização dessa nova arte, sobretudo no campo pedagógico.

Reale (1993:628) pontua que

esse novo homem se converte em um profissional de uma nova Ciência (…), cultivando a justiça em seu sentido prático, como voluntas[17], e não como um dos aspectos teóricos da sabedoria. O Direito Romano é, efetivamente, uma criação nova, que pressupõe, em quem o cultiva, a convicção de que a experiência humana, por ele estudada, se subordina a categorias próprias, sendo suscetível de ordenação em um todo unitário e coerente.

As responsa dos jurisconsultos (que, em regra, também exerciam a docência) foram objeto de estudo escolar, pois, por intermédio dos casos concretos, o Direito poderia ser elucidado analiticamente, visando sempre a enfatizar o valor do justo, extraído a partir da comunhão entre a Moral e o Direito[18]. O munus publico do jurisconsulto é tão valorizado socialmente que o Imperador Augusto, no século II d.C., concede, aos jurisconsultos mais proeminentes[19], a investidura de autoridade oficial para dizer o direito (iurisdictio), conhecida como ius publice respondendi ex auctoritate principis[20].

Como efeito secundário, igual magnitude é conferida às escolas de Direito e aos seus mestres (magister iuris), os quais, apesar de não se preocuparem em informar o pensamento que os levou à decomposição analítica de cada responsum por ocasião de sua explicação no ambiente escolar, naturalmente, houve regras e pontos de vista que iluminavam sua tarefa docente. Helmut Coing (2002: 311-312) dá-nos uma concisa argumentação a respeito e que se aplica também ao ofício do jurisprudente.

Seguramente, tiveram um grande papel os aspectos linguísticos; isto é evidenciado pelo formalismo verbal que, no desenvolvimento do direito romano, teve um papel tão importante. (…) Utiliza os resultados da teoria linguística grega, os princípios da gramática, mas também, por exemplo, a etimologia. Adiante, ele usa o método da doutrina científica grega, como ela foi, especialmente desenvolvida, na sequência da lógica de Platão: a determinação de conceitos diretivos, a distinção de gênero e espécie, que estavam sob tais conceitos, e com isto a introdução conceitual do material jurídico. Na utilização desta técnica baseia-se, principalmente, o livro didático de Gaio (160 d.C.), que oferece um sistema do direito privado desenvolvido para fins de aprendizado, o qual determinou a sistemática jurídica de mais de um milênio e meio.

Algum tempo depois, entre os séculos II e IV, o ensino jurídico começa a se valer de outras ferramentas pedagógicas, de autoria dos jurisconsultos clássicos, inexistentes até então, sem prejuízo do habitual estudo de toda a legislação imperial: institutiones, regulae, enchiridia e definitiones, livros destinados exclusivamente ao ensino; sententiae e opiniones, obras elementares que visavam ao ensino, mas também à prática; responsa, livros de consultas e respostas sobre o estudo de um caso concreto; quaestiones e disputationes, repositórios de controvérsia jurídica; libri ad, libri ex e notae ad, comentários ou notas de um jurisconsulto à obra de um seu antecessor, cujo nome se seguia a essas expressões latinas; libri ad edictum, obras que obedeciam ao plano do Edictum Perpetuum, legislação do imperador Adriano sobre o ensino superior e o digesta, espécie de enciclopédia sobre o ius civile.

De todas essas obras pedagógicas, apenas três chegaram até nós. São elas: a) as Institutas de Gaio (Gai Institutionum Commentarii Quattor), livro de escola, de inestimável valor pelas informações que fornece sobre o direito romano clássico; b) as Regras de Ulpiano (Ulpiani liber singularis regularum), resumo de doutrina, com fins didáticos, composto por 29 títulos e 1 proêmio; c) as Sentenças de Paulo (Pauli sententiarum ad filium libri V), composto pela sexta parte das decisões paulinas, também em forma de sinopse, com destinação docente.

O magister iuris passará, então, a lecionar por intermédio da leitura, explicação e exegese dessas obras. Marrou (1998:397) dá-nos uma exata noção do currículo e do processo pedagógico de ensino do direito.

O ensino que, na época cristã, ocorre à tarde, à sombra da catedral de Eustácio (semelhante ao que se dá ainda hoje no mundo muçulmano em relação ao ensino superior, que se abriga nas mesquitas), compreende normalmente quatro anos. O mestre lê, explica, comenta os textos de base: no primeiro ano, com os “conscritos”, dupondii, ele estuda as Institutas de Gaio e os Libri ad Sabinum de Ulpiano; no segundo, os Libri ad edictum do mesmo Ulpiano; no terceiro, as Responsae Papiniani e, no quarto, as Responsae Pauli. Logo foi introduzido um quinto ano, suplementar, consagrado às constituições imperiais que os códigos reúnem a partir dos anos 291-295. É sabido que os primeiros, Código Gregoriano e Código Hermogeniano, são devidos à iniciativa privada (somente com Teodósio II e em 439 o imperador promulga um Código oficial), e não é despropositado supor terem sido compilados para facilitar o ensino. Este, em Beirute, como em Constantinopla, é ministrado em latim. Somente entre os anos 381-382 e 410-420 que o grego nele se introduz, sem chegar a destronar o latim por completo, o qual manterá, com diversa fortuna, pelo menos em parte, sua posição até o advento de Justiniano.

Em seu auge, o ensino do Direito em Roma gozou de prestígio ímpar[21] e foi alçado à condição de instituição pública, em virtude de sua notória importância na preparação de indivíduos capacitados para a provisão dos cargos de administração imperial e de consulente público para os particulares. Aliando teoria à uma prática profícua[22], o profissional romano do ramo jurídico era capaz de depurar a hipótese de incidência a partir dos fatos, compreender o sentido e o alcance da norma, do costume, do edito, da jurisprudência aplicáveis, corrigir eventual excesso hermenêutico pela equidade e atribuir o direito no caso concreto.

Depois da divisão do Império Romano entre o Ocidente e o Oriente, o estudo do direito, que havia combalido juntamente com a queda de Roma, ressurge, graças às escolas do Império Romano do Oriente, dentre as quais se destacam a de Constantinopla e a de Beirute. Segundo Moreira Alves (2012:48), ”apesar desse reflorescimento, não se encontra uma obra verdadeiramente criadora. Os professores dessas escolas de direito, em geral, se dedicaram ao estudo das obras dos juristas clássicos para adaptá-las, por via de reelaboração, às necessidades sociais de sua época”.

De fato, uma formação geral, fundada no estudo da filosofia, da retórica, da lógica, das letras, da política, da ética e da gramática, aliada às técnicas desenvolvidas nas matérias práticas do curso de direito (principalmente, a hermenêutica jurídica), sem prejuízo do aprimoramento profissional do estudante, ainda na escola, decorrente do exercício da função de assessoria dos senadores e dos administradores públicos, só poderia redundar na formação de um indivíduo altamente habilitado para o desempenho de suas responsabilidades jurídicas e sociais. Em suma, esse foi o homem das leis, o maior legado que a escola romana do Direito transmitiu para a posteridade.

Com a invasão das hordas de bárbaros em todas as direções do Império Romano, somada à decadência institucional, social e moral que fracionou qualquer chance de reação defensiva, toda rede escolar imperial, em todos os níveis, caiu em colapso. Os últimos bastiões educacionais restringiram-se às antigas colônias norte-africanas (por influência de Cartago e do imperador Justiniano) e à algumas províncias romanas situadas na península itálica, como Milão e Ravena, onde ainda se estudava o Direito. Mas, com a conquista desta região pelos Lombardos em 568 d.C., a escola da Antiguidade chega ao seu fim. A tarefa educativa, então, foi assumida pela Igreja[23].

A Igreja, por ocasião do caos civilizacional provocado pelas invasões dos bárbaros, já estava razoavelmente organizada, desde que Constantino publicou o edito de Milão (312 d.C.), assegurando a liberdade religiosa imperial e uma sobrevida de mais um século e meio para Roma, reforçado, posteriormente, pela ascensão à condição institucional de religião oficial com Teodósio e seu edito de Tessalônica (380 d.C.).

Assim, a Igreja supera a barbárie social e política e faz prevalecer uma educação com outro viés: o acento greco-romano é matizado pelo religioso. As escolas não são mais instituições fisicamente autônomas, porque ficam jungidas aos conventos das inúmeras ordens religiosas medievais, as quais tinham, entre seus cânones, o cuidado pelo estudo intelectual e pela difusão do saber harmônico com as escrituras.

A Igreja, à luz e dentro dos limites da matriz agostiniana de seu pensamento filosófico (principalmente no que atine às relações entre a “cidade de Deus” e a “cidade dos homens”), zelou pela transmissão da cultura e do pensamento da Antiguidade clássica, pois, do contrário, teriam sido aniquilados pelas tradições primitivas dos povos bárbaros. Tanto que consagrados estudiosos da Idade Média, como Le Goff, Verger e Charle, consideram que as exposições dos autores medievais sobre a lógica, a gramática, a retórica e o Direito são muito mais fruto de um aggiornamento reflexivo da cultura antiga do que propriamente uma inovação intelectual.

O ensino do Direito, depois de um longo hiato existencial, ressurge a partir do final do século XI no Ocidente (correspondente ao antigo Império Romano do Ocidente), em razão dos influxos pedagógicos da época Carolíngia, desencadeados pelo monge Alcuíno[24]. Movidos pelo afã de resgate do tesouro de conhecimento da Antiguidade, houve um grande movimento para propiciar a cópia, a reprodução e a tradução dos textos e manuscritos dos autores clássicos, o que contribuiu enormemente para o incremento do conjunto de textos jurídicos estudados pelos alunos nas escolas.

Obras da envergadura jurídica e histórica do Corpus Iuris Civilis[25] ou das Institutas de Gaio não foram citadas entre os séculos VII e XI, porque eram simplesmente desconhecidas. A partir do século XII, assegurada alguma estabilidade institucional no Ocidente[26], as atividades civis, mercantis e comerciais renascem e, como efeito, o meio de vida jurídico ressurge[27], aos poucos, das cinzas da história, para o fim de capacitar os indivíduos no conhecimento dos costumes e das leis reinantes que conduziam aquelas atividades.

Os administradores, os reis e os eclesiásticos estimulam a pesquisa e o estudo do Direito Romano e do Direito Canônico no ensino jurídico. Nos primórdios do século XIII, surgem, ao lado do renascimento das cidades, as universidades[28] [29], agrupadas em torno dos professores ou dos alunos que atuavam nos collegia (escolas particulares e das catedrais, nas quais se ensinavam as artes liberais e as escrituras), ministrando quatro cursos, no início, em sua maioria (Teologia, Direito, Medicina e Artes Liberais), e sempre sob vigorosa tutela papal.

Paris, Bolonha e Oxford protagonizaram o advento desse fenômeno que marcaria a civilização ocidental até os dias atuais, com destaque para Bolonha, no que toca ao ensino jurídico, objeto de nossa análise, porque as escolas de direito bolonhesas já detinham enorme respeitabilidade desde o século XI, a ponto de o Imperador Frederico Barba-Ruiva haver-lhes concedido sua proteção especial em 1155 (Constituição Habita).

Desde aquela época, o ensino jurídico bolonhês era feito por escolas particulares e laicas que funcionavam autonomamente, sob a responsabilidade exclusiva do mestre que firmava contrato com seus alunos. Recebiam o nome de studium generale. Entretanto, não incluíam todos os ramos do saber medieval, consistindo num instituto geral (não local) para todos os estudantes preparados, sem distinção de nacionalidade, e focado no ensino exclusivo de artes liberais e de noções práticas de Direito à luz do Código Teodosiano[30].

A Universidade de Bolonha surge em 1230, constituída solidamente nas disciplinas de Direito Civil e Direito Canônico[31]. Seus mais antigos estatutos conhecidos datam de 1252, mas somente depois de 1270 haverá o reconhecimento de sua existência por parte da Comuna, ocasião em que esta lhe concederá alguns privilégios, como as isenções fiscais para mestres e alunos.

Nessa universidade, surge a ciência do direito propriamente dita. Com uma índole inovadora, mas sem renunciar ao pensamento prudencial romano, o ensino jurídico introduz um novo elemento teórico, a saber, sua dogmaticidade em sentido estrito, cujo ápice se dará com o positivismo jurídico do século XIX. Essa índole dogmática decorre de uma tradição pedagógica bolonhesa no mesmo ensino: a littera boloniensis, uma espécie de resenha crítica do Digesto de Justiniano[32], transformada, na medida em que ganhava peso e volume, em textos escolares do ensino na universidade bolonhesa.

