Filosofia numa hora dessas?

Opinião Pública | 08/04/2015 | | IFE CAMPINAS

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Numa recente palestra para alunos de um curso de direito, ao final, um deles perguntou-me acerca da utilidade da disciplina de filosofia do direito na formação discente. A julgar pelo espanto com que fazia a indagação, parecia não ser muito presente nas aulas. Eu apenas respondi que, para uma geração que dá muito valor a um corpo sarado, não deve ser muito interessante ter uma mente sarada. Afinal, é mais fácil fazer flexões a ter reflexões.

A hesitação de nosso estudante é um retrato da realidade pedagógica da escola de direito: os alunos, realmente, não conseguem estabelecer uma relação orgânica entre as aulas de filosofia do direito e as demais disciplinas da grade curricular. Dá um nó na cabeça do sujeito. Ele já pertence a uma geração que nem reflete e nem questiona. Depois, a dinâmica posta pelo professor na aula costuma ser em velocidade lenta e progressivamente estática. Resumo da ópera: o aluno prefere memorizar o conteúdo do manual ou da lousa e reproduzir tudo na avaliação. É o chamado “direito certificatório”: a prova serve apenas para “certificar” se o aluno decorou tudo corretamente.

Some-se, ao menosprezo filosófico de nosso aluno, outras práticas bem arraigadas no cotidiano do ambiente pedagógico jurídico: o bacharelismo, a linguagem empolada, a relação verticalizada entre professor e aluno, o método pedagógico autodidata, a carência de pesquisa científica, a academia como uma linha de produção fordista-taylorista de autoridades legais, a sala de aula como o local de produção, no corpo discente, da imagem especular do professor, a unilateralidade de verdade docente, o uso e abuso do argumento de autoridade e o desconhecimento de métodos pedagógicos de aprendizagem.

A pedagogia letárgica no ensino de filosofia do direito, inserida nesse retrato maior da realidade universitária jurídica, faz com que sua importância formativa seja mínima ou mesmo nula. O problema está no fato que a formação acadêmica jurídica, na qual a filosofia tem um papel crucial, não só interessa à sociedade, como é fundamental à própria experiência da mesma sociedade com o direito. Afinal, aquilo que a sociedade poderá vir a ter como direito repousará nas consciências dos profissionais desse ramo.

A filosofia, por si só, não cuida só daquilo que é – a teoria – mas também da sede de justiça – que, no direito, corresponde ao justo concreto – e, finalmente, do amor à sabedoria – o conhecimento integral, crítico e total de uma dada realidade, como o homem ou a família. É uma aventura que ajuda a viver, torna mais fácil a compreensão das coisas, estimula uma sadia aceitação das diferenças, proporciona a assimilação do real, abre-nos ao transcendente e nos dá uma pausa aliviadora na velocidade frenética de nossos dias.

Precisamos, cada vez mais, de pessoas dadas a questionar e refletir. De filósofos, no sentido mais puro de amigos da sabedoria. Vivemos excessivamente cercados de um utilitarismo hedonista e de uma racionalidade instrumental que nos sufoca, ao ponto de pretendermos buscar um “equilíbrio vital” pelo mergulho de cabeça em outros excessos: trabalho, álcool, drogas, sexo, comida, jogos e outros tantos que só produzem, na conta final, depressão e angústia existencial.

Então, por que não dar o devido valor à filosofia quando entrelaçada, intelectualmente, com o direito? Continua a não servir para nada? Mas “servir para nada” é uma postura pragmatista que, mesmo bem tosca, é, em sua essência, um postulado filosófico. O sujeito, sem sabê-lo, está a filosofar, porque sua crítica é fundada num argumento filosófico. Como consequência, sugiro, ao professor de filosofia do direito, um roteiro de estudos que torne mais atraente o caminho para a intimidade com a disciplina. Que vá além de uma disciplina e que permita ao aluno conhecer a si mesmo e a realidade que o cerca.

E, ao aluno, deixo a seguinte indagação, para oportuna reflexão: por ser uma realidade exclusiva do homem, o direito não possibilitaria ao homem tanto a degradação ao sub-humano quanto à sublimação ao super-humano, tanto menos ou mais se valesse da filosofia respectivamente? Só não vale retrucar com respostas prontas de cartilha e nem contar com a opção da múltipla escolha. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 08.04.2015, Página A2, Opinião.