O “Conhece-te a ti mesmo” de Santo Agostinho tratado por Pierre Courcelle


augustinus_277Pierre Courcelle é um dos grandes estudiosos do preceito délfico “Conhece-te a ti mesmo”: dedicou três volumes (em língua francesa) ao tema, denominado Connais-toi toi-meme: de Socrate a saint Bernard (“Conhece-te a ti mesmo: de Sócrates a São Bernardo”), no qual mostra os paralelos textuais entre os diversos autores gregos e latinos desde a época de Platão (século V a.C.) até São Bernardo – figura esta de envergadura da cultura européia e, por extensão, ocidental (século XII d.C.). Além disso, além do paralelo, interpreta os textos dos autores que aborda. Nesta resenha – que na verdade é mais do que uma resenha, pois abordamos como Courcelle trata o preceito délfico em Agostinho –, enfocamos o Capítulo VIII do Tomo I da obra, denominado “Ambroise et Augustin” (Ambrósio e Agostinho), com atenção a Santo Agostinho de Hipona.

(Todas as traduções do francês são nossas.)

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Para Pierre Courcelle, em seu capítulo sobre o Nosce te ipsum (“Conhece-te a ti mesmo”, em latim) em Agostinho, é possível observar uma progressão da reflexão sobre esse tema na obra de Agostinho ao longo de sua vida e conforme ele amadurece.[1] De fato, Courcelle parece ter lido toda a obra de Agostinho separando dela os trechos em que é abordado o “Conhece-te a ti mesmo” para formar seu capítulo. Nesse sentido, ele encontra o tema desde o primeiro diálogo agostiniano Contra academicos até seu tratado de maturidade De Trinitate, no qual, segundo o autor, é onde Agostinho desenvolve o tema com mais frequência e de modo mais longo.

A respeito do Contra Academicos, Courcelle diz que Agostinho empresta de Licencio, um de seus interlocutores, a visão de que a filosofia,

pelo fato mesmo que ela busca a sabedoria, despoja sua alma dos invólucros (enveloppes, em francês) corporais, se subtrai às concupiscências que a dilaceram, se recolhe ela mesma nela mesma, tende em direção a ela e em direção a Deus, atinge enfim, pelo uso mesmo de sua razão, a serenidade da alma e a vida feliz análoga à beatitude divina que a alcança depois da morte”.[2]

Algo que, para Courcelle, é uma visão impregnada do tratado de Porfírio sobre o “Conhece-te a ti mesmo”. Mas observa também que, mais adiante no diálogo, Agostinho confessa que sua conversão recente foi um retorno a si mesmo devido a influência dos libri Platonicorum, porém mais ao cristianismo.[3]

No diálogo De Ordine, Courcelle observa que, para Agostinho, se o homem não consegue discernir a ordem providencial do universo, é porque ele não conhece a si mesmo. E não conhece a si mesmo porque está habituado às coisas exteriores e não se volta para si mesmo para uma vida solitária ou que cure esse hábito às coisas exteriores pelo estudo das disciplinas liberais (Artes Liberais). A beleza da ordem provém do Uno. Courcelle ainda observa que, nesse texto, suas linhas são impregnadas de neoplatonismo porfiriano.

A seguir, é interessante ressaltar a origem e o caminho dessas idéias até Agostinho, os quais o autor traça:

A idéia de que a alma, depois de sua queda do ‘plano da Verdade’ nesse mundo baixo, torna-se jogo da Opinião, remonta ao Fedro de Platão. Através de Plotino e Porfírio, ela passou por Proclo, e em latim por Arnóbio que a combate, por Macróbio e por Mario Vitorino. O tema do estado de indigência onde a alma se encontra quando se derrama entre os múltiplos objetos dos sentidos é longamente desenvolvida por Porfírio em suas Sentenças (…).”[4]

Essa temática vem de Platão através Plotino e depois Porfirio. Contudo, conforme uma demonstração textual entre o texto grego de Platão e o latino de Agostinho, Courcelle sustenta que Agostinho segue de perto o texto do Fedro, com a diferença de o último ser “munido de um comentário neoplatônico”.[5]