Elevados à condição de substrato teórico para o ensino do direito, tais textos foram subordinados à uma técnica analítica inspirada pelas disciplinas do Trivium – Gramática, Retórica e Dialética – e glosados gramatical e filologicamente[33]. O mestre procurava harmonizar os inúmeros textos, desenvolvendo uma atividade hermenêutica inevitável, porque

os textos nem sempre concordavam, dando lugar às contrarietates, as quais, por sua vez, levantavam as dubitationes, conduzindo (…) à sua discussão, controversia, dissentio, ambiguitas, ao cabo da qual se chegava a uma solutio. A solutio era obtida quando se atingia, finalmente, uma concordância. Seus meios eram os instrumentos retóricos para evitar-se incompatibilidade, isto é, a divisão do objeto no tempo e no espaço, a hierarquização dos textos conforme a dignidade da sua autoridade e a distinção entre textos gerais e especiais, conforme o esquema escolástico da tese, da antítese e da solutio (FERRAZ JUNIOR, 1991:61-62).

O ensino da littera boloniesis transforma-se numa disciplina universitária, auxiliada pedagogicamente por um referencial bibliográfico que gozava de reputação intelectual, segundo o critério da autoridade. Verger (1996:54) explica que

em direito, os textos eram os do Corpus Iuris Canonici[34] e do Corpus Iuris Civilis. Os mais importantes eram reservados às aulas “ordinárias” dos doutores (Decreto e Decretais para o Direito Canônico, Digesto Velho e os nove primeiros livros do Código para o Direito Civil), os outros, às aulas “extraordinárias” dos bacharéis; eram sempre segundo a classificação em uso em Bolonha, o Digesto Novo, o Infortiatum, as Institutas, os últimos livros do Código, as Authentica imperiais e o Liber feudorum para o Direito Civil, o Sextus e as Clementinas para o Direito Canônico (no século XIV). O comentário desses textos era feito com a ajuda das glosas dos doutores bolonheses, de que Francisco Acursio fez a síntese na metade do século XIII, reunindo em sua Glosa ordinária 96 mil glosas anteriores.

As fontes bibliográficas contemporâneas eram tidas como secundárias e, na teoria, sempre subordinadas às tradicionais. Como os textos discutiam casos singulares, a reflexão prudencial ainda demonstrava vigor, com uma alteração de caráter: de casos singulares e problemáticos para casos gerais e paradigmáticos. Ao invés de se valer de instrumentos tipicamente prudenciais no trabalho hermenêutico, como a equidade, o mestre vai adiante, resolvendo o caso concreto, mas abstraindo princípios e regras capazes de reconstituir o Direito harmonicamente.

Helmut Coing (2002: 311-312) confirma esse tendência dogmatizante da prudência, ao sustentar que

o trabalho da ciência jurídica medieval é determinado por dois fatores. Ele baseia-se, primeiramente, na lógica da época; ele utiliza nisto tanto a lógica finalista, como especialmente a doutrina lógica da argumentação. Faltam argumentos históricos e sociológicos; derivações sistemáticas de princípios são raras. A ciência jurídica orienta-se no texto isolado, e isto significa, diante da peculiaridade das coleções jurídicas romanas e canônicas, na casuística. A partir do texto isolado é, primeiramente, trabalhado o caso isolado a ser decidido (casus) e sua solução. Então, também desenvolve-se em processo lógico que argumento geral pode-se usar para um princípio jurídico a partir desta decisão. Nesta forma – como argumento – os textos isolados são utilizados na solução de casos dúbios, bem como na explicação de Quaestiones, quando se trata de encontrar princípios, com cuja ajuda a Quaestio pode ser respondida. A explicação de tais questões sucede em um severo esquema: tese, antítese e solutio; em cada passo são apresentados os textos isolados, que servem como argumento.

Nessa quadra histórica e nesse labor especulativo, o pensamento grego, que os romanos haviam romanizado, mas não absorvido enquanto tal (pelo pouco pendor reflexivo do povo romano), finalmente conquista, por completo, o Direito Romano, utilizando, como instrumento, o pensamento cristão de Agostinho, cuja base filosófica “sedis animis est in memoria (a sede do espírito está na memória), é precisamente aquela articulação conceitual da experiência especificamente romana que os próprios romanos, avassalados como eram pela Filosofia e pelos conceitos gregos, jamais completaram (ARENDT, 2011:169)”.

Os dois métodos principais de ensino jurídico eram a lição e a disputa. A lição (lectio), no sentido etimológico da palavra (que permaneceu em inglês e alemão, lectures e lekturen respectivamente), consistia na leitura e na explicação de um determinado texto jurídico clássico glosado. A disputa era uma espécie de torneio dialético que se desenrolava sob a coordenação de um ou vários mestres. Feita uma pergunta, cada um sustentava a solução a favor ou contra por meio dos argumentos que lhe parecessem mais convincentes. Depois de uma ou duas rodadas, o mestre reunia e ordenava os argumentos a favor e contra e dava a solução.

Algumas disputas se davam a cada quinzena e, nessas ocasiões, o mestre tinha o cuidado de escolher temas mais complexos, cujo conjunto pudesse constituir um todo. Daí decorrem as quaestione disputate que caracterizaram o ensino universitário medieval. Outras disputas ocorriam uma ou duas vezes por ano, de tema livre. São as atas dessas disputas que formam as famosas quaestiones quodlibetales.

A par desses influxos epistemológicos e metodológicos no processo de independência científica do Direito, que fizeram com que esse ramo do conhecimento, quase desconhecido das antigas classificações do saber, impusesse-se de forma bastante autônoma na universidade do século XIII, existiam ainda dois dados empíricos que reforçaram sua rápida proliferação universitária no teatro do ensino europeu: a utilidade social evidente e a bela perspectiva de carreira profissional. Sem questionar o primado da Teologia, os mestres do Direito procuravam valorizar, no exercício docente e no âmbito social, a dignidade intelectual desse saber, sua dimensão moral, seu vetor ético-social, sua axiologia antropológica e seu primado de busca do bem comum.

Sem desmerecer o contributo de outras escolas de direito europeias, a escola de Bolonha foi a principal responsável pelo processo de enriquecimento do estudo e do ensino jurídico durante os séculos XI e XIII: criou uma estirpe de glosadores dos textos jurídicos da Antiguidade (Irnerius, Acúrsio, Azo e Baldo), aprimorou os métodos até então tradicionais de preleção do Direito, desvinculando-o estruturalmente do Trivium e do Quadrivium, e consolidou a autonomia teórica do Direito como ciência, lastreada numa prudência dogmatizante.

Na sequência da escola de Bolonha, porque partindo das premissas de sua epistemologia e de sua metodologia pedagógica, virão a escola francesa de Órleans (Revigny e Belleperche – século XIII), a escola italiana dos pós-glosadores (Bártolo e Baldo – século XIV), a escola humanista (Budé, Zasius e Cujácio – século XV), a escola do direito nacional (Dumoulin, D’Argentré, Coquille – século XVI) e a escola do direito natural (Grotius, Pufendorf, Thomasius e Wolff – século XVII). Tais escolas procurarão, cada vez mais, acentuar aquela autonomia científica conquistada pela escola bolonhesa, desvinculando o ensino do Direito das amarras teológicas e atrelando-o à influência dos sistemas racionalistas.

Nessa tarefa, contarão com o auxílio da crescente perda de jurisdição dos tribunais eclesiásticos, a partir do século XV, decorrente de inúmeros fatores: o menor interesse pelo estudo do Direito Canônico pelos universitários leigos (até sua completa marginalização), a diminuição do número de legistas habilitados nesse mesmo saber, o avanço da jurisdição civil no vácuo jurisdicional deixado pela jurisdição eclesiástica, o renascimento italiano, com seu pensamento antropocêntrico, e a reforma protestante, que defendia uma educação geral subordinada exclusivamente ao Estado.

Tais determinantes criarão as condições propícias para um novo espírito de ensino do Direito, com viés fortemente laico, conduzido por profissionais leigos em sua maioria e desatrelado de uma mentalidade educativa fundada nos valores religiosos e morais, predominantes até então. No campo político, o fenômeno dos Estados Nacionais incrementará o espírito de liberdade do ensino do Direito nas universidades, as quais sofrerão um gradativo aumento de influência dos monarcas, em razão das perspectivas instrumentais que o Direito oferecia para o fortalecimento de seus regimes políticos, absolutos ou esclarecidos, e para a provisão dos cargos administrativos governamentais.

O ensino do Direito, a partir da Idade Moderna, perde o caráter sagrado e a conotação prudencial que carregava consigo desde a Antiguidade: passa a ser visto e transmitido como um fenômeno da estatalidade e um saber fruto de uma reconstrução puramente científica, escrita e sem lacunas, pela razão, das regras de convivência. Essa razão sistemática e capacitada para operar as novas realidades e circunstâncias dessa nova sociedade irá conduzir seu ensino, mais tarde e sob o influxo de outras razões históricas, à absolutização dessa maneira de assimilar a realidade do Direito, levando-o a um excessivo dogmatismo, como efeito necessário da incidência dos postulados do racionalismo no estudo do Direito.

Surge uma nova e mais sofisticada forma de sua compreensão: o positivismo jurídico, uma autolimitação do pensamento jurídico ao estudo e ao ensino estrito da lei positiva. O Direito como a norma posta pelo legislador que aumenta a segurança jurídica, a precisão de seu entendimento e aguça a consciência de seus limites. Nesse contexto, entra em cena o ensino jurídico no Brasil.

Desde 1500 até 1822, a legislação portuguesa vigorava em nosso território e toda rede judiciária metropolitana tinha uma natural extensão na colônia do além-mar. Com a proclamação da independência, foi outorgada a primeira Carta Constitucional pátria (1824) e, ato contínuo, durante o regime imperial, foram codificadas várias legislações civis e comerciais, ainda fortemente influenciadas pelo legado jurídico português, de conotação positivista.

A criação dos cursos jurídicos no Brasil atendeu à várias finalidades: consolidação dos quadros administrativos imperiais, fim da pressão metropolitana sobre estudantes brasileiros que se formavam em Coimbra, formação das elites políticas nacionais (adeptas dos movimentos liberais e constitucionais que se sucederam às Revoluções Americana e Francesa) e autonomização cultural da sociedade brasileira.

Durante os debates parlamentares que antecederam a promulgação da Lei Imperial de 11 de agosto de 1827 (Anexo II), houve pouco interesse numa discussão profícua sobre o ensino jurídico: currículo, finalidade pedagógica do curso e metodologia pedagógica. A retórica parlamentar focou-se basicamente nas questões ideológicas e geográficas (BASTOS, 1977:11-12, 48, 165, 175, 179 e segs.,197, 213-214, 218, 221-222, 229, 236-237, 241, 245, 250, 254-256, 263, 269-271, 279, 282, 406-407, 413, 424, 434-435, 444, 452-456, 463-464, 475, 477, 481, 552 e 611).

No primeiro caso, a dúvida era se o curso jurídico deveria ser mais voltado para a sociedade civil ou para o Estado, que refletia o embate político entre a elite imperial conservadora, atrelada ao modelo político colonialista, e a elite nacional civil, liberal e preocupada em atender à demanda social por profissionais do direito (BASTOS, 1998:13). Prevaleceu a composição entre as duas facções políticas, de sorte que os interesses foram acomodados legislativamente (BASTOS, 1998:14).

No segundo, a hesitação girou em torno da instalação da primeira faculdade no Rio de Janeiro, em São João Del Rei, em Salvador, em Olinda ou em São Paulo (BASTOS, 1998: 4-11). Venceu a proposta apresentada pela Emenda Paula e Sousa e a Lei de 11 de agosto de 1827 contemplou Olinda e São Paulo com um curso jurídico, uma vitória das elites civis regionais liberais (BASTOS, 1998:7).

Assim, a história da instalação dos cursos jurídicos no Brasil, que começou com os debates na Assembleia Constituinte de 1823 e culminou com a promulgação da legislação específica em 1827, é, basicamente, em primeiro lugar, “a história das conciliações que se deram entre as elites imperiais e determinadas frações das elites civis; e, em segundo lugar, a oscilação da fração derrotada das elites civis, que sempre esteve numa posição optativa entre a sua proposta e as propostas oficiais da elite imperial ou as da sua fração que tinha acesso direto ao Estado” (BASTOS, 1998:7).

Superada a contextualização político-institucional do advento dos cursos jurídicos no país, adentraremos na análise histórica propriamente dita do ensino jurídico nacional, com uma breve nota acerca da experiência americana (em razão da sistematização de uma ímpar perspectiva pedagógica), e tão somente naquilo que respeita a proposta deste trabalho, já exposta inicialmente.

