Obrigado, Janaína!

Opinião Pública | 11/05/2016 | | IFE CAMPINAS

image_pdfimage_print
Share Button

Assisti à sessão defesa do impedimento da presidente pelos signatários desse documento histórico. Confesso que estar ali, diante daquela transmissão ao vivo, fez-me recordar do tempo em que Janaína, como eu e muitos outros, éramos apenas estudantes nas bancadas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e sonhávamos com um País melhor, embora soubéssemos, sem rompantes jacobinos, que isso não se daria da noite para o dia e nem com apelo à violência sectária.

O espírito quase bicentenário do Largo já nos indicava esse caminho. Afinal, ali sempre foi o território livre das ideias e dos ideais: havia espaço para todos, inclusive, em nossa época, para um grupo político chamado Jihad Islâmica, o qual, para nosso alívio, nunca pretendeu aplicar a sharia, embora pregasse o prêmio das setenta e duas virgens celestiais para quem morresse pela causa.

Naquele ambiente, vivíamos a experiência dos “caras-pintadas”. Acho que foram vários dias enforcados de aula em prol de uma causa maior. Enfim, aluno do Largo, como reza o cancioneiro, “deixa a folha dobrada, enquanto se vai morrer”. Nesse período conturbado (até então) de nossa história política, acabei conhecendo a Janaína.
Como calouros, participávamos de uma comissão informal, junto ao Centro Acadêmico XI de Agosto, responsável pela organização dos preparativos para as passeatas do impeachment. Depois, anos mais tarde, compusemos uma chapa e fomos eleitos para assumir o mesmo órgão estudantil. Via ali uma mulher que falava o que pensava pelas notas do coração, sem palavrórios ou neologismos politicamente corretos.
Aliás, a realidade das coisas sempre agradece a essas pessoas. Afinal, o problema das palavras vem desde Crátilo, a primeira grande obra de filosofia da linguagem, na qual Platão discute a questão da justiça dos nomes. Hoje, não só a realidade ontológica, mas a realidade política também agradece a Janaína e à justiça com que deu nome aos bois da presidente: fraude fiscal bilionária, decretos orçamentários ilegais e corrupção consentida na petrolífera brasileira.
Desde o início, Janaína tem sido irretocável em sua defesa do impedimento. Não há inconsistências, incoerências ou mesmo falta de convicção em suas palavras. Sua clareza é solar e, por isso, ofusca a argumentação contrária, a ponto de seus opositores manejarem o recurso da zombaria verbal: indício de puro sofismo, má-fé ou mesmo, em casos mais patológicos, indolência mental.
Sem falar na maledicência pura e explícita de justapô-la como uma alienada, em razão de sua oratória inflamada de amor à nossa pátria e de apontamento dos “crimes que sobram” na atuação da presidente. Fico a me perguntar se aqueles que a rotulam de louca, ao mesmo tempo em que avocam o monopólio da virtude, não mereceriam o mesmo desfecho, como medida existencial profilática, do doutor Simão Bacamarte. Nada como a sabedoria machadiana.
Neste ano, em que nossa turma do Largo comemora vinte anos de formatura, estou convicto de que Janaína trouxe nosso maior presente, desde já, agradecido. E qual foi? Janaína andou a descortinar “auroras e lembranças/ sem jamais desfazer sonhos e esperanças”. Pergunto, Janaína: “Somente teu olhar está mais lasso?/ Mas nele quantas vezes tu descansas?/ É o amor à verdade que nunca renasce escasso/ Qual nos idos de tuas múltiplas andanças?”.
Cresci ouvindo de meu pai, um historiador nativista, que “um dia, meu filho, a história do Brasil começará a pedir a conta de sua geração”. Esses dizeres sempre ressoaram aos meus ouvidos, como uma espécie de Catão, o famoso censor romano. Essa conta chegou.
Doravante, vou agir para continuar fazendo minha parte, a exemplo, no mundo jurídico, de inúmeras outras “Janaínas” – e também de outros “Moros” – e, assim, juntos, quem sabe, entraremos para a história como uma geração de bacharéis do Direito que, ao avesso de nossa tradição acadêmica, não deu um “pindura” nessa conta.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)