Os novos juízes


Muito se fala sobre juízes e desembargadores que atuam nas diversas fases e cidades em que a operação “Lava Jato” toma a cena judicial. Tento ler e ouvir tudo que esses julgadores têm produzido a título de decisão, seja singular ou colegiada. É uma nova onda de profissionais que destoa completamente da postura de muitos ministros do STF, dados ao protagonismo cênico nas inúmeras “sessões da tarde” a que já assistimos.

Não há competição pessoal ou ideológica entre os membros dessa nova geração judicial. Nem louvores recíprocos e cada um é si próprio. Não há troca de críticas veladas ou exercício de claque desnecessária. Não existe exibicionismo e nem pedantismo intelectual ou mesmo bacharelismo rococó. Esses novos julgadores não se valem de doutrinas exóticas plantadas e regadas no além mar. Não existe remissão constante a autores ou abstrações estrangeiras.

Contudo, essa onda não é recente. A nova geração de julgadores, em sua maioria já com duas décadas de carreira dedicada ao serviço público, têm se comportado assim há tempos, com a diferença de que, agora, os holofotes da mídia fecham seu foco sobre eles, em razão da qualidade dos réus que frequentam seus processos, notavelmente marcados pelo desfile no capítulo do Código Penal destinado aos crimes contra a administração pública.

O cidadão fica encantado com a performance desses novos profissionais, porque, em regra, a única experiência judicial que ele teve foi uma audiência de conciliação pré-processual que terminou na composição do litígio ou uma sessão de julgamento do STF assistida pela metade com direito a bate-boca entre ministros. A nova geração de juízes, aprovada na meritocracia do concurso público de provas e títulos, preocupa-se em analisar fatos e dar o direito de cada um.

Os novos juízes, forjados no árido cotidiano forense, estão focados em resolver a lide e não em fazer masturbação intelectual com teses alienígenas no bojo da sentença. São melhores julgadores, pois proferem sentenças diretas, nas quais escrevem o necessário e, ao final, prudentemente entregam aos litigantes aquilo que foram buscar: a solução do conflito e não seu tensionamento.

Os novos juízes foram submetidos, sob lento e constante calor, no cadinho da sapiência judicial: decidiram, desde o primeiro dia da carreira, todos os tipos de casos, problemas pessoais e coletivos, ações de alimento e de improbidade, crimes e divórcios e isso os destilou, como um vinho de guarda, para uma ampla gama de conhecimento sobre a beleza e a tragédia do homem e para o fardo e a responsabilidade de se decidir sobre a vida alheia.

Os novos juízes, finalmente, atraíram o foco da mídia, usualmente antenada nas cortes superiores, cuja composição é feita a partir da indicação política do presidente, para quem a reputação ilibada e o notório saber jurídico, não raro, são substituídos pelo puro e espúrio apadrinhamento político. Logo, foi notada a profunda diferença de mundivisão jurídica havida entre aqueles que entraram pela porta da frente e aqueles que optaram pela entrada lateral do Poder Judiciário.

Os novos juízes, em sua maioria, não se deixam contaminar por vertentes ideológicas, interesses políticos e econômicos, nem se abalam com insinuações midiáticas ou querem a todo custo angariar o beneplácito da mídia, porque têm, em alto grau de consciência, o sentido de fazer honrar sua toga e de, a partir do ordenamento jurídico, colaborar, modesta e silenciosamente, para o alcance de uma ordem social justa.

Nesse louvável afã, pouco importam a condição econômica ou o poderio político do réu: a lei é para todos. Seja o presidente. Seja o servente. Platão, na boca de Sócrates, já nos recordava que o juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo a lei. A demagogia nunca caiu bem para a toga. É esse o abismo que separa o sentir jurídico dos novos juízes das posturas de muitos dos ministros do STF nos julgamentos que envolvem, como réus, os altos escalões de nossa combalida política tupiniquim.

Os novos juízes, sobretudo aqueles que conduzem os destinos da operação “Lava Jato”, seguem cumprindo seu papel constitucional e social, mesmo que isso incomode os donos do poder em confronto com a lei. Urge, cada vez mais, trazer à tona a atuação dos novos juízes, a fim de que o cidadão, destinatário de nossa jurisdição, tenha a exata noção da realidade decisória de uma nova magistratura que, sendo a verdadeira, pede passagem. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes. Ph.D., é juiz de direito, professor-pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 18/04/2018, Página A-2, Opinião.