O artigo 10 da Lei de 11 de Agosto de 1827 dispunha que “os Estatutos do Visconde da Cachoeira[35] ficarão regulando por ora naquilo que forem aplicáveis e se não opuserem à presente Lei. A Congregação dos Lentes formará quanto antes uns estatutos completos, que serão submetidos a deliberação da Assembleia Geral”. Apesar do teor do texto legal (e da ressalva nele contida expressamente), a proposta curricular do citado estatuto era substancialmente diferente do currículo vitorioso nos debates parlamentares e aprovado pela Lei de 11 de agosto de 1827, assim como dela divergirá também o estatuto de autoria dos lentes, que será, doravante, conhecido como Regulamento de 1831.

O Estatuto do Visconde da Cachoeira, apesar da antinomia já referida, tinha uma minudente preocupação com a metodologia de ensino, como pode ser visto na recomendação explícita para, no ensino de Direito Natural, o professor “ser breve e claro nas suas exposições e (…) tratar só de doutrina o que for necessário para a perfeita inteligência da matéria que ensinar” (Anexo V).

Sobre o ensino das Institutas de Gaio, o estatuto dizia que a autoridade desse texto legal não poderia impedir “o que foi sempre subsidiário e doutrinal, que nunca teve autoridade extrínseca, como mui doutamente observam os autores dos Estatutos da Universidade de Coimbra (…). O professor apontará aos seus ouvintes os livros onde se acham as doutrinas que houver expendido, para irem estudar com mais vastidão (…), relevando que os estudantes ouvem e aprendem sempre com o fito na sua aplicação prudencial no foro” (Anexo V).

Novamente aos lentes, o estatuto recomendava o devido auxílio nas explicações com o conhecimento de outros autores, sem que fossem “todavia, escravos das ideias destes autores, mas escolhendo só deles e dos mais que modernamente têm escrito sobre o mesmo objeto o que puder servir para dar aos seus ouvintes luzes exatas, regras ajustadas e conformes aos princípios da razão e justiça universal” (Anexo V).

Também deve ser observada a atenção dada para a estrutura curricular do último ano do curso. Os alunos deveriam aprender técnicas de interpretação de leis e prática forense, mediante a apreciação de leis romanas e a realização de uma decisão prática a respeito, a fim de propiciar o perfeito conhecimento das leis pelo método analítico (Anexo V). No ensino de prática forense, além do emprego de uma obra jurídica, o estatuto lembrava “ao lente acrescer às suas observações o que lhe ensinou a prática” e observar “os defeitos dos praxistas e erros do foro ou confirmar a praxe nele seguida conforme a lei” (Anexo V).

No cotejo entre alguns trechos do aludido estatuto e os artigos da lei regente dos cursos jurídicos (Anexo II), resta evidente a contradição entre o curso jurídico que a Lei 11 de agosto de 1827 pretendia implementar e o curso jurídico que o Estatuto do Visconde da Cachoeira (aprovado em 02 de março de 1825, nos termos do Decreto Imperial de 09 de janeiro de 1825) tinha esboçado.

No que concerne à estrutura curricular, a lei regente suprimiu as disciplinas de Direito Romano e de Hermenêutica Jurídica; o estatuto sempre as valorizou, justificando a necessidade, da primeira, para uma boa formação jurídica e, da segunda, para o perfeito conhecimento das leis.

Em relação aos pressupostos epistemológicos do ensino, a lei regente simplesmente foi silente a respeito, em consonância com os estatutos de Coimbra, que já tinham uma índole positivista; o estatuto observou a adoção, nos estudos, dos princípios elementares do Direito Natural, em enfoque completamente antípoda dos postulados positivistas.

No que toca à atuação do aluno no bojo da relação pedagógica e à sua postura diante do saber transmitido, a lei regente novamente silenciou-se; o estatuto, por sua vez, a contrario sensu ressalvou que o currículo deveria formar bacharéis com uma visão crítica do Direito. No que atine à metodologia pedagógica, a lei regente nada mencionou; o estatuto centralizou a transmissão do Direito na pessoa do professor, auxiliado por um referencial bibliográfico, modulando a teoria com a experiência da prática forense, sem prejuízo do cumprimento obrigatório da disciplina de Hermenêutica Jurídica. Ou seja, a proposição substantiva vinha acompanhada de uma proposta formal para seu ensino.

Em relação à finalidade pedagógica, a lei regente nada dispôs a respeito; o estatuto foi contundente ao visar à formação não só de “peritos advogados e sábios magistrados”, assim como de “dignos deputados e senadores”, mas de “verdadeiros e hábeis jurisconsultos”, na melhor tradição romana, segundo já exposto anteriormente.

Salta aos olhos que o Estatuto do Visconde da Cachoeira (de 02 de março de 1825) tinha uma visão completa e integrada do ensino jurídico e, até a entrada em vigor da Resolução 09/2004 do Conselho Nacional de Educação (Anexo I), foi “um dos únicos documentos acadêmicos oficiais no Brasil que insistem na importância dos métodos e modos que deveriam os lentes utilizar na transmissão do conhecimento, chegando, inclusive, a detalhar as linhas de atuação pedagógica e um panorama bibliográfico, para a época, de grande extensão e percepção”[36] (BASTOS, 1998:41).

Nas palavras do próprio Visconde da Cachoeira (Anexo V),

é de forçosa e evidente necessidade e utilidade formar o plano dos mencionados estudos; regular a sua marcha e método; declarar os anos do mesmo curso, especificar as doutrinas que se devem ensinar em cada um deles; dar as competentes instruções por que se devem reger os professores e, finalmente, formalizar Estatutos próprios e adequados para o bom regimen do mesmo curso, e sólido aproveitamento dos que se detiveram nessa carreira. (…) De que serviriam bacharéis formados, dizendo-se homens jurisconsultos, na extensão da palavra, se o fossem só no nome? (…) Haveria em grande abundância homens habilitados com a Carta somente, sem o serem pelo merecimento, que pretenderiam os empregos para os servirem mal, e com prejuízo público e particular, tornando-se uma classe improdutiva com dano de outros misteres (…)”.

O Regulamento de 1831 (Decreto Imperial de 07 de novembro de 1831), cumprindo o mandamento da Lei de 11 de agosto de 1827 (artigo 10), suspendeu, definitivamente, os efeitos provisórios do Estatuto do Visconde da Cachoeira, em vigor desde 11 de agosto de 1827, adaptando o currículo jurídico e o método de ensino às exigências da legislação-base de 1827[37].

Nessa empreitada, em essência, o citado regulamento consolidou os pressupostos epistemológicos de um ensino jurídico de cunho positivista, apegado à transmissão do texto legislativo; sem espaço para uma visão crítica do aluno, que criou o fenômeno, até hoje presente, do autodidatismo; sem preocupação com uma finalidade pedagógica para o curso de Direito, diante do banimento das cadeiras de Direito Romano e Hermenêutica Jurídica, nas quais o acento prudencial e reflexivo é marcante, e com uma metodologia pedagógica de natureza reprodutivista das estruturas jurídicas e sociais então existentes.

Superada essa fase histórica, o ensino do Direito sofreu inúmeras outras reformas curriculares, algumas pontuais e outras mais abrangentes. A Reforma Leôncio de Carvalho (Decreto nº 7.247 de 19 de abril de 1879) preocupou-se em implantar a liberdade de ensino em todos os níveis e, para os cursos jurídicos, estabeleceu uma grade curricular voltada para a preparação de profissionais aptos para o preenchimento dos cargos administrativos do Império. As preocupações legislativas destinaram-se à viabilização do ensino livre. Nenhuma ideia foi apresentada acerca das questões pedagógicas ou curriculares.

Nessa esteira, a Reforma Benjamin Constant (Decreto Republicano nº 1.232 H de 02 de janeiro de 1891) apenas consolidou as bases do ensino livre e dividiu as faculdades de Direito em três cursos: Ciências Jurídicas, Ciências Sociais e Notariado, segundo o perfil de bacharel (advogados e juízes), de servidores públicos e de notários respectivamente.

Depois, o ensino jurídico veio a ser reorganizado pela Lei nº 314 de 30 de outubro de 1895, a qual aumentou a duração para cinco anos, fez uma redistribuição das disciplinas pelo currículo, com o acréscimo das matérias de Diplomacia, Direito Internacional Público, Ciência das Finanças e Economia Política, além de ter aumentado as exigências estruturais para a instalação das faculdades livres de Direito.

Enquanto, no Brasil, procurava-se uma reorganização legislativa localizada em alguns tópicos do ensino jurídico, no mundo jurídico anglo-saxão, nesse mesmo período histórico, uma outra reorganização, de cunho acadêmico, tomava corpo, mas com um viés nitidamente orgânico do ponto de vista pedagógico. Façamos um longo, porém, necessário parêntesis.

As discussões e as variações sobre o ensino jurídico são tão históricas quanto o Direito. Duas escolas, a partir do renascimento do Direito Romano na Europa Continental (século XII) e da adoção, pela Inglaterra, do Direito Comum real (século XII)[38], ganharão relevo no mundo jurídico ocidental: por um lado, a tradição romano-germânica, essencialmente formal, codificada e baseada na atuação legislativa; por outro, a tradição da common law, fundada na regra do precedente judicial, do costume e do protagonismo legiferante das cortes judiciais.

No primeiro caso, a experiência pedagógica desenvolveu-se assentada nas escolas de direito, com aulas teórico-expositivas e memorização de textos legais e de manuais doutrinários, cujos efeitos são sentidos até hoje na realidade brasileira, herdeira daquela tradição romano-germânica.

Mas, do segundo caso, emergiu uma outra experiência pedagógica capaz de compreender direito além da lei e o aluno como um ser capaz de compreendê-la criticamente. Essa experiência pedagógica, fincada na tradição da common law, consiste no método do estudo do caso (case method), criado por Christopher Columbus Langdell na faculdade de direito de Harvard, em 1870, para transmitir aos alunos os princípios mais importantes do sistema jurídico daquela nação e para ensiná-los a pensar juridicamente numa tradição legal em que o direito é criado a partir das decisões judiciais nos casos concretos[39].

Essa experiência pedagógica, ao longo dos anos, alastrou-se pelas demais faculdades de direito americanas e, desde então, o método do estudo do caso é a metodologia pedagógica básica para o ensino do direito nos Estados Unidos até hoje. Dois grandes fatores contribuíram para isso.

Em primeiro lugar, o direito norte-americano, apesar do recente fenômeno de codificação da legislação federal, é fundamentalmente case law, na expressão consagrada pelo mundo do direito, isto é, os princípios são hauridos a partir das sentenças e as leis são interpretadas a partir das decisões judiciais que criaram esses princípios. Tais princípios servem de base para a análise dos mesmos casos futuros (conhecido pelo princípio do stare decisis – deve-se manter o que já foi decidido, salvo fatos ou fundamentos novos).

Em segundo lugar, o fim das escolas de direito deste país sempre foi o de formar advogados práticos, bacharéis que pudessem atuar corretamente nos casos de seus clientes e, para tanto, sempre se reputou imprescindível interpretar, refletir e manejar casos judiciais, a favor ou contra os interesses do cliente, individual ou coletivamente considerado.

O ensino jurídico, na linha de Langdell, foi baseado em duas vertentes principais[40], uma gnoseológica e outra pedagógica, explicada na obra Selection of Cases on the Law of Contracts, publicada em 1871, no ano seguinte à sua chegada à Universidade de Harvard, em cuja Law School ele foi o dean (diretor) de 1870 a 1900.

Na vertente gnoseológica, Langdell assumia uma visão positivista do Direito, negando os princípios gerais derivados da natureza, pois partia do pressuposto de que todos os precedentes da common law poderiam ser reduzidos, a partir de um exercício de indução, a um sistema perene de princípios gerais. Uma vez estabelecido esse rol, poderiam ser deduzidas as normas aplicáveis aos casos concretos.

Assim, o Direito aplicável a novos casos poderia ser haurido a partir dos mesmos princípios obtidos a partir dos casos já dados e, como consequência, a common law gozaria de uma sistematicidade orgânica, ordenada, dotada de claridade e logicamente estatuída, tornando-se, logo, uma ferramenta de extrema importância para o exercício do profissional do direito.

Na vertente pedagógica, Langdell entendia que o estudo do método do caso tinha, por finalidade primordial, conduzir o estudante à aquisição, por si mesmo, por meio de seu trabalho pessoal e de um debate metodicamente conduzido, não tanto ao conhecimento legal e jurídico, mas ao savoir-faire do Direito, tomado a partir da análise do caso concreto rumo à busca da consecução de um princípio jurídico.

Ao professor não competia tanto a tarefa de apresentar um conjunto de ideias, conceitos e categorias para que os alunos compreendessem e assimilassem, mas para que eles se servissem desse conjunto como dados de problemas a serem resolvidos num caso concreto e, por intermédio desse caminho, descobrirem indutivamente a regra de direito.

