Conectados vivemos melhor?

Opinião Pública | 18/03/2015 | | IFE CAMPINAS

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Durante o intervalo de uma aula, não tenho como deixar de observar um fato intrigante: os alunos, em regra, não conversam mais entre si. Um ambiente formalmente socializado transforma-se numa microarena de realidades atomizadas. Eles conversam com seus celulares nas redes sociais, respondem mensagens de whatspp e passam revista nos feeds de notícias. É uma espécie de sossego absorto e solitário, próprio de quem está fora do planeta. Um sossego de alienados.

Vivemos rodeados de eletricidade. Estamos cercados pela era digital. Como sempre acontece em todas as épocas de grandes mudanças comportamentais, teremos que voltar a certas origens para entender melhor o que se passa atualmente e, de certa forma, redescobrir-nos e reinventarmo-nos. De fato, em termos de avanços científicos, a era digital produz inovações estupendas. A tentação está pretender transferir para a realidade das relações pessoais as bases desse “admirável mundo novo” científico. Existe até uma propaganda de uma conhecida prestadora de serviços celulares que parece sintetizar a sensação geral: “Conectados vivemos melhor!”. Será mesmo?

Tenho a sensação de que vamos perdendo espaço para o contato pessoal, o cara-a-cara, o tato e a audição. O relacionamento humano direto enriquece e forja a personalidade. Quando em contato com pessoas desconhecidas ou pouco conhecidas, interesso-me pelo que são, pelo que fazem, pelo que dizem e pelo que sentem, esforço-me por pensar no outro e não somente em mim.

Escutar atentamente os outros também exige sacrifício pessoal, pois tendemos à introspecção. Criar situações com o propósito de conhecer mais pessoas também não é fácil, em virtude de nossa tendência natural à acomodação. Em suma, o contato pessoal com o outro transforma-nos em pessoas mais humanas, sensíveis e melhores. Não há ninguém de quem não possamos aprender algo.

O mundo virtual, noutro enfoque, é, basicamente, impessoal. Não converso olhando nos olhos, não dou a atenção que costumo conferir no trato pessoal com o outro, não capto as reações involuntárias da pessoa com quem converso pela rede, se não gosto da imagem que a tela irradia, basta mudar num clique. Uma espécie de passe de mágica em que tudo se resolve.

No âmbito do contato exclusivamente digital, refugio-me e não preciso enfrentar o mundo real que bate à minha porta, nem com ele aprender para continuar vivendo. O relacionamento virtual dificilmente compartilha sentimentos e afetos. Somente troca informações e dados. Uma coisa que, com o tempo, esvazia-se em si mesma. Além disso, transformar nossa maquineta tecnológica na base de nossos relacionamentos humanos, dedicando horas da nossa existência diária para isso, faz mal à saúde.

Leio na imprensa que o número de viciados em todos os brinquedos tecnológicos, alguns de nomes impronunciáveis, tem subido dramaticamente. “Viciados” é o termo correto: quando estão longe de seus passatempos virtuais, esses pobres de espírito sentem o mesmo tipo de privação física e psicológica que é comum encontrar em alcoólicos ou drogadictos. Existem clínicas de reabilitação que, em 28 dias, prometem “curar” a dependência tecnológica, libertando-os dessa escravidão pós-moderna. Então, conectados vivemos melhor?

Onde está o relacionamento pessoal que vamos perdendo no contato virtual? Necessariamente, teremos que encontrar os lugares, os espaços e as oportunidades para divagarmos sobre o sentido e o alcance da ideia de que “conectados vivemos melhor”. Nem que seja numa mesa de bar ou num café e, preferencialmente, com os celulares desligados. Assim, quem sabe, depois da terceira ou quarta rodada de comes e bebes, concluiremos ser preciso o resgate da boa e velha amizade real em tempos de vida intensamente virtual, porque a vida virtual não mata a amizade real: pelo contrário, exige-a como nunca. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com).

Artigo publicado no Jornal Correio Popular de Campinas, 18.03.2015, Página A-2, Opinião.