Ainda com relação ao De ordine, Courcelle levanta mais duas passagens do texto que completam, segundo ele, as visões de Agostinho sobre o “Conhece-te a ti mesmo” no referido texto. Uma delas que convém destacar – a que está no final do De ordine – é a de que a filosofia tem por objeto a alma e Deus, isto é, “o conhecimento de nós mesmos e aquele de nossa origem; o primeiro nos torna dignos da vida feliz; o segundo, nos obtém essa vida feliz”.[6]

Outro texto de Agostinho no qual Courcelle encontra o Nosce te ipsum é os Soliloquiorum, onde Agostinho dialoga consigo mesmo, ele e sua Razão. Para o autor, a ligação íntima entre conhecimento de si e conhecimento de Deus é reafirmada com força nesse diálogo.[7] Depois da prece inicial, a Razão pergunta a Agostinho o que ele deseja saber e o pede para que faça de modo breve. Sua resposta é “Deum et animam scire cupio[8], isto é, “Desejo conhecer a Deus e a alma”.

Para Courcelle,

Na prece inicial do Livro I, ele [Agostinho] sublinha, sem dificuldade, em seu próprio nome, o acordo entre as pesquisas filosóficas sobre o ‘Conhece-te a ti mesmo’ e o versículo do Gênesis do homem feito à imagem e à semelhança de Deus. Isso supõe que, desde o início do ano 387, em Cassicíaco, ele está informado das exegeses cristãs sobre o Cântico dos Cânticos, tais como de Orígenes, Basílio e Gregório de Nissa. O senso profundo de toda essa prece é seu desejo de conhecer a relação entre a alma humana e a divindade.[9]

Mais a frente nos Soliloquiorum, Courcelle afirma que, com relação à passagem “Deus semper idem, nouerim me, nouerim te. Oratum est”,[10] há um substrato dessa prece no Livro I das Tusculanas de Cícero em I, 29, 70, citado no texto e colocado ao lado do texto de Agostinho.[11] Por fim, citando a conclusão de Agostinho desse texto, Courcelle afirma que “a condição de reflexão sobre si (…) é o entrar em si mesmo (repli[12] em francês), que se obtém somente quando nos desviamos a nossa atenção dos objetos dos sentidos.”[13]

No De vera religione encontra-se um novo apelo ao homem para que ele se desvie dos objetos exteriores e entre em si mesmo e descubra, para além de sua razão, a Verdade, harmonia soberana.[14] A passagem referente ao conhecimento de si desta obra – conhecida de muitos, aliás – é aquela em que santo Agostinho afirma:

Não vás para fora, volta para ti mesmo. No homem interior habita a verdade. E se descobrires que tua natureza é mutável, transcende também a ti mesmo. (De Vera Religione, XXXIX, 72) [*]

Nas Confessionum vê-se, segundo Courcelle, o caminho até Deus para além da razão em sentido inverso, tal como sugere um versículo do Eclesiástico (X, 9-10).[15] O homem nesse sentido seria um abismo de corrupção, um abismo sem fundo e suas concupiscências constituiriam entraves para ele, de tal sorte que, se o ímpio interroga sobre si mesmo, ele não sabe o que responde, ao passo que, ao contrário,

o homem que faz retorno a si mesmo progredindo – segundo a dialética neoplatônica dos degraus – do exterior em direção à própria intimidade, com a condição de o que é interior é preferível, aquele toma consciência de seu mal estado de saúde moral, descobre sua dessemelhança de natureza com a da divindade e, do mesmo modo, a presença de Deus no mais profundo dos seus intima.[16]

Segundo Courcelle, esse ensinamento neoplatônico do retorno a si pelo “Conhece-te a ti mesmo” concorda com um versículo de Isaías, o qual afirma que, se nós voltarmos a nosso próprio coração, nós encontraremos a Deus que está no fundo.[17]

A partir de agora, em seis páginas, Courcelle mostra as diversas formas como Agostinho trata da presença divina imanente. Podemos resumi-lo notando que, em diversos escritos de Agostinho citados pelo autor, os verbos utilizados para se referir a essa presença divina interior são adesse (numa tradução em inglês seria como “to be at, be present, be at hand[18]) e praesens (presente, no particípio). Contudo, observa Courcelle, neste último caso é frequente o praesens vir acompanhado de secretus “para indicar que essa presença é invisível”, imaterial, como em Confessionum I, 4, 4, “secretissime et praesentissime”.