Para tanto, Langdell (1871:prefácio) criou três princípios para uma aplicação frutífera dessa nova metodologia jurídica, conforme se extrai de seu livro sobre contratos, baseada na forma indutiva de ensino, pela qual os princípios gerais são derivados a partir da análise dos casos particulares (casuísmo jurisprudencial), de forma a criar no corpo discente um pensamento crítico e analítico, permitindo que a vida real dos tribunais invada a sala de aula, onde antes predominavam a pura teoria dos tratados afastados da realidade jurídica e a estrita memorização de textos e de conceitos anteriormente recitados à exaustão mental. Segundo Langdell,

o direito somente pode ser ensinado ou aprendido efetivamente por meio de alguma forma de casos (…). Para o êxito no cumprimento desta tarefa – o ensinamento por meio de casos – é necessário, primeiro, que os esforços realizados pelos estudantes corram em paralelo com os meus, isto é, que estudem com referência direta aos meus ensinamentos; segundo, que o estudo que assim lhes é requerido seja de tal índole que extraiam dele os maiores e mais duráveis benefícios; terceiro, a instrução deve ser de tal caráter que os alunos possam derivar dela, pelo menos, vantagens superiores daquelas que obteriam caso se dedicassem mesmo tempo ao estudo privado”.

 Assim, enquanto nos EUA a alteração dos pressupostos do ensino jurídico foi desencadeada por uma iniciativa institucionalmente intestina e pedagogicamente orgânica, por aqui, já consolidada a fase republicana de nossa história política, a Reforma Rivadávia Corrêa (Decretos nº 8.659 e 8.662, ambos de 05 de abril de 1911) promoveu nova alteração do eixo curricular: introduziu-se a disciplina Introdução Geral ao Estudo do Direito, excluiu-se a matéria de Direito Comparado e a duração foi majorada em um ano, com foco na prática forense.

A Reforma Maximiliano (Decreto nº 11.530 de 07 de setembro de 1915) surgiu logo em seguida, revogou a reforma anteriormente feita e remanejou o estudo do Direito Romano para o primeiro ano do curso (e não mais no terceiro ano do curso, por força do Decreto Imperial nº 608 de 16 de agosto de 1851, o qual restaurou essa disciplina no ensino jurídico brasileiro). Durante a Primeira República, o ensino do Direito continuou na mesma linha curricular e pedagógica do Império.

A Reforma Francisco Campos (Decretos nº 19.851 e 19.852, ambos de 11 de abril de 1931) reformulou o currículo do ensino jurídico, reestruturando-o com um fulcro profissionalizante, altamente prático, com acentuada tônica no estudo do direito positivo, a fim de se alinhar às demandas e necessidades da economia brasileira.

A Constituição de 1934 inovou ao lançar as bases para um plano nacional de educação e, no campo jurídico, foram acrescentadas as disciplinas de Direito Industrial e Direito do Trabalho. O Decreto-lei nº 2.639 de 27de novembro de 1940 dividiu a disciplina do Direito Público Constitucional em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional, com o afã de provocar o estudo jurídico do Estado e das estruturas que o compõem.

No ano de 1961, surgiu a Universidade de Brasília, cujo currículo jurídico vinculava estudos humanísticos preparatórios às disciplinas dogmáticas e à formação jurisprudencial, dotada de disciplina própria, com um perfil interdisciplinar, porque dispunha de disciplinas eletivas, inovando nesse sentido. A Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (Lei nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961) deu sustento institucional para a adoção do Parecer nº 215 de 15 de setembro de 1962, no qual o Conselho Federal de Educação impôs o currículo mínimo do curso de bacharelado em Direito e que, na prática, promoveu a articulação didática do conhecimento oficializado.

A Reforma Universitária de 1968 (Lei nº 5.540 de 28 de dezembro de 1968) estabeleceu o processo de integração das faculdades de Direito às universidades, tanto física quanto curricularmente, principalmente em relação ao cumprimento das disciplinas básicas. Ao mesmo passo, liberou a expansão do ensino superior, por meio de uma política menos rigorosa de autorização de funcionamento para a rede privada de ensino, sem um claro comprometimento dessas instituições junto aos parâmetros da Lei de Diretrizes e Bases (aspectos curriculares) e do Decreto nº 63.341 de 01º de outubro de 1968 (expansão da rede superior de ensino privado em áreas remotas do país).

O efeito dessa falta de compromisso foi o crescimento desmedido dos cursos de direito, a mercantilização do ensino e, em razão do baixo nível docente, o ensino do Direito nada reflexivo e demasiadamente apegado ao mero entendimento do texto legal. Para corrigir essas distorções graves, o Conselho Federal de Educação aprovou a Resolução nº 3 de 25 de fevereiro de 1972, a qual se pautou por uma formação mais ampla do bacharel no ramo jurídico, com flexibilidade curricular e abertura formativa a outros ramos do saber com afinidade ao Direito. Inovou ao implantar a obrigatoriedade de estágio supervisionado e da interdisciplinaridade.

Em 1994, o Ministério da Educação e Cultura baixou a Portaria nº 1886 de 13 de julho de 1994, fixando novas diretrizes curriculares e metodológicas para os cursos jurídicos: fortaleceu a interdisciplinaridade; criou mecanismos institucionais para o desenvolvimento do Ensino, da Pesquisa e da Extensão; aumentou a carga horária do estágio supervisionado e indicou claramente a finalidade do curso jurídico, a saber, a formação de um bacharel comprometido com sua formação fundamental, sócio-política, técnico-jurídica e prudencial. Para tanto, dividiu as disciplinas em duas partes: as de formação fundamental e as profissionalizantes, tornando obrigatória a realização de uma monografia para os alunos concluintes.

Em 2004, o Conselho Nacional de Educação editou a Resolução nº 09 (Anexo I), dispondo sobre as diretrizes curriculares nacionais dos cursos jurídicos, e estabeleceu que o ensino jurídico deve expressar-se por intermédio de seu projeto pedagógico, abrangendo o perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o sistema de avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do curso, o regime acadêmico de oferta e a duração do curso.

Sem prejuízo disso, foram permitidos outros aspectos que tornem consistente o referido projeto pedagógico, como a interdisciplinaridade, a integração entre teoria e prática e graduação e pós-graduação, além do incentivo à pesquisa e à extensão.

Quanto ao perfil formativo do aluno, segundo a mesma resolução, o ensino jurídico deve propiciar sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.

O curso de Direito, quanto aos fins e nos termos da referida resolução, deve possibilitar a formação profissional que valorize as habilidades de leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas; interpretação e aplicação do Direito; pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito; adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias, administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e procedimentos; correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito; utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica; julgamento e tomada de decisões e domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.

O curso ainda deve contemplar, nos aspectos pedagógico e curricular, os seguintes eixos interligados de formação:

  1. a) Eixo de Formação Fundamental, com o objetivo de integrar o estudante no campo teórico, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia;
  2. b) Eixo de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se necessariamente, dentre outros condizentes com o projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional e Direito Processual;
  3. c) Eixo de Formação Prática, que objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares.

A resolução em vigor, ainda que seja objeto de reforma por uma nova política regulatória[41], parece caminhar no sentido de permitir a formação de profissionais do direito com habilidade para não serem mais meros reprodutores do direito oficial e fiadores de um superado positivismo normativista, lastreado num modelo educacional dogmático, unidisciplinar, descontextualizado da realidade circundante e completamente avesso à reflexão, à prudência jurídica e ao ideal de justiça social.

A educação jurídica no Brasil, como se percebe nitidamente, evoluiu lentamente. Toda configuração posterior sempre tomou, como ponto de partida, a tradição anterior, por blocos ou itens de acomodação, sem que houvesse rupturas institucionais na condução dos destinos do ensino jurídico.

Se as questões do método de pensar e ensinar o Direito e da finalidade do curso jurídico já estavam subjacentes nos debates parlamentares da Assembleia Constituinte de 1823 e no Estatuto do Visconde da Cachoeira de 1825, hoje, passados quase duzentos anos, está na hora dessas questões se transformarem em respostas e protagonizarem uma nova realidade para o ensino do Direito, inclusive mutatis mutandis com a adoção de algumas facetas epistemológicas e metodológicas da experiência americana nesse sentido.

Mas, sobretudo, o novo marco regulatório do ensino jurídico deve repensar a amplitude totalizante da matriz positivista de nosso ensino jurídico, cujos efeitos mais contundentes, em nossa experiência docente, são a ausência de um espaço para uma visão crítica do aluno, a estrita preocupação com uma finalidade pedagógica de natureza reprodutivista, o foco mais curricular e nada metodológico e o hiato entre a ciência e a prudência do Direito, justamente algumas das causas apontadas, no rol dos culpados, pelas autoridades políticas e institucionais acerca da atual crise do ensino jurídico nacional e que, ao cabo, explicam o que nossas escolas de Direito são e porque é que são as que existem.

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***

ANEXO I

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

RESOLUÇÃO CNE/CES N° 9, DE 29 DE SETEMBRO DE 2004

Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de

Graduação em Direito e dá outras providências.

O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no art. 9º, § 2º, alínea “c”, da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, tendo em vista as diretrizes e os princípios fixados pelos Pareceres CES/CNE nos 776/97, 583/2001, e 100/2002, e as Diretrizes Curriculares Nacionais elaboradas pela Comissão de Especialistas de Ensino de Direito, propostas ao CNE pela SESu/MEC, considerando o que consta do Parecer CES/CNE 55/2004 de 18/2/2004, reconsiderado pelo Parecer CNE/CES 211, aprovado em 8/7/2004, homologado pelo Senhor Ministro de Estado da Educação em 23 de setembro de 2004,resolve:

Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Direito, Bacharelado, a serem observadas pelas Instituições de Educação Superior em sua organização curricular.

Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as Diretrizes

Curriculares Nacionais se expressa através do seu projeto pedagógico, abrangendo o perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o sistema de avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do curso, o regime acadêmico de oferta, a duração do curso, sem prejuízo de outros aspectos que tornem consistente o referido projeto pedagógico.

  • 1° O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes elementos estruturais:

I – concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções institucional, política, geográfica e social;

II – condições objetivas de oferta e a vocação do curso;

III – cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;

IV – formas de realização da interdisciplinaridade;

V – modos de integração entre teoria e prática;

VI – formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;

VII – modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;

VIII – incentivo à pesquisa e à extensão, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica;

IX – concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, bem como a forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica;

X -concepção e composição das atividades complementares; e,

XI – inclusão obrigatória do Trabalho de Curso.

  • 2º Com base no princípio de educação continuada, as IES poderão incluir no Projeto Pedagógico do curso, oferta de cursos de pós-graduação lato sensu, nas respectivas modalidades, de acordo com as efetivas demandas do desempenho profissional.

Art. 3º. O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.

Art. 4º. O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e competências:

I – leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;

II – interpretação e aplicação do Direito;

III – pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito;

IV – adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias, administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e procedimentos;

V – correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito;

VI – utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;

VII – julgamento e tomada de decisões; e,

VIII – domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.

Art. 5º O curso de graduação em Direito deverá contemplar, em seu Projeto Pedagógico e em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades que atendam aos seguintes eixos interligados de formação:

I – Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia.

II – Eixo de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se necessariamente, dentre outros condizentes com o projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional e Direito Processual; e

III – Eixo de Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares.

Art. 6º A organização curricular do curso de graduação em Direito estabelecerá expressamente as condições para a sua efetiva conclusão e integralização curricular de acordo com o regime acadêmico que as Instituições de Educação Superior adotarem: regime seriado anual; regime seriado semestral; sistema de créditos com matrícula por disciplina ou por módulos acadêmicos, com a adoção de pré-requisitos, atendido o disposto nesta Resolução.

Art. 7º O Estágio Supervisionado é componente curricular obrigatório, indispensável à consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes ao perfil do formando, devendo cada instituição, por seus colegiados próprios, aprovar o correspondente regulamento, com suas diferentes modalidades de operacionalização.

  • 1º O Estágio de que trata este artigo será realizado na própria instituição, através do Núcleo de Prática Jurídica, que deverá estar estruturado e operacionalizado de acordo com regulamentação própria, aprovada pelo conselho competente, podendo, em parte, contemplar convênios com outras entidades ou instituições e escritórios de advocacia; em serviços de assistência judiciária implantados na instituição, nos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública ou ainda em departamentos jurídicos oficiais, importando, em qualquer caso, na supervisão das atividades e na elaboração de relatórios que deverão ser encaminhados à Coordenação de Estágio das IES, para a avaliação pertinente.
  • 2º As atividades de Estágio poderão ser reprogramadas e reorientadas de acordo com os resultados teórico-práticos gradualmente revelados pelo aluno, na forma definida na regulamentação do Núcleo de Prática Jurídica, até que se possa considerá-lo concluído, resguardando, como padrão de qualidade, os domínios indispensáveis ao exercício das diversas carreiras contempladas pela formação jurídica.

