— FELIZ NATAL! [ IFE de férias ]


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— Prezados e prezadas, desejamos a todos e todas um Feliz Natal e um bom Ano Novo!
 
PS.: Estamos de férias por aqui e no site até o início de fevereiro. Enquanto isso, se sair algum artigo nosso nesse período publicaremos excepcionalmente.



Jordi Llovet: “Adiós a la Universidad. El Eclipse de las Humanidades” (por Pablo González Blasco)


Jordi Llovet: “Adiós a la Universidad. El Eclipse de las Humanidades”.  Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores. Barcelona (2011). 408 págs.

Aios a la universidadO sugestivo título desta obra, fez-me pensar que seria um ensaio em tema que muito me atrai. Comprei-o, e o deixei repousar algum tempo na prateleira, hábito que sempre sigo para não ir com muita sede ao pote. Os livros também precisam de repouso, como o bom vinho, antes de estabelecer um diálogo com eles, que isso é –e não outra coisa- a boa leitura…

Recupero o livro da estante-adega, e me encontro com um livro de memórias, sobre o qual o autor alinhava suas considerações humanistas. O adeus à universidade não é apenas uma figura de linguagem, mas a retirada do próprio autor da academia, aproveitando um programa de aposentadoria implementado na instituição universitária onde ensinava. O eclipse das humanidades –por fazer uma exegese completa do título- é a constatação do autor, na sua trajetória docente,  do declínio da formação humanística na universidade, e as consequências dessa postura. Uma formação que sucumbe ao utilitarismo do mercado vigente, que dita as normas educacionais, e que bem resume Llovet citando  Bertrand Russell: “Um dos defeitos de educação superior moderna é que se converteu num treino para adquirir habilidades  e cada vez se preocupa menos de abrir a mente e o coração dos estudantes”.

Descubro que o autor escreve o original em catalão, e o exemplar que tenho entre mãos é, por tanto, uma tradução. Llovet é catalão até o último fio de cabelo, ama a cultura e a língua da sua terra, mas é tremendamente crítico com os fundamentalistas catalães que tentam impor o seu próprio idioma  a qualquer custo, beirando o ridículo. Surge aqui uma lembrança pessoal: há alguns meses passei por Barcelona e comprovei como editoras catalãs, cujo objetivo é promover a língua local, traduzem a esse idioma, Dostoievski, Steinbeck , Victor Hugo –o que me parece muito bem- mas também autores que conquistaram o Prêmio Cervantes, maior reconhecimento no domínio do Castelhano…..o que me causou tremenda perplexidade. Talvez por isso Llovet escreve em catalão: para ter certeza de que o seu público alvo não colocará obstáculos e acabará lendo este mistura de legado e reflexão. Quer dizer, escreve, em primeiro lugar,  para os catalães, principais destinatários da sua crítica iconoclasta contra o formalismo acadêmico.

O capítulo que descreve as peripécias necessárias para completar um doutorado, é de um ironia finíssima –dei risada sozinho- e devastador: detona os processos formais para conseguir esse grau acadêmico, a solidão do candidato, a  omissão dos orientadores, o aluno que trabalha por conta, gasta dinheiro, e ninguém o orienta (ou quando o faz é para pesquisar algo que o orientador tem interesse, mas também lhe da preguiça fazer). Enfim, não deixa títere com cabeça…

Nesse mesmo capítulo relata suas viagens pela Europa, em busca de material para a sua pesquisa. Alemanha, França, a República Checa –memorável o encontro com  a sobrinha de Kafka-, onde junta lembranças e considerações. Fez me sorrir a narrativa onde no quarto em que viveu Holderlin, sente um desejo tremendo de recolhimento, mas é impedido “porque os  visitantes estavam providos de engenhocas audiovisuais, como se os homens não tivéssemos memória e somente as imagens fotográficas ou filmadas pudessem conservá-la.”. Se isto foi em 1978,  podemos imaginar hoje, onde as pessoas fotografam compulsivamente locais e a elas mesmas –o self sedutor!- sem dar tempo para viver os momentos, imagens vazias de qualquer vivência……

Muito sugestivo é o capítulo que dedica às humanidades perante as novas tecnologias.  “Quando alguém percebe que não há sinal no celular, sofre como um náufrago que não consegue que seus gritos cheguem até os que pilotam o bote salva-vidas. Uma absoluta sensação de solidão e impotência”. Aborda-se o desafio que a técnica impõe em vistas do imediatismo que proporciona. Temos rapidez, comunicação global, mas falta conteúdo elaborado. A ditadura da rapidez elimina o tempo que sempre foi necessário para cozinhar as ideias, impondo uma cultura em sintonia com o fast-food. O estudante senta na frente de um computador, e pensa que lhe é proporcionada uma facilitação em todos os níveis, incluído aquele processo que sempre foi considerado árduo: o do aprendizado.  Esquece-se que educar provem de ex-ducere, tirar de dentro; extrair e não apenas colocar, e muito menos inserir programas e aplicativos.  Por isso eu vou digitando todas estas linhas: para ir pensando enquanto escrevo, escolhendo as palavras, ordenando as ideias, ao invés de correr o scanner pelas páginas e coloca-las sem nenhuma conexão, nem temperadas com a minha própria reflexão.