Além disso, Courcelle vê paralelos de textos filosóficos que Agostinho leu ou recebeu de segunda mão com relação ao tema de presença imanente em Sêneca, Epiteto e Simplício. Mas observa, por fim, que, quando Agostinho afirma nas Confessionum “Por isso, enquanto peregrino longe de ti, estou mais presente a mim que a ti” (X, 5, 7),[19] ele se separa tanto dos estóicos como dos neoplatônicos, segundo os quais se conhecer a si mesmo é conhecer Deus em si. Agostinho – diz Courcelle – “está convencido de que esse conhecimento, durante nossa vida terrestre, tem seus limites”.[20]

Em muitos Sermones, Enarrationes in Psalmos e no Tratactus in Iohannen Courcelle observa que o tema do “Conhece-te a ti mesmo” é implementado e adaptado para fins edificantes.[21] Contudo, pelo que pude ler nos textos anteriores citados pelo autor e pelo que ele mesmo cita desses textos, a idéia não destoa do que foi apresentado segundo Agostinho até o momento. Por exemplo, o autor observa que o perverso não se conhece, algo que foi visto pouco acima. A diferença que se nota nesses textos, em relação aos outros, a meu ver, é a maior quantidade do conteúdo da Revelação Judaico-Cristã presente, o que também pressupõe um vocabulário mais afinado à Escritura e à tradição cristã, como “fraqueza carnal”.[22] Mas algo interessante é o aparecimento, por parte de Courcelle, do uso da palavra “introspeção” para se referir ao “Conhece-te a ti mesmo”. Nesse sentido, afirma ele:

A introspeção tem duas faces. Antes de mais, o homem que descende nele mesmo descobre a guerra intestina entre a carne e o espírito e toma consciência de sua fraqueza carnal. O Evangelho propõe o exemplo do retorno a si do Filho pródigo e mostra por lá que o conhecimento de si é uma fase prévia ao retorno a Deus. Do mesmo modo, o retorno a si não é somente voltar-se sobre si mesmo, mas conduz ao próximo: porque ninguém pode amar seu próximo como a si mesmo se ele se ignora a si mesmo. Jesus fez o elogio do publicano porque este prestou atenção a sua conduta moral (…).

Mas, ao mesmo tempo, descender em nós mesmos nos faz descobrir nossa grandeza de ser criados à imagem e semelhança de Deus e superior aos animais, porque a alma recepta memoria e cogitatio que o conduz a Deus.”[23]

Courcelle segue na conclusão de seu capítulo mostrando que o tema do “Conhece-te a ti mesmo” é mais desenvolvido e aprofundado em um texto de maturidade de Agostinho, o De Trinitate. O autor observa que logo no Livro IV do De Trinitate há uma referência ao Nosce te ipsum. No começo desse livro, Agostinho fala o seguinte:

O gênero humano geralmente (solet) tem em grande estima as ciências da terra e as do céu. Levam, entretanto, grande vantagem aqueles que preferem o conhecimento de si mesmos aos dessas ciências. É mais digna de louvor a alma que tem consciência de sua debilidade do que aquela que não a tendo esquadrinha o curso dos astros com afã de novos conhecimentos.[24]

Além disso, três outros livros do De Trinitate são levantados por Courcelle para mostrar a presença do Nosce te ipsum, os livros IX, X e XIV, mas é sobretudo no Livro X, segundo o autor, que o tema é mais desenvolvido e abordado, sendo, contudo, retomado e aprofundado no livro XIV.