Art. 8º As atividades complementares são componentes curriculares enriquecedores e complementadores do perfil do formando, possibilitam o reconhecimento, por avaliação de habilidades, conhecimento e competência do aluno, inclusive adquirida fora do ambiente acadêmico, incluindo a prática de estudos e atividades independentes, transversais, opcionais, de interdisciplinaridade, especialmente nas relações com o mercado do trabalho e com as ações de extensão junto à comunidade.

Parágrafo único. A realização de atividades complementares não se confunde com a do Estágio Supervisionado ou com a do Trabalho de Curso.

Art. 9º As Instituições de Educação Superior deverão adotar formas específicas e alternativas de avaliação, interna e externa, sistemáticas, envolvendo todos quantos se contenham no processo do curso, centradas em aspectos considerados fundamentais para a identificação do perfil do formando.

Parágrafo único. Os planos de ensino, a serem fornecidos aos alunos antes do início de cada período letivo, deverão conter, além dos conteúdos e das atividades, a metodologia do processo de ensino-aprendizagem, os critérios de avaliação a que serão submetidos e a bibliografia básica.

Art. 10. O Trabalho de Curso é componente curricular obrigatório, desenvolvido individualmente, com conteúdo a ser fixado pelas Instituições de Educação Superior em função de seus Projetos Pedagógicos.

Parágrafo único. As IES deverão emitir regulamentação própria aprovada por Conselho competente, contendo necessariamente, critérios, procedimentos e mecanismos de avaliação, além das diretrizes técnicas relacionadas com a sua elaboração.

Art. 11. A duração e carga horária dos cursos de graduação serão estabelecidas em Resolução da Câmara de Educação Superior.

Art. 12. As Diretrizes Curriculares Nacionais desta Resolução deverão ser implantadas pelas Instituições de Educação Superior, obrigatoriamente, no prazo máximo de dois anos, aos alunos ingressantes, a partir da publicação desta.

Parágrafo único. As IES poderão optar pela aplicação das DCN aos demais alunos no período ou ano subsequente à publicação desta.

Art. 13. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogada a Portaria Ministerial n° 1.886, de 30 de dezembro de 1994 e demais disposições em contrário.

Edson de Oliveira Nunes

Presidente da Câmara de Educação Superior

***

ANEXO II

Lei Imperial de 11 de Agosto de 1827

Crêa dous Cursos de sciencias Juridicas e Sociaes, um na cidade de S. Paulo e outro na de Olinda.

Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deus e unanime acclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos os nossos subditos que a Assembléia Geral decretou, e nós queremos a Lei seguinte:

  • 1.º – Crear-se-ão dous Cursos de sciencias jurídicas e sociais, um na cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, e nelles no espaço de cinco annos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes:

1.º ANNO

1ª Cadeira. Direito natural, publico, Analyse de Constituição do Império, Direito das gentes, e diplomacia.

2.º ANNO

1ª Cadeira. Continuação das materias do anno antecedente.

2ª Cadeira. Direito publico ecclesiastico.

3.º ANNO

1ª Cadeira. Direito patrio civil.

2ª Cadeira. Direito patrio criminal com a theoria do processo criminal.

4.º ANNO

1ª Cadeira. Continuação do direito patrio civil.

2ª Cadeira. Direito mercantil e marítimo.

5.º ANNO

1ª Cadeira. Economia politica.

2ª Cadeira. Theoria e pratica do processo adoptado pelas leis do Imperio.

  • 2.º – Para a regencia destas cadeiras o Governo nomeará nove Lentes proprietarios, e cinco substitutos.
  • 3.º – Os Lentes proprietarios vencerão o ordenado que tiverem os Desembargadores das Relações, e gozarão das mesmas honras. Poderão jubilar-se com o ordenado por inteiro, findos vinte annos de serviço.
  • 4.º – Cada um dos Lentes substitutos vencerá o ordenado annual de 800$000.
  • 5.º – Haverá um Secretario, cujo offício será encarregado a um dos Lentes substitutos com a gratificação mensal de 20$000.
  • 6.º – Haverá u Porteiro com o ordenado de 400$000 annuais, e para o serviço haverão os mais empregados que se julgarem necessarios.
  • 7.º – Os Lentes farão a escolha dos compendios da sua profissão, ou os arranjarão, não existindo já feitos, com tanto que as doutrinas estejam de accôrdo com o systema jurado pela nação. Estes compendios, depois de approvados pela Congregação, servirão interinamente; submettendo-se porém á approvação da Assembléa Geral, e o Governo os fará imprimir e fornecer ás escolas, competindo aos seus autores o privilegio exclusivo da obra, por dez annos.
  • 8.º – Os estudantes, que se quiserem matricular nos Cursos Juridicos, devem apresentar as certidões de idade, porque mostrem ter a de quinze annos completos, e de approvação da Lingua Franceza, Grammatica Latina, Rhetorica, Philosophia Racional e Moral, e Geometria.
  • 9.º – Os que freqüentarem os cinco annos de qualquer dos Cursos, com approvação, conseguirão o gráo de Bachareis formados. Haverá tambem o grào de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem som os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e sò os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes.
  • 10.º – Os Estatutos do VISCONDE DA CACHOEIRA ficarão regulando por ora naquillo em que forem applicaveis; e se não oppuzerem á presente Lei. A Congregação dos Lentes formará quanto antes uns estatutos completos, que serão submettidos á deliberação da Assembléa Geral.
  • 11.º – O Governo crearà nas Cidades de S. Paulo, e Olinda, as cadeiras necessarias para os estudos preparatorios declarados no art. 8.º.

Mandamos portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente, como nella se contém. O Secretario de Estado dos Negocios do Imperio a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palacio do Rio de Janeiro aos 11 dias do mez de agosto de 1827, 6.º da Independencia e do Imperio.

Vossa Majestade IMPERADOR D. Pedro I, com rubrica e guarda.

(L.S.)

Visconde de S. Leopoldo.

Carta de Lei pela qual Vossa Majestade Imperial manda executar o Decreto da Assemblèa Geral Legislativa que houve por bem sanccionar, sobre a criação de dous cursos juridicos, um na Cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, como acima se declara.

Para Vossa Majestade Imperial ver.

Albino dos Santos Pereira.

Registrada a fl. 175 do livro 4.º do Registro de Cartas, Leis e Alvarás. – Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio em 17 de agosto de 1827. – Epifanio José Pedrozo.

Pedro Machado de Miranda Malheiro.

Foi publicada esta Carta de Lei nesta Chancellaria-mór do Imperio do Brazil. – Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. – Francisco Xavier Raposo de Albuquerque.

Registrada na Chancellaria-mór do Imperio do Brazil a fl. 83 do livro 1.º de Cartas, Leis, e Alvarás. – Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. – Demetrio José da Cruz.

______________________________________________

***

ANEXO III

Anexo-III-PasseioDireito-AGF

 

***

ANEXO IV

Anexo-IV-PasseioDireito-AGF

 

 

***

ANEXO V

Projeto de regulamento ou estatutos para o Curso Jurídico creado pelo Decreto de 9 de Janeiro de 1825, organizado pelo Conselheiro de Estado Visconde da Cachoeira, e mandado observar provisoriamente nos Cursos Juridicos de S. Paulo e Olinda pelo art. 10 desta lei.

Visconde de Cachoeira

Tendo-se decretado que houvesse, nesta Corte, um Curso Juridico para nelle se ensinarem as doutrinas de jurisprudencia em geral, a fim de se cultivar este ramo da instrucção publica, e se formarem homens habeis para serem um dia sabios Magistrados, peritos Advogados, de que tanto se carece; e outros que possam vir a ser dignos Deputados e Senadores, e aptos para occuparem os lugares diplomaticos, e mais empregos do Estado, por se deverem comprehenderem nos estudos do referido Curso Juridico os principios elementares de direito natural, publico, das gentes, commercial, politico e diplomatico, é de forçosa, e evidente necessidade, e utilidade formar o plano dos mencionados estudos; regular a sua marcha, e methodo; declarar os annos do mesmo Curso; especificar as doutrinas que se devem ensinar em cada um delles; dar as competentes instrucções, porque se devem reger os Professores e finalmente formalisar estatutos próprios, e adequados para bom regimento do mesmo Curso, e solido aproveitamento dos que se destinarem a esta carreira.

Sem estatutos, em que se exponham, e se acautelem todas estas circumstancias, não se poderá conseguir o fim util de tal estabelecimento. De que serviriam Bachareis formados, dizendo-se homens jurisconsultos na extensão da palavra, se o fossem só no nome? Não tendo conseguido boa, e pura cópia de doutrinas da sã jurisprudencia em geral, por maneira que utilmente para si, e para o Estado podessem vir a desempenhar os empregos, para que são necessários os conhecimentos desta sciencia, que sob os principios da moral publica, e particular, e de justiça universal, regula e prescreve regras praticas para todas as acções da vida social, haveria em grande abundancia homens habilitados com a carta sómente, sem o serem pelo merecimento, que pretenderiam os empregos para os servirem mal, e com prejuizo publico, e particular, tornando-se uma classe improductiva com damno de outros misteres, a que se poderiam applicar com mais proveito da sociedade, e verificar-se-hia deste modo o que receiava um sabio da França da nimia facilidade, e gratuito estabelecimento de muitos lyceus naquelle paiz.

A falta de bons estatutos, e relaxada pratica dos que havia, produziu em Portugal pessimas consequencias. Houve demasiados Bachareis, que nada sabiam, e iam depois nos diversos empregos aprender rotina cegas e uma jurisprudencia casuistica de arestos, sem jamais possuirem os principios, e luzes desta sciencia. Foi entao necessario reformar de todo a antiga Universidade de Coimbra; prescreve-lhe estatutos novos, e luminosos, em que se regularam com muito saber e erudição os estudos de jurisprudencia, e se estabeleceu um plano dos estudos proprios desta sciencia, e as fórmas necessarias para o seu ensino, progresso, e melhoramento.

Parecia portanto que á vista de taes estatutos, e das mais providencias, que depois se estabeleceram ácerca das faculdades jurídicas; e tambem do proveito que destas instituições tem resultado, sahindo da Universidade grandes mestres, dignos e sabios magistrados e habilissimos homens d’Estado, que aos nossos olhos tem illustrado e bem sevido a patria, não era necessario outro novo regulamento, e bastava, ou pra melhor dizer, sobrava que se ordenasse, que o novo Curso Juridico mandado estabelecer nesta Côrte, se dirigisse, e governasse pelos novos estatutos da Universidade de Coimbra com as alterações posteriores.

Assim se persuadiram os autores do projeto de lei sobre as Universidades, que se apresentou, e discutiu na extincta Assembléia Constituinte e Legislativa, acrescentando que o Curso Juridico, que no referido projecto se mandava crear logo, e ainda antes de estabelecidas as Universidades, se governasse por aquellas instituições, e novos estatutos, até que pelo andar do tempo, e experiencia, restringissem, ou ampliassem os Professores o que julgassem conveniente. Esta persuasão fundava-se na facilidade e presteza, com que começava logo a pôr-se em pratica a proveitosa instituição dos estudos juridicos.

Dado porém que se não possa negar, nem a sabedoria dos autores do referidos estatutos, nem a demasiada cópia de doutrinas que elles contém, por maneira que é de admirar que houvesse em Portugal naquelle tempo de desgraça, e decadencia dos estudos em geral, e particularmente da jurisprudencia, homens de genio tão transcendente que soubessem com tão apurada critica, e erudição proscrever o mão gosto dos estudos, substituir-lhes doutrina methodica, e luminosa, e crear uma Universidade, que igualou, e a muitos respeitos excedeu as mais celebres da Europa, todavia o seu nimio saber em jurisprudência, e demasiada erudição de que sobrecarregaram os mesmos estatutos, a muita profusão de direito romano de que fizeram a principal sciencia juridica, á exemplo das Universidade de Allemanha; o muito pouco que mandaram ensinar da jurisprudencia patria, amontoando só em um anno, e em uma só cadeira tudo que havia de theorico e pratico della; a pobreza do ensino de direito natural, publico, e das gentes, (sem se lhe unir a parte diplomática) e que devia ser ensinada em um só anno; a falta de direito maritimo, commercial, criminal, e de economia politica, que não foram comprehendidas nos estudos, que se deviam ensinar dentro do quinquennio, fazem ver que os referidos estatutos, taes como se acham escriptos, não podem quadrar ao fim proposto de se formarem por elles verdadeiros e habeis jurisconsultos.