Llovet levanta a bandeira das humanidades e adverte do perigo da educação utilitarista: “Os jovens não possuem formação alguma, nem sentem a necessidade de adquiri-la, de modo que cada vez será mais difícil que um universitário consiga situar num contexto histórico os modos de ver o mundo. A falta completa de referências e a falta de familiaridade com o tema, fará com que tudo aquilo que não faz parte da sua experiência vital –do que vivem, e sentem- nunca venha se converter em categorias epistemológica, em modos de interpretar e ver o mundo. Somente captarão sua experiência quotidiana. É a tirania do momento, que nega o curso e a densidade da historia. Uma caipirice  não do espaço –da terrinha- mas do tempo, onde parece que o mundo é propriedade apenas dos vivos, sem saber que para a Historia não há mortos”.

Mostra-se muito crítico em relação á reforma universitária europeia, o chamado plano Bolonha, de integração europeia, pois os estudantes não foram formados num ambiente de critica e diálogo no ensino médio –muito menos em dominar línguas como para mover-se de um lado a outro de Europa, e ninguém fala latim hoje como os Humanistas do século XVI. Os estudantes querem soluções e eficácia, esse é o ensino médio. Bolonha não vai funcionar porque o estudante não tem motor próprio, não se lhe ensinou: a questão, como sempre, é dos professores, não culpa do estudante. São os gestores universitários os que destroem a enorme carga de entusiasmo que um jovem tem nessa fase da vida; gestores que transformam a universidade num centro de treinamento de habilidades e distribuidora de títulos.

Percebe-se ao longo de toda a obra uma crítica contumaz ao utilitarismo que relega as Humanidades a um plano de diletantismo. Invoca, novamente, Holderlin quando criticava os alemães do seu tempo: “Entre os alemães encontrarás artesãos, mas não homens; pensadores, mas não homens; sacerdotes, mas não homens; senhores e criados, jovens e adultos, mas nenhum homem”. Se isso acontecia em tempos do poeta que exclamava “para que poetas em tempos de miséria?”, podemos facilmente concluir perante o panorama de hoje, e num universo que carece da seriedade do povo germânico…..Uma advertência contra os que prestam culto à utilidade e não à verdade. Não se pode vincular as humanidades ao mercado laboral, aos dividendos que podem render a curto prazo, ao que é útil no sentido mensurável da palavra.

Llovet não se ilude, a culpa é mesmo do sistema, dos professores que são coniventes com a mediocridade. “Se a literatura vincula-se somente a teorias recônditas, se não é colocada constantemente do lado da vida mesma, das condições sociais e do nosso quotidiano, as aulas de literatura não servem para praticamente nada”.  Essa atitude explica que hoje não existam discípulos, nem escolas de pensamento, apenas alunos que são clientes em busca do título.

As recomendações que fazia Diderot para a Universidade de S. Petersburgo, trazem mais luz sobre o tema: “O objeto de uma escola pública não é produzir um homem profundo de um gênero qualquer, mas inicia-lo numa série de conhecimentos cuja ignorância o converteria em alguém prejudicial em todos os estados de vida, e mais ou menos vergonhoso em alguns deles. Gerar homens de bem e não apenas sábios”. E também Jovellanos, o intelectual espanhol, que advertia contra o perigo da especialização sem critério: “esta especialização, tão proveitosa para o progresso, é funesta para o estado das ciências. Se quebramos a árvore da sabedoria, de nada aproveita ter ramas frondosas, se perdemos a conexão que entre si tem todos os conhecimentos humanos”. Já dizia Ortega –a lembrança é minha- que o especialista é um ser perigoso, porque sabendo apenas algumas coisas em certa profundidade, tem a pretensão de opinar e pontificar sobre tudo com a mesma arrogância.

Mas, no meio desta enxurrada de críticas –são histórias que o autor pessoalmente viveu e vive- despontam também as sugestões e a esperança   “Se depois da conquista de Europa pelos bárbaros, surgiu o proto-renascimento Carolíngio, é possível recuperarmos um novo renascimento hoje, com a reincorporação dos homens de letras e dos humanistas: teremos de esperar e não baixar a guarda. É preciso entender que o saber clássico tem uma função muito peculiar: o de ser um conservador nas ruinas do tempo. E por isso os humanistas, os que cultivam as humanidades, sabem extrair das culturas as formas produtivas e refinadas do pensamento e produção artística , compreende-las e criar os meios para que o resto da sociedade possa também pensar e perceber nesse mesmo nível. Uma tentativa que permite que o humano não se degrade, e ocupe o lugar que lhe corresponde. Quase poderíamos dizer, com Llovet e com Holderlin, “para que humanidades nestes tempos de Facebook?”….A resposta é por conta de cada um de nós.

 

Pablo González Blasco é médico (FMUSP, 1981) e Doutor em Medicina (FMUSP, 2002). Membro Fundador (São Paulo, 1992) e Diretor Científico da SOBRAMFA – Sociedade Brasileira de Medicina de Família, e Membro Internacional da Society of Teachers of Family Medicine (STFM). É autor dos livros “O Médico de Família, hoje” (SOBRAMFA, 1997), “Medicina de Família & Cinema” (Casa do Psicólogo, 2002) “Educação da Afetividade através do Cinema” (IEF-Instituto de Ensino e Fomento/SOBRAMFA, São Paulo, 2006) , ”Humanizando a Medicina: Uma Metodologia com o Cinema” (Sâo Camilo, 2011) e “Lições de Liderança no Cinema” (SOBRAMFA, 2013). Co-autor dos livros “Princípios de Medicina de Família” (SOBRAMFA, São Paulo, 2003) e Cinemeducation: a Comprehensive Guide to using film in medical education. (Radcliffe Publishing, Oxford, UK. 2005).