No Livro IX, Courcelle observa que Agostinho procura na “psicologia do homem, que é criado à imagem de Deus, as analogias suscetíveis de esclarecer o mistério da Trindade das pessoas divinas”.[25] Além disso, faz uma importante distinção que ele reconhece no texto agostiniano: é a de que Agostinho opõe (já neste livro) o conhecimento intelectual ao conhecimento sensível. Nesse sentido, Courcelle diz que

os olhos do corpo podem ver os olhos de outra pessoa, mas não se pode ver a si mesmo. Agostinho evita estender-se sobre as diversas teorias de óptica, porque ele quer colocar em relevo que a alma recolhe por ela mesma os conhecimentos que ela tem das realidades incorpóreas e que ela se conhece ela mesma por ela mesma.[26]

Para Courcelle, seguindo M. Pépin, o Capítulo 3 do Livro IX que Agostinho opõe o conhecimento sensível ao intelectual, aproxima-se das Sentenças de Porfírio em XLIII, 2-4.[27]

Agostinho prossegue no livro IX ao notar uma tríade, posto que a alma se conhece, que é a mens (alma ou espírito), notitia (conhecimento) e amor (amor). Essa tríade, para Agostinho, são três coisas iguais e são uma ao mesmo tempo. Amor e conhecimento não são para a alma substratos, como seriam a cor ou a figura, mas existem “como a alma ela mesma, a título de substância”.[28] A passagem do texto agostiniano de onde Courcelle retira seu comentário é o Livro IX, 4, 5, onde Agostinho afirma, entre outros, que

Essas reflexões atiram nossa atenção, além disso, sobre o fato (se de alguma maneira pudermos ver) que essas realidades [mens, notitia, amor] coexistem na alma, e aí se desenvolvem como numa espécie de involução mútua, a ponto de se deixarem perceber e recensear, como substâncias, ou por assim dizer, essências. Elas não estão aí como acidentes, à maneira da cor, da figura, em um corpo ou qualquer outra qualidade ou quantidade. Tais acidentes estão limitados ao substrato onde subsistem. Pois tal cor e tal figura não podem estar em nenhum outro corpo.

Entretanto, a mente, com o amor com que se ama, pode amar outras realidades fora de si. Ela também não conhece apenas a si mesma, mas a muitas outras coisas. Por isso, o amor e o conhecimento não estão inerentes à mente como um acidente está a um sujeito.[29]

Com relação ao conhecimento de si que está ligado ao amor e à mens (espírito), Courcelle observa que há a aporia das partes da alma. Se com relação ao conhecimento há um sujeito e um objeto de conhecimento, e se a tríade é uma só e três ao mesmo tempo, como é possível que a alma quando se conheça se conheça e se ame toda inteira de acordo com Agostinho, sem separação? Pois a relação entre amor e conhecimento não é de justaposição, nem de mistura, pois a justaposição supõe possível a separação e, a mistura, destrói a pluralidade inicial.[30] Como isso se resolveria? Courcelle responde que

Agostinho indica em seguida qual é, a seus olhos, a verdadeira solução da aporia. A alma, diz ele, quando ela se ama e se conhece, não se conhece como imutável. Mas ela possui também a intuição do caráter específico ou genérico da alma, objeto eterno e inteligível, e sua união com as inteligências, sem confusão, nem corrupção, nem alteração. / Uma tal solução figura nos Symmikta Zetemata de Porfírio.[31]

Por fim, no Livro IX, Courcelle comenta que Agostinho desenvolve nele a doutrina do verbo mental: é o conhecimento unido ao amor; “quando a alma se conhece e se ama, seu verbo lhe é unido por amor”.[32]

O desenvolvimento tocante ao conhecimento de si se aprofunda no Livro X, no qual, segundo o autor, Agostinho se esforça para determinar o modo de conhecimento da alma que busca se conhecer a si mesma. Agostinho se pergunta: como pode a alma se amar antes de se conhecer? Ela não pode se conhecer por um espelho, como o olho, porque é imaterial. Seria na razão da Verdade eterna que ela vê o quão belo é se conhecer? Ou por lembrança de uma beatitude anterior? Ou, ainda, por amor do saber?