Os mesmos autores dos referidos estatutos conheceram tanto que os estudos de direito diplomatico, e de economia politica deviam entrar na faculdade de jurisprudencia que declararam que os Professores dessem noticia delles aos seus discipulos quando conviesse; mas nem isto era estabelecer estudo regular, nem preceitos vagos podiam aproveitar.

A falta de estudos mais profundos de direito patrio foi supprida depois pelo Alvará de 16 de janeiro de 1807, que deu nova fórma aos mencionados estudos, e ao ensino da pratica do foro estabelecida pelos autores dos estatutos da Universidade de Coimbra para o 5.º anno jurídico, ficando para o 3.º, e 4.º anno o ensino do direito patrio, com o que mais aproveitados sahem os estudantes nestes tempos modernos, quando anteriormente vinham totalmente hospedes nos usos praticos, e sabendo mui pouco de direito patrio, e sua applicação, quando estes eram os estudos em que deveriam ser mui versados, pois que se destinavam a ser jurisconsultos nacionaes.

Se este deve ser considerado o fim primordial dos estudos juridicos, salta aos olhos quão capital defeito era o pouco tempo que se empregava no estudo de direito pátrio, e sua applicação ao foro. Posto que o estudo do direito romano seja uma parte importante da jurisprudência civil, não só porque tem sido este o direito de quase todas as nações modernas, mas principalmente porque nelle se acha um grande fundo do direito da razão, pelo muito que os jurisconsultos romanos discorreram ajudados da philosophia moral; tanto assim que deste copioso manacial tiraram Thomasio, Grocio, e Pullendorfio o que depois chamaram direito natural, e os celebres compiladores do Codigo de Napoleão confessaram ingenuamente, que ali acharam em grande deposito a maior parte das regras que introduziram no mesmo codigo; todavia é o direito romano subsidiário ou doutrinal, como em muitas partes dos mesmos estatutos confessaram os seus ilustres autores, e não podia jámais ser ensinado com tanta profusão e extensão á custa do direito patrio, por quanto ainda que em grande parte as nossas leis sejam extrahidas dos romanos, principalmente nos contractos, testamentos, servidões, etc.; ainda que seus compiladores eram mui versados no estudo do direito romano; como tudo é o direito patrio um corpo formado de instituições próprias deduzidas do genio, e costumes nacionaes, e de muitas leis romanas já transvertidas ao nosso modo, e bastava por tanto, que depois do estudo das institutas se explicasse o direito patrio, e que nos lugares de duvidas do direito romano trouxessem os Professores á lembrança o que se tivesse ensinado nas ditas institutas, expondo tudo o mais que ocorresse daquelle direito, e indicando as leis romanas, onde existe a sua principal doutrina.

Além do que fica dito cumpre observar que a nimia erudição dos autores dos estatutos de Coimbra; a profusão com que a derramaram na sua obra, o muito e demasiado cuidado com que introduziram o estudo de antiguidades e as amiudadas cautelas que ensinaram para a intelligencia dos textos, e que só deveriam servir para aclarar e alcançar o sentido dos difficeis, fizeram que os estudantes sahissem da Universidade mal aproveitados na sciencia do direito patrio, e sobrecarregados de subtilezas, e antiguidades, que mui pouco uso prestaram na pratica dos empregos a que se destinaram. Os mesmos mestres e doutores, para se acreditarem de sabios perante estudos de direito romano e antiguidades, e seguindo nelles a escola Cujaciana, philosophavam muito theoricamente sobre os principios de direito, e por fugirem o rumo da de Bartholo, Alciato, e mais glosadores e casuístas, ensinavam jurisprudencia mais polemicado que apropriada á pratica da sciencia de advogar, e de julgar. Não foi só o nimio estudo de direito romano a causa principal de se não formarem verdadeiros jurisconsultos; foi tambem, como já dissemos, a falta de outras partes necessárias da jurisprudencia, e que fundadas na razão, preparam os animos dos que aprenderam para conseguirem ao menos os principios geraes de tudo, que constitue a sciencia da jurisprudencia em geral, e cujo conhecimento forma os homens para os diversos empregos da vida civil.

Se este é o fim, a que nos destinamos na instituição deste Curso Juridico, se a experiencia já nos tem ensinado e convencido dos inconvenientes da pratica seguida; se conhecemos que a jurisprudencia é filha toda da sã moral; se sabemos que desde os primeiros elementos da ethica, e da moral nos vamos elevando como por degráos ao cimo deste edificio; e se finalmente é da mais simples intuição que as scinecias todas se enlaçam, maiormente as moraes, que, de mistura com as instituições civis, são a base da jurisprudencia; porque não aproveitaremos estas lições do saber, e da experiencia, para abraçarmos um novo methodo mais regular, simples e farto dos conhecimentos necessarios e uteis, e que despido de erudições sobejas, abranja o que é mais philosophico e justo? Deve-se, portanto, sem perder de vista o que há de grande, e sabio em tão famigerados estatutos, cortar o que for desnecessario, instituir novas cadeiras para as materias de que nelles se não fez menção, as quaes são enlaçadas pelos mais fortes vinculos com a jurisprudencia em geral, e de nimia utilidade para o perfeito conhecimento della, e dirigirmo-nos ao fim de crear jurisconsultos brasileiros, enriquecidos de doutrinas luminosas, e ao mesmo tempo uteis, e que pelo menos obtenham neste curso bastantes e solidos principios, que lhes sirvam de guias nos estudos maiores, e mais profundos, que depois fizerem; o que é o mais que se póde esperar que obtenham estudantes de um curso academico.

Os autores dos mesmos estatutos, no Curso Jurídico que regularam, comprehenderam o direito canonico, e por maneira estabeleceram a fórma de estudos de ambas as faculdades juridicas, que os primeiros dous annos são inteiramente communs aos estudantes dellas, ajuntando-se depois nos annos, e aulas, em que se ensinava o direito patrio, e pratica de fôro. Considerada a necessidade de haver um curso de direito canonico, muito bem, se houveram prescrevendo aos alumnos que se destinavam á faculdade de canones o conhecimento das institutas de direito civil, e os das instituições de direito publico, ecclesiastico e de direito canonico aos alumnos de direito civil, attenta a relação, e affinidade que ha em geral entre estes estudos. Comtudo não entrará o ensino da faculdade de canones no Curso Juridico, que se vai instituir. Esta sciencia, toda composta das leis ecclesiasticas, bem como a theologia, deve reservar-se para os claustos e seminarios episcopaes, como já se declarou pelo Alvará de 10 de Maio de 1805 § 6.º, e onde é mais próprio ensinarem-se doutrinas semelhantes, que pertencem aos ecclesiasticos, que se destinam aos diversos empregos da igreja, e não aos cidadãos seculares dispostos aos empregos civis.

Como porém convenha a todo jurisconculto brazileiro saber os principios elementares de direito publico, ecclesiastico, universal, e proprio da sua nação, porque em muitas cousas, que dizem respeito aos direitos do chefe do governo sobre as cousas sagradas e ecclesisaticas, cumpre saber os principios e razões em que elles se estribam, convirá que se ensinem os principios elementares de direito publico, ecclesiastico, universal e brazileiro em uma cadeira, cujo Professor com luminosa e apurada critica e discernimento assignale as extremas dos poderes civil e ecclesiastico.

Por estes ponderosos motivos, e dest’art se organizam os estatutos, que hão de reger o Curso Juridico, que vai a ensinar-se nesta Corte, o qual abrangerá portanto os conhecimentos que formam o todo da faculdade de jurisprudencia civil.

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FONTE: PROJETO de regulamento ou estatutos para o Curso Juridico creado pelo Decreto de 9 de Janeiro de 1825, organizado pelo Conselheiro de Estado Visconde da Cachoeira, e mandado observar provisoriamente nos Cursos Juridicos de S. Paulo e Olinda pelo art. 10 desta lei.

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ANEXO VI

Anexo-VI-a-PasseioDireito-AGF

 Anexo-VI-a2-PasseioDireito-AGF

 Anexo-VI-a3-PasseioDireito-AGF

 

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ANEXO VII

Anexo-VII-a-PasseioDireito-AGF

 

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André Fernandes é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito titular de entrância final. Pesquisador do grupo Paideia, na linha de ética, política e educação (FE/UNICAMP) e professor do CEU-IICS Escola de Direito. Coordenador do IFE Campinas. Articulista da Escola Paulista da Magistratura, da qual é também Juiz Instrutor, e do Correio Popular de Campinas, com especialidade na área de Filosofia do Direito, Deontologia Jurídica, Estado e Sociedade. Experiência profissional na área de Direito, com especialidade em Direito Civil, Direito de Família, Direito Constitucional, Deontologia Jurídica, Filosofia do Direito e Hermenêutica Jurídica. Membro da Escola do Pensamento do IFE (www.ife.org.br), do Comitê Científico do CCFT Working Group (Diálogos entre Cultura, Ciência, Filosofia e Teologia), da União dos Juristas Católicos de São Paulo e da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas. Autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas.

 

NOTAS

[1] In Epistulae ad Lucilium, 7, 8. Em tradução livre, “ensinando, os homens aprendem”.

[2] “Ensino jurídico na berlinda: MEC congela a criação de 100 novos cursos de Direito e estuda, em conjunto com a OAB, uma nova política regulatória para o ensino jurídico no país” (Jornal do Advogado da OAB/SP, São Paulo, abril de 2013, p.16-17).

[3] Direito USP debate reforma curricular dos cursos. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,medicina-e-direito-da-usp-debatem-reforma-curricular-dos-cursos,1027077,0.htm. Acesso em 30 de abril de 2013. MEC interrompe abertura de novos cursos de direito para mudar regras. Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/03/mec-interrompe-abertura-de-novos-cursos-de-direito-para-mudar-regras.html. Acesso em 03 de maio de 2013.

[4] “Ensinar direito. Editorial. Folha de São Paulo. São Paulo, 18 mar 2013, p. A2. Sem contar com uma proposta acabada sobre o tema, o Ministério da Educação pôs em circulação nas últimas semanas algumas ideias para melhorar a qualidade das faculdades de direito no Brasil. O MEC divulgara, em fevereiro, que estudava alterar as regras para abertura de cursos jurídicos, limitando a expansão de vagas e direcionando novas instituições para regiões carentes de advogados, tal como pretende fazer com faculdades de medicina. Na semana passada, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou que os estudantes de direito precisarão passar por estágio obrigatório, a ser cumprido em órgãos públicos, como o Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria. É preciso, sem dúvida, buscar soluções para as deficiências dos cursos de direito, um problema que persiste no país, sem sinais de melhora, há pelo menos uma década. Já em 2002, Carlos Miguel Aidar, então presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), escreveu artigo nesta Folha no qual dizia haver correlação entre a expansão desenfreada de vagas e a piora da instrução superior. ‘O futuro do ensino jurídico não nos parece claro ou promissor. O número de escolas é excessivo, a formação dos alunos é precária’, dizia. Naquele ano, 81% dos candidatos foram reprovados no exame da OAB-SP. O pior resultado desde a instituição da prova, em 1973. De lá para cá, o número de cursos jurídicos mais que dobrou, chegando a cerca de 1.200 em 2011. No último exame da OAB (hoje unificado em todo o país), 83% foram incapazes de acertar metade das 80 questões e passar à segunda fase. Ante desempenho tão constrangedor, não surpreende que a OAB só recomende 90 cursos de direito no Brasil, menos de 8% do total. Tudo leva a crer que o maior problema é mesmo o crescimento desabalado de faculdades. Faria melhor o MEC se atuasse com mais rigor para frear a expansão dos cursos precários e descredenciar instituições ineptas. Tais medidas teriam impacto positivo na qualidade do ensino e evitariam que jovens desperdiçassem tempo e dinheiro na busca do diploma. Iniciativas polêmicas e de eficácia duvidosa, como o direcionamento de novas escolas e o estágio obrigatório, poderiam ser postas em discussão num segundo momento. Por enquanto, tais ideias mirabolantes servirão apenas para tirar o foco da questão principal”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1247649-editorial-ensinar-direito.shtml. Acesso em 29 de abril de 2013. O recente editorial, em pese sua brevidade, acerta num ponto em concreto: sobram profissionais de direito e falta qualificação profissional, porque a imensa maioria dos cursos de direito foi autorizada sem critério e ensina precariamente.