Fonte:  <http://www.pablogonzalezblasco.com.br/2015/12/11/jordi-llovet-adios-a-la-universidad-el-eclipse-de-las-humanidades/#more-2523>




Em busca do equilíbrio (por João Pereira Coutinho)


Burke-Edmund-LOCI. Conservador é um bom termo de insulto. Vivemos num tempo progressista: um tempo que acredita na missão transformadora da política rumo a um fim determinado. O conservador é a pedra na engrenagem. Ele levanta dúvidas. E, levantando dúvidas, ele coloca em causa a suprema vaidade do ser humano: a vaidade na sua razão e na capacidade da razão para produzir resultados perfeitos.

Este é o tom vulgar do insulto: o conservador como obscurantista, retrógado, reacionário. Mas existe um segundo insulto, mais erudito, que os especialistas do pensamento político gostam de colar ao de conservador clássico. Dizem eles que o conservadorismo, como ideologia, surge destituído de um ideal substantivo. Os liberais abraçam a liberdade como valor fundamental. Uma sociedade será mais liberal, e conseqüentemente mais perfeita, quanto maior for a área de liberdade individual de um ser humano – a “liberdade negativa” que fez fama e fortuna para Isaiah Berlin. O mesmo acontece com a família socialista: a igualdade (ou, como dirão os discípulos de Rawls, a eqüidade) é o fim máximo de uma sociedade que se deseja mais justa e fraterna.

E o conservador? Que valor terá ele para apresentar? Que cartilha reconhecida e reconhecível poderá ele defender? Existirá uma ontologia no ideário conservador, capaz de se apresentar inalterada e inalterável face às “intimações” do tempo? Ou, pelo contrário, e como afirmam os críticos mais ferozes da ideologia conservadora, o conservadorismo é uma forma de relativismo sob outro nome? Ou, pior ainda, uma ideologia paradoxal que se apresenta, e assim se derrota, ao assumir-se como “ideologia não-ideológica”, ou seja, ideologia destinada a desautorizar qualquer atitude ideológica?

Esse parece ser o sentido que Benjamin Disraeli tem em vista na sua carta a Lady Bradford: “Existem tantos planos, e tantos esquemas, e tantas razões para não existirem planos nem esquemas”. Não se trata de um mero jogo de palavras, ao gosto do autor de Sybil ou Coningsby. Ao desautorizar “planos” e “esquemas”, Disraeli apenas revelava o caráter mais profundo da ideologia conservadora: ser um corpus teórico que gosta de se definir pela sua natureza anti-teórica.

Uma tal natureza, que constitui para os críticos do conservadorismo o seu inegável “calcanhar de Aquiles”, é vista pelos próprios conservadores como força vital. Longe de ser uma “dogmática”, o conservadorismo é uma “disposição”, na eloqüente proposta de Michael Oakeshott, primus inter pares dos conservadores modernos. Uma “disposição” que levaria o conservador a comportar-se de determinada forma porque essa seria a sua natural disposição. Trata-se, para Oakeshott, de uma forma de relacionamento com o mundo que tende a valorizar o que existe e a recear o que não existe. Neste sentido, o conservadorismo, mais do que “ideologia”, seria antes um “espírito”, como o classificou John Buchan.

II.

A apresentação do conservadorismo como um “espírito” ou uma “disposição” parece captar algo de essencial na gramática conservadora. Hugh Cecil, muito antes de Michael Oakeshott, dedicou algumas páginas sublimes a esse conservadorismo “puro” e “natural”: o conservadorismo dos homens que desfrutam das condições presentes que sobreviveram aos “testes do tempo” e que se revelam ainda úteis e benignas na condução das suas vidas e das vidas das sociedades humanas. Mas importará questionar se o conservadorismo se poderá limitar, tão só, a uma mera “disposição” natural, sem valor teórico fundamental.

Foi uma tal questão que Samuel Huntington, muito antes das polêmicas tardias do seu “choque de civilizações”, formulou no clássico ensaio de 1957, “Conservatism as an Ideology”. O próprio título é, em si mesmo, uma provocação: contra toda a tradição conservadora, e não falamos apenas dos seus críticos mais evidentes, Huntington apresentava positivamente o conservadorismo como uma ideologia. Mas esse entendimento pressupõe uma distinção, operada por Huntington, entre três teorias que, historicamente, se propuseram explicar o conservadorismo como ideologia.

A primeira teoria é designada pelo autor como “teoria aristocrática”. Segundo a “teoria aristocrática” do conservadorismo, estaríamos na presença de uma ideologia localizada num tempo específico e personificada num grupo social particular. Os “conservadores” pertenceriam, assim, às classes feudo-aristocrático-agrárias que se opuseram à Revolução Francesa de 1789, defendendo os seus interesses. Numa visão que surge a Huntington como claramente simplificadora, mas que permite um certo entendimento esquemático, o conservadorismo seria a ideologia da aristocracia, da mesma forma que o liberalismo e o socialismo expressariam as preocupações e as mundividências da burguesia e do proletariado, respectivamente.

Mas a “teoria aristocrática” não esgota todas as tentativas de explicação do conservadorismo. Existe uma segunda teoria, designada por Huntington como “teoria autônoma” e que afirmará, contrariamente à “teoria aristocrática”, que a ideologia conservadora não se limita a um tempo e a uma classe em particular. O conservadorismo pode ser entendido como “um sistema autônomo de idéias”, e idéias que são válidas independentemente do tempo e dos agentes sociais que articulam uma defesa conservadora.