Na verdade, para Courcelle,

é por uma intuição dela mesma: ela é presente a ela mesma no momento em que ela busca representar-se a si mesma. Segundo Agostinho, o conhecimento do sujeito por ele mesmo está envolvido no ato de se conhecer e a alma não pode conhecer uma parte dela mesma por uma outra parte. Ele responde por lá, seguindo uma argumentação plotiniana, à aporia apresentada em Sexto Empírico segundo a qual todo conhecimento supõe uma divisão entre o sujeito do conhecimento e o objeto conhecido. A alma toda inteira se conhece intuitivamente, ao mesmo tempo enquanto vida e enquanto alma.[33]

Na sequência, Agostinho pergunta: mas por que é dirigido à alma um preceito para que ela se conheça a si mesma se ela já se conhece? De acordo com Courcelle, é para convidá-la a se pensar nela mesma e a viver segundo sua natureza, “intermediária entre Deus que a rege e os seres que ela deve reger.”[34]

Nesse ponto, Courcelle observa que há muito provavelmente uma lembrança de uma interpretação de Antíoco de Ascalão que adaptou o ‘Gnothi Seauton[35]’ platônico – transliteração da exortação grega γνῶθι σεαυτόν, que significa “Conhece-te a ti mesmo!” – à antropologia de Crisipo. Para o autor, Agostinho o conheceu através do De finibus de Cícero, se se julga pelos paralelos textuais apresentados por ele em seu capítulo, pp. 156–157.

A seguir, no Livro X, Agostinho, passa agora em revisão as teorias de diferentes filósofos que reduzem a alma à matéria, que dizem ser ela constituída de sangue, átomo ou outro elemento. Citando Schindler e Hagendahl, Courcelle afirma que esse parágrafo de Agostinho resume algumas páginas do Livro I das Tusculanas de Cícero. “Agostinho – diz Courcelle – conclui essa revisão de opiniões filosóficas dizendo que a alma, por sua natureza, é uma substância não corporal; ela não tem que se procurar como se ela estivesse ausente de si mesma.”[36] E, nesse sentido, como já se conhece a si mesma, deve se pensar em si mesma para arrancar as crostas terrestres que nela se ajuntou. Com relação à temática da crosta terrestre usada como metáfora para alma, Courcelle vê um desenvolvimento porfiriano e depois identifica a discussão com elementos do Fédon de Platão e a presença de autores como Cícero e Virgílio.[37]

Referente à conclusão do Livro X, Courcelle comenta:

O próprio da alma, diz ele, é se conhecer com certidão. O erro comum a esses que crêem ser a alma corporal é de não notar que ela já se conhece, mesmo quando ela se busca. Agostinho conclui o Livro X fazendo observar que memória, inteligência e vontade constituem uma só vida, uma só alma.[38]

Contudo, para Courcelle, o De Trinitate não se esgota no Livro X a respeito do “Conhece-te a ti mesmo”. Para o autor, o desenvolvimento (développement) do Livro X é aprofundado e retomado no Livro XIV: enquanto o olho só pode se ver através de um espelho, a alma pode se aperceber de si mesma pela “cogitatio”. Segundo o autor, Agostinho “compara esse conhecimento implícito que o homem tem dele mesmo com a memória mesma que contém as lembranças que nós não procuramos para nos lembrar.”[39]

Acompanhando esses livros, Courcelle conclui seu capítulo afirmando que Agostinho opõe o conhecimento intelectual ao conhecimento sensível e que, no De Trinitate, “ele luta – à maneira de Platão no Fédon – contra os physicistes que não refletem mais do que empurrar a observação até os ‘moenia mundi’”[40], isto é, até o firmamento.

NOTAS:

[1] Courcelle, 1974, p. 125 e p. 163.

[2] Ibid., pp. 125-126.

[3] Ibid., pp. 125-126.

[4] Ibid., pp. 127-128.

[5] Ibid., p. 128.

[6] Ibid., pp. 130-131. Cf. Agostinho, De ordine, II, 18.

[7] Ibid., p. 131.

[8] Agostinho, Soliloquiorum, I, 2, 7.

[9] Courcelle, 1974, p. 131.

[10] Agostinho, Soliloquiorum, II, 1, 1.

[11] Courcelle, 1974, p. 132.

[12]Replier” segundo o Hachette Le Dictionnaire (1991): “(…) II. v. pron. Rentrer en soi-même, se fermer”.

[13] Ibid., p. 132-133. Cf. Agostinho, cit. por Courcelle, De imortalitate animae, x, 17.

