De quem é a culpa?


Conta-se que certa vez o jornal London Times pediu a alguns escritores responderem à pergunta “O que há de erra- do com o mundo?” G.K. Chesterton, escritor, filósofo, jornalista (e tantas outras coisas) enviou a resposta mais sucinta que o jornal teria recebido: “Prezados Senhores: Eu. Atenciosamente, G.K. Chesterton”. Desde que começaram as manifestações no País em tempos recentes, pus-me a meditar sobre alguns chavões que ouvia aqui e acolá, num jornal, na televisão, na boca de um manifestante, de outro, de um grupo etc. Um chavão que me chamou a atenção foi este: percebi que muitos colocavam a culpa no Estado, num determinado partido político, em um grupo social, mas não ouvi da boca de ninguém — mesmo tendo levantado mui- tas informações de fonte primária — algo como: “Eu também sou responsável por aquilo que se passa em meu País.” A culpa era sempre do outro.

Mas as coisas não param por aqui. Percebi que esse costume de sempre colocar a responsabilidade nas costas de outrem não se limitava a esse episódio recente da história do Brasil, mas aparecia em diversos setores da sociedade brasileira,como comércio, em- presas, indústria, universidades, escolas e praças. Parece- me que onde quer que se vá sempre se encontra na boca do brasileiro o seguinte: “nosso País é corrupto” ou “nosso governo é corrupto” ou “aquele grupo é corrupto”. Claro que não quero tirar a responsabilidade real — que de fato existe — de pessoas que formam um governo, um partido, uma organização. É verdadeiro dizer que o Estado é corrupto em muitas de suas esferas e precisa ser punido por isso, efetivamente. Mas o problema está em descarregar toda responsabilidade nesse mesmo Estado, esquecendo que ele é formado de pessoas singulares, concretas, e que nasceram em nossa própria sociedade, sejam eles os de origem simples, sejam aqueles de origem nobre (riqueza).

Dentre os governantes e representantes, vemos corrupção nos de origem simples, média e rica. Claro também que se pode atribuir ao Estado a culpa de corromper aqueles que nele entram, dado o grau de institucionalização da corrupção, e isso daria outro artigo. Mas o que aqui quero chamar a atenção é que a corrupção não se limita ao Estado, a organizações etc. Ela está em toda a sociedade, mesmo porque são homens da sociedade que for- mamo Estado. Em última análise, é o homem quem criou as instituições, os sistemas econômicos e tudo quanto o que a sociedade possui. Nesse sentido, se olharmos com atenção, muitos daqueles que nas manifestações estavam dizendo que o Estado é corrupto são aqueles que, em seu dia a dia, tentam levar vantagem em uma situação aqui e ali, tentam tirar uma casquinha, esconder umas coisinhas para ninguém ver, violar algo discretamente e por aí vai.

Dizem que um outro é corrupto, mas não admitem que eles mesmos o são de algum modo em seu dia a dia. Como a base da sociedade são os homens, e vemos que muitos no Brasil são assim como descrevi no parágrafo anterior, isto é, são de algum mo- do corruptos em seu dia a dia, penso que devemos parar para pensar em nossa própria responsabilidade dentro da sociedade em que vivemos.

Eu, que culpo o Estado, aquele grupo e outros de corruptos, será que não contribuo para que esse Estado e essa sociedade continuem corruptos como estão com meus pensamentos, ações e/ou omissões? E aqui entramos no cerne da questão:não basta que as instituições mudem para que uma sociedade melhore ou deixe de ser corrupta. (Prova disso são os regimes totalitários do século XX que fizeram revoluções e cujo resultado mais notável foi a morte de milhares de inocentes.) É necessário que a mudança comece na base da sociedade, que é o homem e, mais do que isso, no mais íntimo dessa base, o coração do homem. Muitos de nós sabemos que é dos pensamentos e, sobretudo do coração que vêm as maquinações, os esquemas, as trapaças e até as pequenas corrupções. Nesse sentido, enquanto cada um não procurar mudar seu próprio coração, que é onde tudo começa, penso que não podemos esperar uma melhora ética efetiva em nossa sociedade. O que há de errado com o Brasil e com o mundo? Prezado leitor: eu.

■■ João Toniolo é mestrando em Filosofia e gestor do Núcleo de Filosofia do IFE Campinas.

Publicado no jornal Correio Popular, dia 24 de setembro de 2013, Página A2 – Opinião.