Ética das virtudes

Opinião Pública | 30/09/2015 | | IFE CAMPINAS

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Na última palestra em que participei, cujo tema foi sobre ética e direito, afirmei que a ética deveria incitar o cultivo das virtudes e que diferentes sociedades enfatizam diferentes virtudes. Nossa sociedade expressa muita admiração pelos traços de caráter que conduzem ao sucesso em atividades empreendedoras, depois de um indivíduo ter assumido riscos e competido vigorosamente contra outros ou contra si mesmo.

Também saudamos esses traços nos esportistas de destaque. Atualmente, louvamos a afetuosidade social e familiar. Muitas religiões enfatizam a humildade e a caridade e muitos sistemas educacionais dão um enorme valor à formação do caráter do aluno tanto quanto seu saber formal.

Virtude provém do latim virtus e significa excelência, ou seja, ter uma disposição da vontade para agir bem que, com sua repetição, forma um padrão de caráter na pessoa. Juvenal, poeta estóico romano, dizia, em suas sátiras, ao povo da urbe, que a única e verdadeira nobreza é a virtude. Por isso, trata-se de uma tarefa social relevante: incentivar um convívio social pautado pela valorização das virtudes é tarefa de primeira grandeza para os homens. O aprimoramento de si leva ao aprimoramento das relações com o outro.

Nosso admirável mundo novo desgarra-se dessa perspectiva. Marginaliza a ética ao dispô-la como uma espécie de subcampo dos subsistemas sociais. Endeusa a técnica, ao entronizá-la como senhora e dona da organização da vida social. Assim, a vida moderna valoriza o presente, mas nos enreda num ambiente de ansiedade pelo amanhã; impõe o viver o agora a todo custo e, com isso, dirige-nos a excessos de todos os tipos, sem espaço para a sobriedade; cultiva o ter e impregna o mundo de mensagens diretas e nauseantes de imediatismo e consumismo; difunde o utilitarismo social, a ocupar a agenda das ações, sempre com seus cálculos estratégicos, e estimula o hedonismo, tornando heroico aquilo que sempre foi visto como vício, num ambiente de vale-tudo na espiral de busca de sensações.

Diante desse quadro nada animador, é natural que surja um certo abatimento na busca de um orientação cardeal para a vida de cada um, cujo efeito será o de obscurecer o horizonte da ação social. A modernidade desenfreada pode ser ela mesma uma espécie de rolo compressor da humanidade que a sustenta.

Não pretendo aqui dispor sobre esta ou aquela virtude, mas resgatar uma excelência bem antiga, ensinada nas primeiras lições dos bancos das escolas de direito e, não por isso, caduca pelo desuso: faça aos outros como gostaria que fizessem com você.

Essa articulação é bem adequada para um viver social, porque, afinal, ninguém é um eremita. Ela afina nossa relação para com o outro, pois salienta a reciprocidade e a mutualidade sem situar a própria individualidade no centro das preocupações éticas. Vê a si mesma como outrem e o outro como um indivíduo. Reconhece que o outro é um agente autônomo e que pode ser o destinatário de nossas ações.

Isso envolve vermos a nós mesmos mais à luz de nossa realidade e não somente sob o ângulo de nossos interesses. Acabamos por nos ver como um nó da trama formada pelo sistema de relacionamentos formais, nos quais a cada um deve ser dado o devido. Muda-se, então, a identidade e, como efeito, nosso discurso, que passa a ser pautado pelos eixos da justiça e pelo respeito à dignidade do outro.

Aqui paira uma espécie de divisor de águas nas relações entre os indivíduos de uma sociedade. Nesse afã de se fazer o outro no agir social, podemos abraçar a beleza ou afundar na tragédia. Não é à toa que o teatro clássico grego exprime, nos planos dramático e literário, os traços essenciais da questão ética. Mostra com toda a nitidez os dilemas e as contradições nas quais se envolvem os seres humanos, inseridos em conflitos que os impelem para a ação.

Agir é perigoso, mas agir é preciso, pois a ação exprime, em sua essência, a vida. E quanto mais virtuoso for o agir, mais vida dele brotará. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 29/9/2015, Página A-2, Opinião.