Antes de apresentarmos a terceira teoria, que será eleita por Huntington como a que melhor explica o conservadorismo como ideologia, interessará ter em conta que o autor nega as duas primeiras. Começará por negar a “teoria aristocrática” pela afirmação de que, historicamente falando, a defesa de posições conservadoras não se limitou à classe aristocrática. Ao longo da história, e sobretudo ao longo da história moderna, é possível encontrar vários autores reputadamente conservadores que, não sendo aristocratas, ainda assim tomaram posições conservadoras. E, se dúvidas houvesse, Huntington evoca o caso matricial de Edmund Burke (1729/30-1797), o primeiro dos conservadores modernos e, pormenor fundamental, parlamentar Whig (e não Tory).

Mas se a “teoria aristocrática” do conservadorismo não explica o conservadorismo como ideologia, o mesmo parece suceder com a “teoria autônoma”, essencialmente dispersiva na sua tentativa de explicação sistemática. Aceitar o conservadorismo como “teoria autônoma” implicaria desligá-lo de qualquer acontecimento histórico, inscrevendo-o na mais pura ontologia. Trata-se de uma posição que comporta riscos evidentes, na medida em que a elaboração de qualquer lista axiológica a priori nem sempre permite responder às “intimações” práticas do desenvolvimento histórico.

Samuel Huntington acabará por eleger uma terceira teoria como a mais rigorosa para definir o conservadorismo como ideologia. Designa-a Huntington como “teoria situacional” e, como o próprio nome indica, tenderá a afirmar que o conservadorismo é uma ideologia que necessita de uma situação para se articular como ideologia. A ideologia conservadora possui, aqui, uma natureza essencialmente reativa (não confundir com reacionária), emergindo em momentos de particular dramatismo e ameaça para as instituições que sobreviveram aos “testes do tempo”. Abusando da metáfora fantasista, o conservadorismo seria como a fábula da Bela Adormecida: só com o beijo do príncipe potencialmente revolucionário, a donzela despertaria.

A análise de Huntington ainda hoje desperta adesões ou repúdios na literatura crítica sobre o assunto. Mas seria injusto não afirmar o óbvio: o estudo apresenta vantagens evidentes. Em primeiro lugar, ele constitui uma insofismável valia ao estabelecer uma distinção entre o conservador, por um lado, e o radical (e o reacionário), por outro. Porque se o conservadorismo se afigura como uma ideologia posicional, tal implicará um específico relacionamento com as ideologias ideacionais (e, conseqüentemente, não-conservadoras) que tenderão a aproximar-se da sociedade presente e das suas instituições com uma atitude e intenção diferentes das do conservador: a atitude e a intenção de verificar a distância entre a realidade e o ideal, avaliando-se a realidade, e eventualmente propondo a sua alteração, de forma a que o mundo se aproxime do ideal. O radicalismo será maior quanto maior for a distância entre o ideal e a realidade, e a vontade humana de eliminar essa distância.

O conservador, ao defender e articular uma ideologia posicional, será aquele que, pelo contrário, defenderá o mundo presente e as suas instituições, não porque esse mundo corresponde a um “ideal conservador” – mas porque as instituições se mostraram, e ainda mostram, necessárias para a preservação desse mundo.

Mas o conservador não se distingue apenas da mentalidade radical pela forma como defende as instituições. A natureza posicional do conservadorismo como ideologia permitirá, ainda segundo Huntington, distinguir o conservador do reacionário. Vimos como, para o autor, a resposta conservadora tenderá a emergir perante uma ameaça particular; e como essa resposta tenderá a cessar com a cessação da ameaça que justificou a sua emergência. O reacionário tenderá a surgir quando, depois do fracasso da resposta perante a ameaça, a resposta continua a ser articulada apelando-se a um ideal passado que seja possível recriar no futuro.

Por último, será justo reconhecer que a apresentação do conservadorismo como ideologia situacional não será apenas aquela que melhor expressa a ideologia conservadora per se mas, mais ainda, a que mais firmemente permite a definição do conservadorismo como ideologia burkeana, isto se tivermos em conta a figura de Burke como precursor do conservadorismo moderno de feição anglo-saxônica. A condenação de Burke em relação à Revolução Francesa começa por ser, não uma condenação ideologicamente sistematizada e articulada – mas, precisamente, uma reação.

III.

Repetimos: o ensaio de Samuel Huntington constitui um dos mais sérios contributos para a Filosofia Política contemporânea. Mas torna-se necessário indagar, confrontados com a exclusiva explicação situacional de Huntington, se o conservadorismo, e mesmo o conservadorismo particular de Burke, se esgota numa simples definição situacional.

Como dissemos, parece-nos evidente que Reflections on the Revolution in France (1790), obra maior no percurso político e filosófico de Burke, jamais teria sido escrita sem os acontecimentos de Paris em 1789. Mas o que nos deve interessar na obra de Burke não será apenas o seu lado reativo, ou seja, a crítica articulada por Burke aos revolucionários de Paris e à confiança na capacidade exclusivamente humana para proceder à aplicação direta de um paradigma de perfeição teórico, alicerçado em doutrinas políticas abstratas sobre “Direitos do Homem” imutáveis e universais. Se Burke é, ainda hoje, o precursor do conservadorismo anglo-saxônico moderno; e se as Reflections ocupam lugar central no cânone conservador, isso deve-se, logicamente, à capacidade do autor e da obra de transcenderem o tempo e apresentarem aos homens de hoje uma proposta política com validade transtemporal. E essa validade será melhor entendida se percebermos o conservadorismo como ideologia situacional, mas também como uma ideologia pluralista.