[5] Segundo os dados do artigo “Proliferação indiscriminada”, publicado no “Jornal do Advogado da OAB/SP” (São Paulo, abril de 2013, p.17), o qual relata que, “em 1960, o Brasil possuía 69 escolas de Direito. Em 1997, esse número sobre para 270. Em 2008, já eram 1.091. Em 2013, chegamos à impressionante marca dos 1.260 cursos. (…) Há, hoje, no Brasil, mais de 730 mil advogados, existindo ao lado, aproximadamente, 1 milhão de bacharéis reprovados no exame de estado ou não submetidos a tal aferição” (grifos nossos).

[6] Onde há sociedade, há direito.

[7] Isidoro (560-636), nascido em Sevilha, por ocasião da época visigoda, foi bispo nesta cidade entre os anos 600 e 636. É um dos responsáveis pela transmissão da cultura greco-romana para a Idade Média. Sua obra Etimologias é uma espécie de enciclopédia que expressa a cosmovisão da época e foi amplamente utilizada durante a Idade Média, como pode ser comprovado pelas inúmeras referências que Tomás de Aquino dela fez ao longo de sua Suma Teológica. O título, pouco usual para os dias atuais, é explicado pelo fato de o autor medieval, ao examinar uma questão qualquer, analisar a etimologia das palavras envolvidas no problema, com o intuito de buscar informações sobre a própria realidade referida.  A obra de Isidoro compõe-se de vinte livros, cada um deles elucidando as etimologias das palavras de um determinado campo do saber: I. Gramática; II. Retórica e Dialética; III. Matemática (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia); IV. Medicina; V. As leis e os tempos; VI. Os livros e os ofícios eclesiásticos; VII. Deus, os anjos e os santos; VIII. A Igreja e outras religiões; IX. Línguas, povos, reinos, milícia, cidades e parentesco; X. Etimologia de palavras diversas; XI. O homem e os seres prodigiosos; XII. Os animais; XIII. O mundo e suas partes (elementos, mares, ventos); XIV. A terra e suas partes (Geografia); XV. As cidades, os edifícios e o campo; XVI. As pedras e os metais; XVII. A agricultura; XVIII. Guerra, espetáculos e jogos; XIX. Naves, edifícios e vestimentas; XX. Comida, bebida e utensílios.

[8] “A palavra diké, que nomeava a deusa grega da Justiça, derivava de um vocábulo significando limites às terras de um homem. Daí uma outra conotação da expressão, ligada ao próprio, à propriedade, ao que é de cada um. Donde se seguia que o direito se vinculasse também ao que é devido, ao que é exigível e à culpa. Na mesma expressão se conotam, pois, a propriedade, a pretensão e o pecado; e, na sequência, o processo, a pena e o pagamento. Assim, diké era o poder de estabelecer o equilíbrio social nesta conotação abrangente (FERRAZ JUNIOR, 1991:53)”.

Polis é uma espécie de comunidade (koinonía) e, como toda comunidade, é dotada de fins próprios. A polis é a comunidade cívica mais perfeita para a coexistência humana. Em sua etimologia, não dá margem a nenhuma ambiguidade. O transporte histórico dessa expressão e as tentativas de conjugação com os valores da modernidade acentuam os problemas de tradução adequada da palavra em foco. Nesse trabalho, o termo polis será empregado de acordo com sua semântica originária, ou seja, a de cidade-estado.

[10] Na Grécia, foi muito usual a distinção, no campo jurídico-filosófico e no seio da concretude dos problemas sociais, entre um justo legal e um justo natural, porque os gregos já tinham uma certa intuição de que a justiça deveria corresponder a uma expressão unitária e integrante dos cosmos e dos valores de convivência social. A justiça deveria ser o verdadeiro pressuposto de toda ordem jurídica no mundo espiritual da polis, onde já se percebia que um justo natural antecedia um justo legal, servindo-lhe de limite ético. É uma correlação de origem grega e, em virtude do modo de sentir e da tradição grega, por sua íntima razão e força, sempre ressurge ao longo da história e jamais foi superada. A importância do contributo grego para a noção de um justo natural decorre justamente do fato de, pela primeira vez na história, o homem ter despertado para a consciência do problema. Não houve uma proposta deliberada de composição epistêmica de critérios capazes de distinguir a juridicidade da legalidade, ou seja, o justo natural do justo legal respectivamente. Até porque, como a polis era a expressão mais alta da vida ética na Hélade e tudo convergia para a manifestação do indivíduo na vida política, de certa forma, não havia a necessidade daquela distinção científica.

[11] Platão: nas obras República, Críton, Político, Leis, Górgias e Apologia de Sócrates.

[12] Aristóteles: nas obras Política, Ética a Nicômaco, Ética a Eudemo e Retórica.

[13] “A figura que na Grécia clássica precede o jurista e contra a qual nasce a Filosofia e a promessa do Direito, é a do sofista. Em geral, o sofista é um logógrafo, vendedor de palavras, (…), embora o sentido crítico, a dúvida e a capacidade retórica dos sofistas tenham, cada uma por seu lado, constituído um progresso que viria a preparar terreno para (…) os retóricos próprio sensu, que foram imprescindíveis para a formação jurídica e, no limite, para toda a cultura ocidental durante muitos séculos (FERREIRA DA CUNHA, 2009:57)”.

[14] “O gosto dos gregos pela retórica é, para nós outros, um fenômeno algo estranho: não se cansaram de ouvir discursos, inúmeros e intermináveis, na assembleia e perante o tribunal; de discursos metrificados encheram as tragédias, e até nas obras de historiografia inseriram discursos inventados; a retórica era considerada discípula principal da educação superior, e enfim foi identificada com a própria cultura (CARPEAUX, 2008:73)”.

[15] “A pedagogia também muda completamente: heleniza-se, racionaliza-se, libertando-se do vínculo com o ‘costume’ romano arcaico e republicano, para aproximar-se cada vez mais dos grandes modelos da pedagogia helenística. Em particular, também em Roma penetra a grande categoria-princípio da pedagogia grega, aquela noção e ideal de paideia, de formação humana pela cultura, que produz uma expansão e uma sofisticação, bem /como uma universalização das características próprias do homem. A paideia de Isócrates (…) vem radicar-se também na cultura pedagógica romana, sobretudo por obra do grande mediador entre estas duas civilizações – a grega e a romana – que foi Cícero. A ele, de fato, devemos a versão latina da noção de paideia na de humanitas, que sublinha ulteriormente sua universalidade e seu caráter retórico-literário, permanecendo durante séculos no centro da reflexão educativa e da organização escolar do Ocidente (CAMBI, 1999:108-109)”.

[16] “A influência destes jurisconsultos (no ensino jurídico) manifestou-se então sob a forma dos responsa, que, mais tarde, apareceriam em uma forma escrita, em termos de uma informação sobre determinadas questões jurídicas levadas aos juristas por uma das partes, apresentadas no caso de um conflito diante do tribunal. Os responsa são, por assim dizer, o início de uma teoria jurídica entre os romanos. A princípio, eles argumentam pouco, no sentido de um desenvolvimento concatenado e lógico de premissas e conclusões, limitando-se a apoiar suas decisões pelo fato de serem afirmados por personalidades de reconhecido mérito na sociedade romana. O desenvolvimento de principia e de regulae aparece mais tarde, na medida em que o acúmulo das responsa conduz ao seu entrelaçamento, à escolha das premissas e ao fortalecimento das opiniões através de justificações. Daí, consequentemente, o recurso a instrumentos técnicos, em geral apreendidos dos gregos, que contribuem, então, com sua retórica, sua gramática, sua filosofia, etc. (…) Esta influência grega (…) nos permite, ao menos, ensaiar uma descrição deste modo de teorizar o direito, característico dos romanos. Trata-se de uma maneira de pensar que se pode denominar de jurisprudencial. A palavra jurisprudência liga-se, neste sentido, àquilo que a filosofia grega chamava de fronesis. Tal palavra era entendida, entre os gregos, como uma forma de saber. Fronesis, uma espécie de sabedoria e capacidade de julgar, na verdade consistia numa virtude desenvolvida pelo homem prudente, capaz, então, de sopesar soluções, apreciar situações e tomar decisões. Para que a fronesis se exercesse, era necessário o desenvolvimento de uma arte no trato e no confronto de opiniões, proposições e ideias que, contrapondo-se, permitiam uma explanação das situações. Esta arte ou disciplina corresponde aproximadamente àquilo que Aristóteles chamava de dialética. Dialéticos, segundo o filósofo, eram discursos somente verbais, mas suficientes para fundar um diálogo coerente – o discurso comum. (…) O pensamento prudencial desenvolvido nos responsa dos jurisconsultos romanos tinha algo de semelhante às técnicas dialéticas dos gregos (FERRAZ JUNIOR, 1991:57-58)” (negritos nossos).

[17] “Por outro lado, sabemos que os romanos não foram grandes apaixonados pelos estudos filosóficos, nem pelos pressupostos gerais da vida jurídica, atraídos de preferência pelo plano da atividade prática ou do Direito como voluntas (REALE, 1993:628)”.

[18] “Ao proceder-se à análise daqueles que no Digesto são apresentados como preceitos fundamentais do Direito: – ‘Juris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere’ (D., I, 1, 10) (…) consonante opinião dominante, esses três princípios refletiriam três grandes correntes filosófica da Grécia. ‘Não prejudicar a outrem’ traduziria a orientação epicurista de uma ordem social na qual cada homem só fosse obrigado a não prejudicar a outrem. O Direito teria por finalidade traçar os limites de ação dos indivíduos, de forma negativa, não impondo o dever de fazer algo, mas a obrigação de não causar dano. O segundo princípio: ‘viver honestamente’, seria de inspiração estóica, segundo o ideal de alcançar a felicidade com fiel subordinação à natureza, aos ditames da razão. O último dos preceitos já representaria a lição aristotélica da justiça distributiva, como proporção de homem para homem segundo seus méritos. (…) Em conclusão, pensamos que os chamados praecepta iuris não nos auxiliam a esclarecer a distinção possivelmente existente no mundo romano entre Moral e Direito, mostrando antes a alta compreensão moral que os jurisconsultos tiveram da vida jurídica (REALE, 1993:632)” (grifos nossos).

[19] Sálvio Juliano (século II d.C.), Papiniano, Paulo e Ulpiano (século III d.C.) são considerados os maiores jurisconsultos romanos.

[20] O direito de dar respostas publicamente, em virtude da autoridade do príncipe “significava privar os jurisprudentes de sua pessoal auctoritas, substituída pela do Imperador. Desse modo, os responsa jurisprudenciais que, até então, gozavam de um distinto valor em função da pessoal auctoritas do jurisprudente que os dava, ver-se-ão, agora, igualados como documentos provenientes da autoridade do Imperador que os respalda (D’Ors, 2001:230-231)”.

[21] “(…) pelo edito sobre os preços das coisas venais de 301 d.C., os ordenados dos mestres dos vários graus, como também os salários de outras profissões (…) são rigorosamente estabelecidos. Um pequeno extrato da longa lista destes preços nos dá a ideia do status social: VII. 64. Ao massagista, por cada discípulo, denários mensais 50. (…) 65. Ao pedagogo, por cada criança, denários mensais 50. (…) 72. Ao advogado ou jurisprudente, por petição, denários 250; por causa, 1.000 (MANACORDA, 2010:126)”. Conforme se depreende da leitura do aludido edito, o prestígio do profissional do ramo jurídico não era só social (grifos nossos).

[22] “Mas o estudo do direito torna os homens mais honestos, porque as leis lhes põem perante os olhos recompensas para a virtude (…). Passemos ao meu caso particular. Tu concedes-me, fazendo uma exceção em meu favor que, sem ter algum conhecimento do direito, me desembaraço bem de toda espécie de causas. Responder-te-ei, Crassus, que, de fato, jamais aprendi o direito civil, mas que também jamais, nas causas que debati perante o pretor, tive de lamentar esta lacuna da minha instrução. Uma coisa é ser um especialista no seu gênero, na sua arte, outra coisa é possuir o saber e a experiência suficientes para a vida cotidiana e ao comércio ordinário dos homens (CÍCERO, 2010:66)”. Esta passagem de Cícero dá bem conta do forte acento prático do povo romano e, sobretudo, da classe jurídica como um todo.

