Imbecilização coletiva


Há um tempo atrás entrei na sala como todos os dias para dar minha aula de História. Naquela ocasião se tratava de uma sala de 9º Ano, com alunos na média de 13 ou 14 anos de idade. O tema era Revolução Industrial, algo corriqueiro, mas naquele dia saí dali espantado com a geração que estamos formando.

Para dinamizar a exposição preparei alguns slides, passei um resumo básico na lousa e depois fiz uma edição de um filme que retratava a realidade sofrida dos operários ingleses do século XVIII. Assim que a exibição começou, logo de início ouvi risos aqui e ali. Pensei – como é típico do raciocínio de professor – que se tratava de alguma brincadeira ou uso de celular, que é proibido em sala de aula. Chamei a atenção da turma; a exibição seguia e com ela, não mais risos e sim gargalhadas. Foi então que notei que não estavam desatentos como eu pensei, mas rindo da exploração de crianças, chamando os operários de idiotas, torcendo para que os encarregados castigassem os operários, numa palavra, vibravam sadicamente com o sofrimento de seres humanos.

Julgando que isso podia ser fruto da imaturidade da idade, parei o filme e expliquei novamente seu conteúdo enriquecendo com mais detalhes, imaginando que isso mudaria essa visão equivocada, mas o único equivocado era eu mesmo. Os risos e brincadeiras continuaram. O documentário falava sobre o abuso sexual de mulheres e ainda assim, as próprias meninas brincavam com isso como se nada fosse. Parei outra vez e lhes perguntei sobre o que achariam de viver naquela época e ter sua mãe e irmãs abusadas… Uns se calaram, outros disfarçavam um sorriso quase incontrolável e ainda outros ousaram brincar dizendo que as coisas são assim mesmo.

Espantado com tamanha frieza, tentei terminar minha aula já pensando no que poderia fazer para ajudar esses jovens a ver as coisas de outro modo, foi quando o maior espanto me sobreveio. O documentário mostrava um cavalo já exausto pelo excesso de trabalho ser amarrado e descido de cabeça para baixo numa mina de carvão, a fim de ajudar no trabalho debaixo da terra. A verem esta cena começou um burburinho tremendo em defesa do cavalo, dos “direitos dos animais”, da injustiça contra um ser irracional indefeso etc. É óbvio que maltratar qualquer ser vivo é algo absurdo, no entanto, para um animal meus alunos demonstravam toda compaixão, mas para um ser humano, racional, digno, semelhante a eles mesmos, só demonstrações de escárnio e desprezo e nenhum sentimento de solidariedade. Como entender essa lógica?

Sempre há um conflito natural entre gerações diferentes, mas neste caso é algo mais profundo: a praga que lhes corrói sem que o percebam é o “politicamente correto”, as muitas ideologias que os assediam, a inércia espiritual em que vivem, o vazio de valores e normas. Estamos criando uma geração de bárbaros, incapazes de piedade e compaixão, vazios, sem rumo e sem sentido para as coisas. Isso se reflete na preguiça desta geração não só para o estudo, mas também em tudo o que exija esforço. Nem todos são assim, isso é verdade, mas a maioria parece se conformar a esse modelo desordenado de ser humano. O presente caso ocorreu no interior de um renomado colégio particular. Também leciono em escola pública e o comportamento não é diferente. A solução, nesse caso, vem mais de casa do que da escola. Os valores recebidos pela família é que farão a devida diferença e aí surge outro problema: muitas políticas públicas, leis, ong’s e tantas outras realidades trabalham ferozmente em prol da destruição da família. O resultado é a facilidade de imbecilizar alunos com um potencial humano e intelectual tão grandes. Destruir a família destrói não só a instituição familiar em si mesma, mas todas as demais instituições dependentes dela, inclusive a escola e a própria sociedade.

Luiz Raphael Tonon é professor de História e Filosofia, gestor do Núcleo de Teologia do IFE Campinas e leigo consagrado da comunidade Católica Pantokrator (raphael.tonon@ife.org.br).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 22/7/2015, Página A-2, Opinião.