Por pluralismo pretendemos significar uma via media – uma alternativa, no fundo – entre o absolutismo, por um lado, e o relativismo, por outro. Se os absolutistas parecem acreditar que existe um standard universal e objetivo capaz de resolver todos os problemas políticos, os relativistas, por outro lado, negam tal possibilidade, afirmando que os problemas, em política, serão apenas resolvidos pelos valores relativos a determinadas culturas ou sociedades.

O conservadorismo pluralista deverá ser visto como uma tentativa de resgatar no absolutismo e no relativismo o que deve e merece ser resgatado. Do absolutismo, o conservadorismo resgatará a noção de que existem certos valores (certos valores, mas não todos os valores) que devem ser vistos como fundacionais e fundamentais para a sobrevivência e a existência de comunidades políticas. Serão “valores primários”, na feliz formulação do eloqüente filósofo americano John Kekes; e “primários” porque exigidos, ou exigíveis, por uma concepção universal e comum de natureza humana.

Mas será um erro perceber a política como dependente, apenas, de “valores primários”. Os conservadores pluralistas saberão que diferentes sociedades e tradições oferecem uma multiplicidade de valores morais – “valores secundários”, ainda nas categorias de Kekes – que são escolhidos em determinadas circunstâncias mas não em outras.

Assim se entende como o conservadorismo pluralista tenderá a olhar para diferentes conflitos morais com uma dupla consideração. Por um lado, apelando para um standard externo que foi estabelecido pelos mínimos requisitos da natureza humana; e, por outro, apelando também para um standard que é interno a determinadas sociedades. Trata-se, no fundo, de reafirmar a necessidade de garantir condições mínimas para que a natureza humana seja protegida e respeitada – na sua dimensão física, moral ou psicológica; sabendo-se, também, que respeitado esse mínimo, diferentes tradições e sociedades tendem a escolher diferentes valores e a organizarem-se de acordo com essa escolha.

Tal como John Kekes o afirma no magistral A Case for Conservatism, uma das mais brilhantes reflexões contemporâneas sobre o conservadorismo, os “valores primários” habitam um universo de necessidade moral; os “valores secundários”, um universo de possibilidade moral. Tal significa que é possível defender uma concepção pluralista em que valores fundacionais são condição prioritária para a existência dos restantes. É possível, em suma, defender minima moralia (“mínimos morais”) que, embora não determinem aquilo que os seres humanos elegem como fins últimos de vida, não se furtam a afirmar aquilo de que eles, enquanto seres humanos, necessariamente não serão capazes de prescindir.

IV.

Entender o conservadorismo como uma ideologia implicará entendê-lo como uma ideologia pluralista. E um tal entendimento será sempre um convite para regressar às Reflections on the Revolution in France, verdadeira fonte do ideário, e divisar na obra meteórica de Burke duas linhas de argumentação que a percorrem da primeira à última página.

A crítica de Burke à Revolução de Paris começa por concentrar-se na forma como os procedimentos revolucionários golpeiam a natureza humana ao não atenderem à aversão primordial que existe nos Homens perante atos de injustiça ou crueldade. Na linguagem poética de Burke, que recorre a Shakespeare para conferir textura dramática, mas também moral aos seus argumentos, os revolucionários teriam suspendido as “compungidas visitas da Natureza”. É por isso que a primeira resposta contra-revolucionária do autor será articulada em nome dessa aversão “natural”, e “natural” porque inscrita pelo Criador na nossa natureza, e que nos permite reconhecer atos de intolerável violação dessa mesma natureza.

Mas as Reflections não se limitam a percorrer esse “fio naturalista”. Burke, como conservador pluralista, entende que a Revolução não apenas violou “valores primários” como constituiu um assalto à segunda natureza dos Homens: uma natureza “social” pela forma como estes foram acomodando valores, princípios e formas de vida particulares e localizadas. Ao destruírem as instituições dos seus antepassados, os revolucionários destruíram também um patrimônio de idéias, hábitos e tradições que complementavam a natureza dos Homens. E aqui reside a validade dos “valores secundários” que o conservadorismo visa igualmente proteger: habitar uma tradição particular (ou, se preferirmos, relativa) será habitar um reservatório de conhecimentos coletivos e válidos que permitem ao agente enfrentar as dificuldades da sua ação política.

V.

Isso merece um exame um pouco mais detalhado.

Já na sua época, a reação de Burke aos acontecimentos de Paris, com a publicação das Reflections, gerou controvérsias e acusações de que o autor teria atraiçoado o legado intelectual e reformista de toda a sua vida. Se a Revolução Francesa era, por definição, um movimento em prol da liberdade e contra o despotismo político, como explicar que alguém que dedicara uma carreira política à defesa desse valor tivesse “atraiçoado” o seu próprio passado político?

A questão seria revisitada regularmente pelos seus críticos, nomeadamente por Joseph Priestley: “Que um amigo confesso da Revolução Americana viesse a ser inimigo da dos Franceses”, escreve ele, “é incompreensível para mim”. O caso agrava-se, ainda segundo este autor, tendo em conta que a Revolução Francesa não só partilharia os mesmos princípios que a Revolução Americana, como na verdade fora impulsionada por esta. A oposição de Burke afigurava-se como uma traição a princípios que, no passado, alegadamente seriam os seus, acusação muito dolorosa para quem sempre dera grande valor à consistência.

Burke, de fato, não ficou indiferente às críticas dos contemporâneos, e no seu An Appeal from the New to the Old Whigs, documento que se afigura como verdadeira apologia pro vita sua no cânone burkeano, o autor ressoaria essas acusações num momento de confissão pessoal: “por um só livro lançou em desgraça todo o teor da sua vida”. Essa “desgraça” acentuava-se tendo em conta que o seu próprio partido aplaudira maioritariamente a Revolução na França, bem como os princípios que lhe deram forma, o que não só acabava por estabelecer a definitiva fratura entre o autor e o Partido Whig mas por realçar a aparente contradição da atitude de Burke.

