Educação que não educa


O tema da educação é tão recorrente e desgastado que muita gente nem discute mais a questão. Fala-se muito, mas pouca diferença se percebe na prática. A grande praga da educação brasileira, sem generalizações apressadas, são os especialistas em educação.

O “especialismo” é um grande mal no sentido de que o “educador” de gabinete considera sua área de conhecimento como o único problema relevante e merecedor de toda atenção da sociedade. Clemenceau já dizia, referindo-se ao especialismo do exército francês que “a guerra é coisa séria demais para ficar nas mãos dos generais”. A receita pronta e a solução fácil acabam validando pareceres que só podem ser aplicados na própria mente de quem os concebeu. Educadores de gabinete que sequer conhecem a realidade de escolas públicas são os que “legislam” a partir de seus artigos, opiniões e suposições que só podem gerar riso nos professores que estão no front diário de batalha nas salas de aula.

Uma dessas “excelências” em educação, há anos atrás apregoava a luta de classes latente na educação brasileira, bradando com todos os argumentos que os professores eram explorados pelo abstrato “sistema” e que precisavam ser libertos disso. O pretenso educador-profeta elaborou sua teoria, desconhecendo certamente o cotidiano de uma sala de aula e arvorando-se em denunciador da “luta de classes”, só provocou um fardo absurdo que ajudou a remodelar a educação brasileira retirando a autoridade da escola e do professor, destruindo qualquer noção de meritocracia através da “política de não-reprovação”. A tal “libertação” das famigeradas estruturas de “exploração” burguesa não veio, provando que não há maior exploração do que impor a outros o que pessoalmente não se quer assumir. Vale aqui o princípio cristão de somente fazer ao outro o que se deseja para si.

A solução de qualquer tipo de problema só pode chegar a bom termo a partir da diversificação de visões sobre um mesmo assunto. É louvável que um profissional valorize sua formação, mas jamais deve fazê-lo perdendo a visão de conjunto. Quem não é especialista, muitas vezes consegue ter uma visão mais lúcida da realidade, daí a importância em se adquirir e cultivar certa erudição e uma visão mais eclética das coisas, fornecendo sempre mais elementos para um juízo claro sobre a realidade.

O político grego, atento aos problemas da polis conseguia ter uma visão de conjunto que o capacitava a eleger prioridades de modo prático. São Bento de Núrsia grande herdeiro e difusor da cultura greco-romana na época da decadência do Império Romano, estabelece um princípio claro e objetivo para a gestão: na eleição de um abade, se tivessem como candidatos um monge santo, um erudito e um prático, deveriam optar pelo prático, pois ao santo cabe rezar; ao erudito cabe estudar e difundir o que sabe e ao prático, por ter visão objetiva das coisas, cabe governar. Aqui está um princípio básico de gestão criado no século V e que hoje ainda conserva sua validade e efetividade.

Portanto, soluções prontas e demasiadamente plásticas devem suscitar desconfiança por carecerem de embasamento na realidade. Pode ocorrer que tenham um embasamento virtual construído sobre pressupostos teóricos e amplamente louvados como as “pedagogias do amor ou do oprimido” que melífluamente resolvem tudo com base no cuidado individual e na construção do saber a partir da “realidade do educando”, ignorando, no entanto que isso não corresponde à realidade das salas de aula atuais. Simplesmente tais teses não são aplicáveis e só conquistaram o grande mérito de tentar extinguir o que havia de bom e de funcional na educação tradicional e substituí-los por práticas equivocadas e que não deram nem um terço dos frutos esperados. Temos um modelo de educação que simplesmente não educa.

 

Luiz Raphael Tonon é professor de História e Filosofia e gestor do Núcleo de Teologia do IFE Campinas (raphael.tonon@ife.org.br).

Artigo publicado no jornal Correio Popular, 15 de maio de 2015, Página A2 – Opinião.