Novelas e comportamento


Há vários anos, discutia com um amigo a respeito da influência negativa que as novelas teriam sobre o comportamento. Segundo ele, tudo dependeria do receptor e não do transmissor. Qualquer que fosse o conteúdo, este só teria influência caso o receptor o permitisse. À época, meu amigo era jovem e hoje talvez tenha mudado de opinião.

O fato, porém, é que muitos acreditam nesta tese: a de que o conteúdo recebido pela televisão (ou por outros meios, como o cinema, a música, os videogames etc.) não teria influência sobre o comportamento humano, mas, antes, que o conteúdo recebido teria influência na medida em que o sujeito o permitisse. Em parte isso é verdade – e só parcialmente.

Pela nossa própria constituição cognitiva, assim como pela formação que recebemos, é inevitável não haver algum filtro acerca daquilo que recebemos através do que vimos e ouvimos. Muitas vezes, esse filtro pode ser percebido quando vemos ou ouvimos alguma ideia com a qual não concordamos; outras tantas vezes, quando alguma coisa mexe com nosso senso moral, isto é, quando percebemos que aquilo que estamos vendo ou ouvindo tem algo de errado. Portanto, de fato podemos exercer algum controle sobre aquilo que recebemos pela TV ou por intermédio de outros meios.

Voltando agora a nosso ponto, um caso concreto para ilustrar como telenovelas influenciam o comportamento são as novelas da Rede Globo. Estão nas telas de milhares de pessoas ao longo do País e milhares têm o hábito de acompanhá-las.

Essas, por sua vez, por mostrarem coisas que acontecem de algum modo na vida humana, tornam-se exemplos de condutas e idéias para o espectador, fornecendo como que um padrão de como as coisas seriam ou deveriam ser. No entanto, o que transmitem muitas vezes não é propriamente o padrão do cotidiano da vida humana.

Então temos aqui dois problemas. O primeiro é ver se elas influenciam o comportamento. O segundo são os males que elas podem causar por transmitirem, ao menos de certa forma, algo como normal quando assim não é.

Com relação ao primeiro, pode-se citar uma entrevista que o economista Alberto Chong deu à revista “Época” em 2009, falando de duas pesquisas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e coordenadas por ele. O título da entrevista é “Alberto Chong – As telenovelas moldaram o Brasil”. Resumidamente, antes das telenovelas, em particular da Rede Globo, as famílias eram maiores e o divórcio não era legalmente aprovado no Brasil. Com as telenovelas, onde o sinal da Globo chegou houve uma redução significativa na fertilidade, assim como um aumento do divórcio.

Tanto o modelo de família com poucos filhos, assim como o divórcio, eram elementos trazidos pelas novelas. Com isso, pôde-se notar que elas foram moldando as famílias ao longo das décadas que precederam a pesquisa, em pelo menos dois aspectos: menos filhos e mais divórcios, que foram os itens das duas referidas pesquisas. Por outro lado, além desses dois itens, sabemos por experiência própria que vários dos temas trazidos pelas novelas acabam se transformando em realidades individuais e sociais, notadamente os polêmicos. Novelas, portanto, influenciam o comportamento.

E daqui vamos ao nosso último problema, que se refere aos males que essas novelas podem trazer. Uma vez que possuem influência, com o poder de moldar a sociedade com temas polêmicos que ferem a moral do povo, pode-se observar que muitas novelas parecem ser fonte de distorção da nossa realidade concreta e de valores que fomentam desagregação individual e social. Repare o leitor que nelas sempre há intrigas e tensões, quase que ao longo de todo um capítulo; o mesmo se pode dizer das mentiras, falsidades, ironias e arrogâncias afetadas; além disso, traições e assassínios; entre outros – tudo isso como se fosse moeda corrente na vida das pessoas e na intensidade com que tais coisas são apresentadas.

Agora me pergunto: quantas pessoas e famílias foram negativamente mudadas e sofreram em virtude de uma suposta sabedoria de “engenheiros sociais” das telenovelas? E os indivíduos e as famílias: vão deixar se moldar por aqueles que quase não conhecem e que querem fazê-los mudar para algo que talvez nem saibam o que é? Não seria melhor usar a liberdade e escolher o que se conhece e que é bom?

João Toniolo é mestre e doutorando em Filosofia e membro do IFE Campinas. E-mail: joaotoniolo@ife.org.br.

Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular, Edição de 24 de Abril de 2019, Página A2 – Opinião