Burke entendeu, assim, ser seu dever pessoal e político defender-se das acusações, o que implicava recusar qualquer contradição no seu percurso parlamentar. Ainda no Appeal, o autor manifesta o desejo de inquirir até que ponto a sua posição oposta à Revolução Francesa estaria em contradição com os seus princípios anteriores e com a sua conduta política.

Ao contrário dos membros do seu partido, que não conseguiam divisar nenhum perigo na difusão ou na prática das doutrinas revolucionárias na Inglaterra, Burke reconhecia o perigo dessa influência sem que isso significasse que tinha passado de um extremo ao outro. Tratava-se, pelo contrário, da preocupação de alguém que, nas suas próprias palavras, “sempre se mantivera no ponto médio”. As críticas que lhe eram dirigidas partiam, ou da incompreensão desse equilíbrio, ou dessa busca de equilíbrio tomada erradamente por inconsistência ou falta de princípios. “Está na natureza das coisas”, escreve, “que os que estão no centro de uma circunferência pareçam diretamente opostos a quem os vê de qualquer parte dessa circunferência”.

VI.

Burke retoma aqui uma figura que, no interior do pensamento político britânico, fora definida pelo Marquês de Halifax: o trimmer, aquele que restabelece o equilíbrio da “embarcação” quando esta parece tomada por forças extremas que ameaçam o seu justo curso. Burke usa até a metáfora náutica estabelecida por Halifax: “quando o equilíbrio da embarcação em que navega é posto em perigo por um excesso de peso em um dos lados”, escreve nas linhas finais das Reflections, o trimmer não corre para o outro a fim de compensá-las, “mas deseja pôr o pouco peso que possam ter os seus argumentos naquilo que é capaz de preservar esse equilíbrio” (grifo nosso).

O trimmer não altera a sua posição por oportunismo político, ou por uma ausência de princípios que alimenta e justifica esse oportunismo. Quem oscila de um lado para o outro não é ele, que permanece onde sempre esteve – no centro; quem oscila são os que estão na periferia da circunferência. Trata-se, no fundo, de uma atitude que prescinde, e na verdade evita, qualquer simplificação grosseira da complexidade social e política com que o agente se defronta. No caso particular de Burke, tal atitude manifesta-se numa atenção crucial tanto aos “princípios” como às “circunstâncias”, que se apresentam sempre unidos nas situações concretas.

Noutro escrito mais antigo, Burke já tinha afirmava que “um homem de estado, sem nunca perder de vista os princípios, deve conduzir-se pelas circunstâncias”. Por outras palavras, adotar diferentes condutas consoante as circunstâncias não coloca em risco a consistência de um princípio. Um entendimento desse jogo harmonioso entre princípios e circunstâncias implica necessariamente revisitar o que em Burke comparece como uma dupla concepção da natureza humana.

No Appeal, o autor escreve:

“Naquele livro [as Reflections], as fundações do governo se apóiam, não nuns direitos humanos imaginários […], mas na conveniência política e na natureza humana – quer em que essa natureza é universal, quer em que se encontra modificada por hábitos locais e aptidões sociais”.

A reação primordial que parece nortear as suas preocupações políticas consiste num afastamento das teorias visionárias que atuam sobre a realidade sem atender às circunstâncias que rodeiam o ator político, possibilitando assim a emergência da tirania e a abolição da liberdade. Burke apresenta-se como “aquele cavalheiro que sempre evitou correr atrás da moda de umas amalucadas teorias visionárias” e um “inimigo determinado da tirania”.

Essa atitude de reação contra a tirania articula-se em nome da sua dupla concepção de natureza humana, que já mencionamos. Falar contra a “teoria”, em política, não será falar contra qualquer teoria, o que para ele se afiguraria como uma forma de irracionalismo intolerável, mas contra uma teoria “fraca, errônea, falaciosa, infundada e imperfeita”. E a pedra de toque para julgar uma teoria determinada passa e passará sempre por uma comparação com a prática, isto é, pela comparação com os homens tal como eles são. Toda ação política dependerá, assim, de uma dupla resposta a esta dupla pergunta: “A teoria proposta respeita a natureza dos Homens geralmente considerados? E, a seguir, respeita uma segunda natureza que emerge socialmente?”

VII.

O primeiro critério de avaliação política, sobretudo quando o agente se confronta com uma teoria falaciosa, será portanto ter em conta a natureza dos homens em geral. Porque a diversidade humana que a geografia, a história, a cultura ou a religião parecem oferecer não invalida em Burke a posição primeva de que certos aspectos da natureza humana permanecem inalterados e inalteráveis. Como ele mesmo afirma na primeira Letter on a Regicide Peace, “os homens não mudam, mas permanecem sempre o que sempre foram”.

A afirmação da universalidade da natureza humana não exclui, e em nenhum momento parece incompatível, com a pluralidade de formas de vida que os homens cultivam e perseguem. “Seldom have two ages the same fashion in their pretexts, and the same modes of mischief”, é raro que duas épocas sigam as mesmas modas nas idéias e no modo de fazer o mal, escreve Burke nas Reflections. Mas uma tal pluralidade não invalida o que diz Christopher Berry:

“Acreditar na natureza humana é acreditar que a humanidade possui alguns atributos comuns. Esses atributos devem ser entendidos não como ‘extras opcionais’, mas como algo que pertence ao Homem enquanto Homem. São universais no sentido de que, onde quer que encontremos seres humanos, e sempre que os encontremos, também encontraremos esses atributos”.