[14] Ibid., p. 133. Agostinho, cit. por Courcelle, De vera religione, xxxix, 72: “(…) Noli foras ire, in teipsum redi; in interiore homine habitat Veritas. (…)”

[*] De Ver., XXXIX, 72, tradução de Novaes, 2007, p. 202. No texto latino usado por Novaes: “Noli foras ire, in teipsum redi; in interiore homine habitat veritas; et si tuam naturam mutabilem inveneris, transcende et teipsum.” Cf. NOVAES, Moacyr. A razão em exercício: estudos sobre a filosofia de Agostinho. São Paulo: Discurso Editorial, 2007.

[15] Na Vulgata: “9. avaro autem nihil est scelestius quid superbit terra et cinis 10. nihil est iniquius quam amare pecuniam hic enim et animam suam venalem habet quoniam in vita sua projecit intima sua” (Eclo 10, 9-10). Fala-se aqui em scelestius (“pior”) e intima sua que se traduz por intestino, mas não encontramos alguma referência propriamente ao tumor nesta passagem. Parece-nos, então, que a metáfora do tumor está em Confissões e que esta metáfora é sugerida, e não propriamente dita, por Eclo 10, 9-10. Ficamos de conferir as Confissões a esse respeito.

[16] Ibid., p. 136.

[17] Ibid., p. 137.

[18] Perseus, Latin Word Study Tool. Link: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=adesse&la=la&can=adesse40&prior=quem Acesso em 28/03/2014.

[19] Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante, Santo Agostinho, Confissões, São Paulo, Paulus, 1984, p. 270. No original: “Quamdiu peregrinor abs te, mihi sum praesentior quam tibi, et tamen te noui nullo modo posse uiolare” (Conf. X, 5, 7).

[20] Courcelle, 1974, p. 144.

[21] Ibid., p. 144.

[22] Agostinho, Enarrationes in Psalmos LXV, 14, 16.

[23] Courcelle, 1974, pp. 144-146.

[24] Agostinho, De Trinitate, IV, 1. Tradução nossa adaptada de Agustinho Belmonte, Paulus, São Paulo, 1994. No original latino da Patrologia Latina, tomo 42: “Scientiam terrestrium caelestiumque rerum magni aestimare solet genus humanum. In quo profecto meliores sunt qui huic scientiae praeponunt nosse semetipsos, laudabiliorque est animus cui nota est vel infirmitas sua quam qui ea non respecta vias siderum scrutatur etiam cogniturus aut qui iam cognitas tenet ignorans ipse qua ingrediatur ad salutem ac firmitatem suam.” Uma edição crítica mais apurada e atualizada do texto latino de Agostinho do De Trinitate está em AUGUSTINUS, Sanctus Aurelius. De Trinitate. Edição crítica do texto latino preparada por Beatrice Cillerai e Giovanni Catapano com base nas edições de W.J. Mountain e F. Glorie no “Corpus Christianorum” (1968). IN: AGOSTINO. La Trinità – Texto latino a fronte. Introdução e notas ao texto latino de Giovanni Catapano. Tradução, notas e aparatos de Beatrice Cillerai. Bompiani: Milão, 2013.

[25] Courcelle, 1974, p. 151.

[26] Ibid., p. 151.

[27] Ibid., p. 151.

[28] Ibid., p. 151.

[29] Agostinho, De Trinitate, IX, 4, 5. Tradução de Agustinho Belmonte, Paulus, São Paulo, 1994.

[30] Courcelle, 1974, p. 152.

[31] Ibid., p. 153.

[32] Ibid., p. 153.

[33] Ibid., pp. 154-155.

[34] Ibid., p. 155.

[35] “Conhece-te a ti mesmo” transliterado do grego.

[36] Ibid., pp. 157-158.

[37] Ibid., pp. 158-159.

[38] Ibid., p. 160.

[39] Ibid., p. 161.

[40] Tradução nossa: “muralhas do mundo”.

João Toniolo é mestrando em Filosofia pela Unicamp e gestor do Núcleo de Filosofia do IFE Campinas (joaotoniolo@ife.org.br). Resenha elaborada originalmente em Abril de 2014 e adaptada para este site em Setembro de 2014. 

REFERÊNCIA DA RESENHA: COURCELLE, Pierre. Connais-toi toi-même. Tomo I. «Chapitre VIII : Abroise et Augustin». Institut d’Études Augustiniennes : Paris, 1974.