[23] A sobrevivência das escolas da Antiguidade no norte africano, por razões geográficas e políticas, foi de extrema importância para a história da cultura ocidental, porque, nos séculos seguintes (V ao VIII), muitos indivíduos foram formados, fizeram inúmeros manuscritos e traduções de obras clássicas, sobretudo da tradição grega, os quais foram conservados naquelas escolas, levados para as grandes cidades da Ásia Menor (como Alexandria, Beirute e Constantinopla), da Gália, da Espanha e da Itália Meridional. Graças a muitos desses manuscritos e traduções, muitos pensadores medievais tiveram acesso à essência do pensamento grego e ao legado político-jurídico romano. Por exemplo, no primeiro caso, Tomás de Aquino conseguiu estudar a filosofia aristotélica em virtude daqueles manuscritos, comentados e traduzidos por filósofos árabes da envergadura de Maimônides, Averróis e Avicena. No segundo caso, o movimento pandectista alemão do século XIX logrou êxito no estudo do Direito Romano, na fase arcaica (transição da Realeza para a República), em razão de muitos manuscritos que glosavam a legislação romana daquele período, principalmente a famosa Lei das XII Tábuas.

[24] Alcuíno nasceu em Nortúmbria no ano de 735 d.C., estudou na Escola da Catedral de York, onde entrou para a ordem beneditina. Como monge, lecionou depois na mesma instituição durante quinze anos e ali formou uma das melhores bibliotecas e um dos maiores centros de saber da Europa. Como bispo, reformou a Corte de Carlos Magno e o Clero Carolíngio. Fundou a Aula Palatina de Aix-la-Chapelle, escola em que eram ensinadas as sete artes liberais compostas pelo Trivium e o Quadrivium. Foi o responsável pela Renascença Carolíngia no cargo de conselheiro de Carlos Magno. Depois de ter se retirado da Corte, tornou-se abade na cidade de Tours, onde veio a falecer. Canonizado posteriormente, o monge Alcuíno foi alçado à condição de patrono das universidades católicas.

[25] Essa denominação (Corpo do Direito Civil) foi dada pelo romanista francês Dionísio Godofredo em 1538 à compilação legislativa feita por Justiniano e por ele promulgada em 29 de dezembro de 534 d.C., composta por quatro partes: Institutas (manual escolar), Digesto (compilação dos iura, o direito contido nas leges, as constituições imperiais), Codex (compilação das leges) e Novellae (reunião das leges promulgadas exclusivamente por Justiniano).

[26] “Não são poucos os fatores a influenciar (…) o incremento do ensino jurídico, quais sejam: a forte presença do ensino monástico, sobretudo de caráter teológico; o crescimento das cidades, com o incremento do comércio, que estimularam as demandas pelo saber e pela profissão; as cruzadas, que abriram os horizontes do mundo para a sociedade europeia (BITTAR, 2006:95)”.

[27] “Contudo, o século XII enriqueceu de forma considerável o estoque das autoridades disponíveis. Foram resgatados antigos manuscritos esquecidos. Na Itália, o conjunto do Corpus Iuris Civilis, ou seja, a codificação do Direito Romano realizada no século VI pelo imperador Justiniano, foi ‘redescoberto’ e transformou-se no objeto exclusivo do ensino jurídico. No que se refere às Artes Liberais e à Medicina destacam-se as traduções então realizadas na Espanha e na Sicília dos textos filosóficos e científicos gregos (principalmente de Aristóteles) e de seus comentários antigos, gregos ou árabes, que expandiram de forma espetacular a própria matéria do ensino (VERGER, 1996:16)”.

[28] “Foram sobretudo a Itália e a França que prepararam o movimento de fundação de instituições universitárias, seguindo modelos diferentes, mas agrupados por um rigoroso itinerário de estudos, fixado nos estatutos e submetido ao controle da corporação (CAMBI, 1999:183)”.

[29] “’Universitas’ não designa, na Idade Média, o conjunto das faculdades estabelecidas na mesma cidade, mas o conjunto das pessoas, mestres e alunos, que participam do ensino dado nessa mesma cidade. Portanto, nem sempre se tem o direito de concluir, da palavra universitas, a existência de uma universidade organizada num lugar determinado; basta que se tenha tido a necessidade de se dirigir ao conjunto de professores e estudantes residentes no mesmo lugar para que a expressão tenha sido naturalmente empregada (GILSON, 2007:483)”.

[30] O Código Teodosiano foi redigido no Oriente, por ordem do Imperador Teodósio II, e destinado a conter o texto integral de todas as constituições imperiais desde Constantino (312 d.C.). Foi publicado em 438 d.C. e sobreviveu à derrocada do Império Romano. Foi retomado em parte na Lex romana Visigothorum, exercendo uma influência indireta no Ocidente por séculos, até ser retomado pelo studium generale bolonhês.

[31] “O studium bolonhês foi especializado só no direito canônico e civil – in utroque iure – (jamais teve faculdade de teologia e a medicina foi introduzida tardiamente), mas desenvolveu também um estudo da retórica como ars dictamini (arte da escrita), pela qual se empenharam inovadores da retórica, como Buoncompagno da Signa, que valorizou o modelo ciceroniano, mas sublinhando seu caráter prático (CAMBI, 1999:184)”.

[32] Ilustração no Anexo III (GILLISEN, 1986:338).

[33] Ilustração no Anexo IV (GILLISEN, 1986:339).

[34] O “Corpo de Direito Canônico”, na verdade, era o Decretum Gratiani, o Decreto de Graciano, monge jurista e professor de teologia bolonhês. Sua vida transcorreu entre os séculos XII e XIII. É considerado o pai do direito canônico graças a sua obra Concordia discordantium canonum (Concordância das Discordâncias dos Cânones), um verdadeiro estudo científico do Direito Canônico, que permaneceu em vigor até 1917, quando foi substituída pelo Código de Direito Canônico. Com comentários ulteriores e adendos, a obra de Graciano foi incorporada à chamada Corpus Juris Canonici e tornar-se-ia rapidamente o livro-texto padrão de estudantes do Direito Canônico por toda a Europa. Suas conquistas no campo do Direito Canônico tornaram-no uma iminência da época e, junto ao prestígio de Irnério no campo do Direito Civil (MANACORDA, 2010:180-181), converteram a comuna de Bolonha no centro de excelência de estudo do Direito. Graças a ambos, após a proliferação das universidades por toda a Europa, o Direito consolidou-se, definitivamente, como uma ciência independente da retórica, difundindo-se se por todo o continente. O mérito de Graciano está em ter: deduzido, dos textos antigos, seu sentido genuíno; submetido as normas pretéritas às exigências de sua época; resolvido as controvérsias e suprido as lacunas hermenêuticas. O Decreto de Graciano é uma coleção de cerca de 3.800 textos que recolhem e sistematizam o direito canônico anterior. A obra foi estruturada em três partes: a primeira consiste nas distinciones, que trata das fontes do direito, da hierarquia eclesiástica e das disciplinas do clero; a segunda parte consiste em trinta e seis causae, cada uma dividida em quaestiones que tratam, entre vários assuntos, do processo judicial, das ordens religiosas, das heresias, do casamento e da penitência; a terceira parte, de consecratione, diz respeito aos demais sacramentos. As fontes do Decreto de Graciano foram a Bíblia, as bulas papais, a patrística, os cânones pertencentes aos concílios e sínodos de qualquer natureza. Em sua magna obra, Graciano recorreu à técnica dialética do sic et non elaborada Pedro Abelardo. Também reconheceu o valor relativo às diferenças das fontes e introduziu a ideia de jurisprudência no Direito Canônico, além de conferir a este um valor notavelmente prático e útil para sua aplicação. O nome pelo qual Graciano batizou seu trabalho sugere o objetivo que buscava: harmonizar os cânones redigidos ao longo da Alta e da Baixa Idade Média que, em muitos casos, mantinham contradições aparentemente insolúveis entre si. Nesse sentido, Graciano discute em sua obra as diversas interpretações e uma única solução proposta para cada tema. Por ter uma estrutura bastante didática e voltada para o ensino, a obra foi adotada rapidamente pelas escolas de Direito de toda a Europa, a começar pela principal delas, a de Bolonha.

[35] Anexo V (MELO, 1977:11-16).

[36] Anexo VI (BASTOS, 1998:38-40).

[37] Anexo VII (BASTOS, 1998:42).

[38]  A common law, uma espécie de direito consuetudinário, surgiu no século XII, na Inglaterra, quando toda a Europa Continental fez ressurgir o direito romano. Os ingleses foram buscar sua identidade no direito comum do reino, pouco a pouco implantado por Henrique II ou Henrique Plantageneta. Para provocar a coesão dos súditos, Henrique II utilizou o common law como marco institucional em suas relações com o povo, alçado à condição de direito do reino, em contraposição aos usos e costumes dos senhores feudais, cuja jurisdição era marcada pela parcialidade e pelos meios cruéis de coerção legal. Assim, para atrair os súditos às cortes reais, a justiça do rei buscava uma rápida e justa solução ao caso concreto. A crescente confiança alcançada pela justiça real foi o fator de unificação dos povos ingleses no reinado deste monarca.

[39] Acerca dos prolegômenos da situação do ensino jurídico nos Estados Unidos da América antes da reforma langdelliana, Rodrigues do Amaral (2007:221-228) ensina que os colonizadores britânicos, com formação essencialmente prática, influenciaram o ensino jurídico norte-americano do período pré-revolucionário até a Guerra Civil e os descendentes dos primeiros colonizadores, como herdeiros da common law, deram-lhe tratamento diferenciado, porque introduziram a ideia de uma constituição escrita (e não costumeira, como a da Inglaterra). Nesse período, a discussão acadêmica nos Estados Unidos da América compreendia a dúvida de o Direito poder ser ensinado ou não como arte e ciência. Além da noção de constituição escrita, o povo americano elaborou uma profunda revisão em seus procedimentos judiciários e atacou a common law, introduzindo um código de leis processuais editadas para a simplificação e consolidação das práticas, ações e procedimentos nas cortes judiciais. A real disputa entre os defensores da codificação e os da tradição da common law foi, na verdade, um acirrado debate sobre o eixo de gravidade do sistema jurídico: nos tribunais, mais afeitos à modernização da lei pela via da criação de novos rumos para o Direito ou nas mãos dos responsáveis pela redação dos códigos, os especialistas na “ciência do Direito”. Em comum, ambos defensores tinham pouca confiança na elaboração do Direito pelos órgãos legislativos, por temor de engessamento do progresso econômico e social, de uma forma ou de outra. Ideias germânicas influenciaram a origem dos clássicos livros de direito inglês, como o Elements of Law, o qual tratava o Direito como uma ciência a ser estudada a partir de uma coleção de princípios capazes de um agrupamento sistemático por dedução lógica consistente. O pensamento jurídico norte-americano foi influenciado ainda pela revolução industrial e pelo pensamento positivista, o qual entendia o Direito como uma arte aplicada e uma ciência prática, baseado na dicotomia entre o ensino do Direito como arte liberal aplicada à política e à relações sociais ou como assunto técnico para a formação jurídica profissional versada nos princípios, na formulação, no modus operandi e nos resultados da leis. A Guerra Civil encerrou o debate sobre a escravidão nos Estados Unidos da América e acelerou seu desenvolvimento econômico e social. Em poucas décadas, esta nação tornou-se a mais pujante economia mundial, estabelecendo consistente liderança tecnológica e acadêmica, sobretudo na expansão das escolas de Direito. Juristas transformaram-se em protagonistas dessa mudança, na exata medida do crescimento econômico interno. Mais adiante, no ensino jurídico, nunca houve um abandono da crença positivista e voluntarista do Direito como um todo orgânico, harmônico e insuscetível de controvérsia, porque a concepção científica do Direito fincou profundas raízes desde o advento da colonização americana pelos ingleses. Tais discussões pedagógicas tomaram parte nas faculdades americanas, diante do crucial papel que o desenvolvimento jurídico representava para a expansão econômica e social dos Estados Unidos da América, entendido o Direito como uma espécie de ciência da humanidade, inserida numa sociedade industrial crescentemente especializada e ávida por leis e decisões judiciais qualitativamente superiores ao período histórico que se encerrou com a eclosão e o fim da Guerra Civil. Dessa maneira, os advogados e juízes foram chamados a resolver as complexas questões jurídicas e morais, de cuja resposta dependeu todo o progresso jurídico, econômico e social daquela nação. Temas nascidos ou derivados da revolução industrial americana pautaram o cotidiano do mundo jurídico daquela época e, nesse contexto, o ensino do Direito deixou a metodologia das lectures das obras clássicas do Direito Inglês (como os Commentaries on the Laws of England, influente tratado jurídico da lavra de Sir William Blackstone) e estabeleceu mais tarde, com Langdell, outra abordagem metodológica, conhecida até hoje como o case method.

[40] A metodologia de Langdell foi fortemente inspirada pelos pressupostos epistemológicos da atenção ao caso concreto (aporte do Direito Romano), da dialética pedagógica/maiêutica (aporte da filosofia grega) e do método do debate universitário (aporte do ensino universitário medieval).

[41] Reportamos o leitor ao conteúdo da nota de rodapé nº3.