Essa noção de natureza humana começa por ressaltar o que são para o autor “afetos naturais”: “afetos” que, implantados por Deus na natureza dos homens, lhes permitem participar no destino dos seus semelhantes, reconhecendo também situações moralmente intoleráveis para as suas naturezas enquanto seres humanos. Esta concepção primeva, que permitiria aos homens reconhecer e evitar a injustiça e a crueldade, seria continuamente retomada pelo autor ao longo da sua produção teórica, como atesta a eloqüente formulação da sua Letter to a Noble Lord: “todos estamos feitos para evitar o sofrimento, como estamos feitos para recuar perante a dor, a pobreza e a doença”. E acrescenta: “É um instinto; e, sob a direção da razão, o instinto sempre está certo”.

Esse “instinto” expressaria um sentimento de justiça primordial gravado nos homens, ou seja, um sentimento que lhes permite avaliar a justeza de certos atos ou situações, independentemente do contexto em que tais atos ou situações possam ocorrer. Tomamos consciência de uma violação da natureza humana quando sentimos em nós próprios essa violação.

A concepção de natureza humana universal, em Burke, funciona assim como esse “mínimo” moral que a ação política deve necessariamente respeitar; se nós, os homens, naturalmente sentimos uma aversão pela justiça e pela crueldade, compete-nos não sermos injustos ou cruéis em relação aos nossos semelhantes, que sentem como nós sentimos porque participam da mesma natureza comum.

Foram precisamente estes “limites de justiça” que os revolucionários da França começaram por violar. Na formulação burkeana, eles exemplificaram “aqueles que, pela violência, ultrapassam as barreiras”; levados por um ideal abstrato de humanidade, ignoraram ou mutilaram uma empatia humana verdadeira, cometendo crimes que degradam a natureza dos homens. Confrontados com tais crimes, os homens sentem uma injustiça primeva, que brota do que o autor chama “a política preventiva da moralidade”.

A posição burkeana, ao reclamar uma concepção universal de natureza humana, parece reclamar também uma idéia de “mal” como ameaça à integridade dessa mesma natureza. Ao falarmos de “mal”, estamos na presença do que John Kekes designa como “dano sério e não justificado que uns seres humanos infligem a outros”. Esses seriam os “males primários”, ou seja, males capazes de afetar os requisitos universais de uma vida boa. Proteger esses requisitos será o que distingue a vida civilizada da barbárie.

A discussão política de uma sociedade civilizada deve, assim, começar por estabelecer o que é humanamente intolerável. Esse imperativo, de forte cariz burkeano, será retomado posteriormente por um conservador burkeano como Hugh Cecil, e retomado nos seguintes termos:

“Ao discutir os princípios do conservadorismo, como em todas as discussões sobre princípios políticos, levanta-se uma questão preliminar. Os princípios políticos têm de conformar-se com algum padrão de bem e mal. Antes de podermos sequer começar a considerar como formular uma regra determinada de conduta política, precisamos ter uma visão clara do padrão pelo qual deveremos julgá-la”.

Para Cecil, como para Burke, o apelo faz-se tendo em conta “os sofrimentos da humanidade” e “as obrigações da justiça”, das quais, na feliz expressão de Quintin Hogg, “nenhum homem, nenhum grupo de homens, nenhuma classe de homens, nenhuma aristocracia de homens, nenhuma maioria anônima de homens comuns” poderá alguma vez escapar. Essa “inescapabilidade” explica-se, ainda segundo Hogg, tendo em conta “o reconhecimento da fraternidade espiritual dos homens sob a paternidade de Deus”. Uma posição humana e moral que está acima de qualquer sistema destinado a aperfeiçoar a sociedade, porque, como relembra Arthur Bryant, “os seres humanos são criaturas racionais com coração, que sentem e sofrem, e os sistemas, não”.

Em conseqüência, o primeiro dever dos governos é o de atuarem justamente, respeitando a basilar humanidade dos seres humanos. Mas uma tal concepção de natureza humana universal, que se limita a impor limites morais aos agentes políticos, não basta, e seguramente não basta como guia da ação política direta e concreta.

VIII.

A dimensão positiva do exercício político dependerá, assim, da segunda natureza dos homens, que emerge em circunstâncias particulares, num contexto de tradições, valores e instituições estabelecidas, e que cabe ao agente observar. “O temperamento do povo a que preside deveria ser o primeiro estudo de um estadista”, escreve Burke.

O agente político precisa ter em conta a forma como a natureza humana comum se reflete em diferentes contextos: precisa ter em conta essa segunda natureza que parte da primeira, mas a ela não se limita. A própria noção de que existe uma natureza humana comum não exclui, e na verdade até implica, que existem diferenças entre os homens para além dessa universalidade que os liga. A este respeito, e no mesmo sentido, afirma Burke, reportando-se agora a essa dimensão secundária da natureza humana:

“O homem, na sua natureza moral, torna-se, no seu progresso ao longo da vida, uma criatura de preconceitos – uma criatura de opiniões – uma criatura de hábitos e dos sentimentos que deles nascem. Estas coisas formam a nossa segunda natureza, como habitantes do país e membros da sociedade em que a Providência nos colocou”.

