Educação ou Barbárie?

Sem Categoria | 20/12/2014 | |

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Manifestacao-2013-SP-Marcelo Camargo-ABr-Agência Brasil

Crédito da foto: Marcelo Camargo/ABr – Agência Brasil

 

As manifestações populares de junho e julho do ano passado, sucedidas do vandalismo gratuito e niilista do movimento black blocs, levam-nos a inúmeras conclusões acerca do estado das coisas. Fomos habituados, em nossa formação ocidental, com uns laivos de hybris grega, a procurar a culpa. Então, cada um que faça seu exame de consciência.

Nossas sociedades pluralistas, sendo as melhores que a humanidade já produziu até hoje, têm errado em dois terrenos, aliás conexos, por uma espécie de demissão do Estado, preocupantemente economicista, e pela omissão social, crescentemente alienadora e desencadeadora de uma visão pragmática e utilitarista.

O primeiro equívoco é a incapacidade de integração social. Apesar das tentativas, ainda não conseguimos uma sucedida fórmula de integração de todos os estamentos sociais e muitas minorias têm sido excluídas do acesso aos efeitos positivos da globalização política, econômica e cultural. Tais minorias sofrem de uma espécie de morte civil antes de se alcançar a cidadania: terminam sua existência pobres e alheados de saber e de poder. Tão ou mais importante que a redistribuição da riqueza estão a redistribuição da cultura, da educação e da participação política.

O segundo equívoco reside na falência cultural e educacional. Na esfera pública e mesmo na privada, ainda não adotamos um modelo educativo capaz de criar cidadãos conscientes e politicamente atuantes, além de culturalmente formados. Do contrário, haveria bem menos processos sociais alienantes na realidade humana: desemprego, desencanto, drogas e violência.

Temos a sensação, sobretudo no ensino superior, de que a educação – e, mais agudamente em minha área, a educação jurídica – serve para muito pouco. Então, logo aparece um economista ou um burocrata para dizer que a educação é muito cara: sem dúvida, é cara para quem a alcança e para as portas que ela abre para quem se tornou educado, o que não quer dizer que não se deva gastar bem, ainda mais se for para conseguir mais e melhor.

Mas muitos economistas e quase todos os burocratas esquecem-se de um dado muito “caro”: o fenômeno educativo decorre do fato de que o ser humano surge para a vida numa situação de desamparo e, por isso, está necessariamente referido a outro. Existem seres vivos que são autônomos desde os primeiros momentos de sua existência, o que pode ser observado fartamente na natureza animal. Ao contrário, um ser humano recém-nascido demanda uma série de cuidados para poder sobreviver e levar adiante seu próprio desenvolvimento até a maturidade.

Surge assim uma relação entre uma nova vida, que ainda não tem a consciência de sua própria existência, e uma outra em andamento, representada pelos pais, educadores, mestres e docentes, cuja função é a de facilitar o advento das capacidades que resultem necessárias das circunstâncias vitais e históricas, as quais estão delimitadas por um arco de tempo que, normalmente, encerra-se no momento em que aquela nova vida alcança sua independência existencial.

Quando essa dimensão é menosprezada, o resultado, somado a outros fatores, é a sensação social de perda, em muitos campos, da noção de proporção ou de limites: mata-se por nada, cobra-se por algo que não se provocou, ignora-se quando deveria acolher-se e consome-se o supérfluo ao invés do necessário ou do útil. Em outras palavras, os bárbaros modernos já estão aí: mas fomos nós que os criamos e os deixamos proliferar. Nós já fomos educados e adquirimos as excelências que nos tornam responsáveis pelos destinos da cidade. Em suma, crescemos. Mas, muitas vezes, tenho a impressão de que, na prática, desaparecemos.

André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito, mestre em Filosofia e História da Educação, Pesquisador, Professor do IICS-CEU Escola de Direito, membro da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB/SP e da Associação de Direito da Família e das Sucessões (ADFAS) e coordenador do IFE CAMPINAS (agfernandes@tjsp.jus.br).