Caminhada autômata ou consciente?


Stanley Hauerwas uma vez afirmou que tudo o que se precisa saber sobre alguém pode ser apreendido da resposta a uma pergunta: o que você venera? Isto é, o que tem maior valor, o que é mais importante para você?

Esse alguém a quem questionar deve ser, antes de mais ninguém, a si próprio: o que eu venero? Não se trata de uma pergunta teórica a respeito do que o homem, em abstrato, deveria venerar. Trata-se de um exame concreto a respeito do que eu efetivamente venero, o que implica examinar como tenho vivido o último ano, mês, semana, dia de minha vida. Com o que dedico tempo e energia? O que me move a meus objetivos? Família, Deus, amigos, trabalho, festas, esporte, política, bem estar, prazer, honra, poder? A vida de uma pessoa costuma estar ordenada ao redor dessa resposta.

Evidentemente, nos dedicamos a diversas áreas de nossa vida e a elas temos diferentes motivações, mas seria ilusório acreditar que a todas damos a mesma importância. Basta que sejam confrontadas que se coloca a necessidade de escolher uma a outra, estabelecendo-se uma hierarquia. Ressalte-se que os citados exemplos de possíveis objetos de veneração são todos bens. Portanto, ao se tratar de uma hierarquização entre bens, cabe se questionar se o bem que elejo como prioridade – concretamente, nos últimos episódios com os quais me defrontei – será capaz de satisfazer a necessidade de sentido para a minha vida.

A avaliação do psiquiatra Viktor Frankl é de que, em razão de sua autotranscendência, todo ser humano é um ser em busca de sentido. No entanto, grandes massas da população experienciam a frustração existencial, isto é, um sentimento de ausência de sentido da própria existência. “São cada vez mais numerosos os pacientes que recorrem a nós, os psiquiatras, acometidos de um sentimento de vazio. Este sentimento de vazio tornou-se, em nossos dias, uma neurose de massa”, alega ele em sua obra ‘O sofrimento de uma vida sem sentido’.

A tentativa de dominar o vazio existencial se manifesta no ritmo acelerado e na fuga do silêncio, tão característicos da modernidade, pelo temor de se defrontar com questões existenciais. “Quanto menos conhece o homem a finalidade de sua vida, mais ele acelera o ritmo com o qual a segue”, afirma Frankl. E, nos momentos de potencial silêncio interior, decide-se sair para uma festa, assistir uma série, entrar nas redes sociais, ligar o som, qualquer coisa que não permita defrontar-se diretamente com o vazio existencial. São tentativas vãs que simplesmente acobertam tal frustração, a qual não se sana com nenhum prazer passageiro.

Toda vida tem um sentido. Sentido este, que é extrínseco, isto é, não pode ser produzido, criado, tem de ser encontrado; pessoal, enquanto particular para cada ser humano; e concreto, na medida em que se manifesta nas situações concretas, na “exigência do momento”. Nenhum psiquiatra ou psicoterapeuta pode dizer qual o sentido da vida para seu paciente, mas é a consciência – enquanto capacidade intuitiva de descobrir o rastro de sentido escondido em cada situação –, que conduz o homem em sua busca. Somente ao encontrar o sentido de sua existência é que o homem poderá delinear objetivos consciente do valor de sua vida e deixar de ser um autômato.

“Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para sair daqui?” “Isso depende bastante de onde você quer chegar”, disse o Gato. “O lugar não importa muito…”, disse Alice. “Então não importa o caminho que você vai tomar”, respondeu o Gato. Neste famoso diálogo entre Alice e o Gato, Lewis Carroll evidencia precisamente isso: diante da falta de sentido, qualquer caminho serve; mas quando se tem um destino, um sentido último, luzes desse sentido se revelam na caminhada.

Beatriz Rezende é bacharel em Ciências Econômicas pela Unicamp e membro do IFE Campinas (beatriz.rezende@gmail.com)

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição de 17 de Julho de 2019, página A2 – Opinião.