Corrupção, crime e castigo


 

“Em primeiro lugar, vem a questão da confiança. Lá em casa, sempre digo para as minhas filhas que papai perdoa tudo, menos mentira”. Esse é um pequeno trecho da entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, em 2010, por Marcelo Odebrecht, preso recentemente na Operação Lava jato. O título é “Bota quem tem culpa na cadeia”. Em outra declaração, desta vez à Folha de São Paulo, o empresário novamente citou os filhos para se defender de ataques: “Não faria nenhum pedido que não pudesse ser feito de maneira transparente. Que mais tarde pudesse me deixar mal com meus filhos.” Odebrecht passou o dia dos pais preso, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Após ler essas declarações, lembrei-me da obra magistral de Dostoievski, Crime e Castigo. Há uma cena em que o personagem principal, Raskolnikov, conta à Sônia os motivos do seu crime: “Por acaso eu matei a velhota? Foi a mim mesmo que eu matei. O diabo matou a velha”. Penso que o mesmo se aplica àqueles corruptos envolvidos em falcatruas: roubaram o Brasil? Não, roubaram a si mesmos.

Sei que muitos podem considerar esse pensamento equivocado e retrucar que “esses homens” não têm consciência moral, como se já tivessem roubado a bolsa da enfermeira logo após o parto. Mas acredito que um homem se torna bom ou mau com o tempo e suas escolhas. Claro que considero a capacidade humana de se enganar. Os corruptos podem pensar que a culpa não é deles, que é assim que as coisas funcionam, que o mundo é podre, etc. Esses argumentos têm certa razão, por isso o seu poder de iludir. Mas é impossível dizer isso a uma criança, ainda mais se for o próprio filho. Ele só entende a verdade, que seria: “Papai está cadeia porque fez algo muito errado”.

Não seria bom apenas para o país que os empreiteiros envolvidos nos recentes escândalos parassem de mentir e assumissem a culpa pelos seus atos, como se fossem Raskolnikovs de hoje. Platão, no livro Górgias, afirmou que o melhor para quem comete um delito é ser punido. Para o filósofo, feliz é quem não possui vícios e “em segundo lugar, vem a pessoa que ficou livre do vício.”

Além da felicidade, Platão tinha em mente a vida eterna, assim como a personagem Sônia, de Crime e castigo. Por isso a necessidade de reparação. O autor de Górgias conta nessa obra uma fábula, na qual diz acreditar, pois a tinha como “pura verdade”: “No tempo de Cronos, havia uma lei, a saber: que o homem que houvesse passado a vida com justiça e santidade, depois de morto iria para a Ilha dos Bem-aventurados. Quem tivesse vivido impiamente e sem justiça, iria para o cárcere da punição e da pena, a que dão o nome de tártaro.”

No dia primeiro de setembro, Marcelo Odebrecht, em depoimento à CPI da Petrobras, disse ser moralmente contra a delação premiada. Afirmou não ser dedo-duro. Além de apelar à moral, novamente – e já é a terceira entrevista dele que, acuado, cita a família – faz menção às filhas. Considerou que, quando havia uma briga em sua casa, talvez brigasse mais com que dedurou do que com quem provocou o conflito.

Não duvido de que o empreiteiro ame as filhas. As citações recorrentes a elas é uma prova. O que chama a atenção é não perceber o quanto seria importante, em primeiro lugar para ele, a verdade. Em segundo lugar, para as suas tão amadas filhas. Os fatos são sujos? Por que não limpar-se através de uma confissão pública que iria também ser extremamente útil para o país? Sei.
Há muito mais coisa nesse mundo corrupto além do que sonha a minha vã inocência.

Mesmo que os acusados jamais confessem suas culpas, é importante para todos que os culpados sejam punidos. O culto à impunidade já fez muitas vítimas. E as primeiras são os próprios criminosos.

Eduardo Gama é mestre em Literatura pela USP, jornalista, publicitário e membro do IFE-Campinas.

Artigo publicado no jornal Correio Popular​, edição 14/9/2015, Página A-2.