O agente político deverá assim levar em consideração, não apenas a dimensão moral e universal da natureza humana, mas a sua expressão social, histórica e necessariamente localizada, que dependerá dos valores, das tradições e das instituições do contexto onde vive e atua. Não se trata de escolher uma das dimensões pela exclusão da outra; mas de acomodar ambas numa linguagem e ação políticas que sejam capazes de reconhecer que os homens, enquanto homens, possuem uma natureza comum, natureza essa que exige o respeito por limites morais que não podem ser transpostos. Mas, uma vez respeitados esses limites, cumpre saber como os homens se revelam e o que procuram em circunstâncias socialmente específicas, auscultando a segunda natureza que igualmente os define.

IX.

John Stuart Mill, em epíteto que ficou célebre, classificou o Partido Conservador britânico como “o partido estúpido”. O preconceito de Mill é o preconceito recorrente dos críticos do conservadorismo, que denunciam na ideologia conservadora uma ausência de princípios estruturantes que, segundo esses críticos, retiram aos conservadores qualquer sombra de respeitabilidade intelectual. Uma leitura mais atenta de Burke, o primeiro dos conservadores modernos, permitirá desfazer esse equívoco.

Em primeiro lugar, e com a devida vênia a Samuel Huntington, será justo ter em conta que o espírito do conservadorismo é um espírito adormecido. Ele só tenderá a emergir quando a existência e sobrevivência de uma comunidade política estabelecida se encontram sob ameaça pelas tentativas tirânicas e perfectibilistas da mentalidade radical. O espírito conservador começa por ser, assim, e tal como brilhantemente notado por Huntington há mais de meio século, uma ideologia situacional.

Mas o conservadorismo não será apenas dotado de um espírito situacional. Na sua resposta, o conservador será um agente “cético”; “cético” porque capaz de desaconselhar a persecução do Paraíso na Terra; “cético” porque capaz de pautar a sua atividade por uma conduta humilde e prudente; mas “cético”, sobretudo, porque interessado em reconhecer a existência de uma natureza humana que coloca perante o agente limites morais à sua ação. A afirmação de que os seres humanos procuram valores ou fins de vida distintos não poderá ignorar aquilo de que esses mesmo seres humanos não poderão prescindir.

Porém, e uma vez respeitado esse mínimo moral, o espírito conservador terá necessariamente de saber que uma sociedade específica será dotada de instituições, valores, princípios e formas de vida particulares que, ao terem sobrevivido aos recorrentes testes do tempo, devem constituir-se como base de uma atuação política prudente. Não será função do estadista a imposição do que este considera útil ou benigno para a comunidade, sem tomar em consideração o que a própria comunidade entende como útil e benigno. E, para tal, a segunda natureza dos Homens oferece um reservatório válido e testado de conhecimento prático. Um conhecimento que não foi elaborado por uma única mente, mas por várias mentes, ao longo de várias gerações.

Poderemos dizer, em conclusão, que as exigências da política são as exigências de uma tradição; porque todos os problemas são percebidos no interior de uma tradição. Feliz será a sociedade que se mostrar capaz de preservar as suas tradições úteis e benignas; porque serão essas mesmas tradições a apontar os caminhos possíveis para a resolução dos problemas mais imediatos.

João Pereira Coutinho é doutor em ciências políticas e professor da Universidade Católica de Lisboa, colunista da “Folha de S. Paulo” e autor do livro “Avenida Paulista” (Rio de Janeiro: Record, 2009), além de outros como “As idéias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários” (São Paulo: Três Estrelas, 2014).

Artigo publicado originalmente na revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta&Contradicta, edição n. 3, junho de 2009.

Imagem: Retrato de Edmund Burke. Imagem em Domínio Público.




Reflexões sobre o “Direto Natural” de Aristóteles (por Heloísa Gusmão*)


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I – CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Ao analisar as formas de poder mais elementares da πόλις, Aristóteles descobre três modos distintos de constituições legais, conforme nos mostra a sua Política. Esta constituição do direito para Aristóteles é considerada pela literatura secundária como a fundamentação do chamado Direito Naturali. Mas, para uma boa construção ou descoberta da História da Filosofia, esta é uma afirmação de pouco significado se não se cultiva um cuidado interpretativo para que não se cometam com isto erros graves, como atribuir a Aristóteles um Direito Natural que não é seu ou mesmo juntá-lo a um grupo de autores “jusnaturalistas” pelo único motivo da semelhança de vocabulário, sem analisar as grandes diferenças no uso deste, não unívoco, para cada um dos filósofos em questão.

Neste artigo, portanto, buscaremos distinguir o que podemos significar por Direito Natural para Aristóteles. Um trabalho de direito natural comparado, apontando semelhanças e disparidades entre suas concepções para vários autores do jusnaturalismo clássico e moderno cumpriria com maior êxito a intenção a que esta pesquisa se propõe. O critério monográfico aqui usado, porém, há de permitir uma maior delicadeza hermenêutica para com o texto aristotélico, bem como que o trabalho seja curto, em conformidade com as normas de publicação do site. A pesquisa se fundará na interpretação de textos gregos antigos com uma grande frequência de reedições (os chamados códices ou, na filologia lusofônica contemporânea, testemunhos), que usaremos comparativamente em grego, inglês e em português, fato que nos leva a atentar para os critérios de edição usados pelos tradutores e comentadores. Este cuidado se faz necessário porque, como assinala o professor César Nardelli Cambraia em sua Introdução à Crítica Textual, tal como numa brincadeira de telefone sem fio, “a cada cópia que se faz de um texto, a constituição deste muda – seja por ato voluntário, seja por ato involuntário de quem o copia” ii.

Assim, o método filológico de crítica textual se nos apresenta como o mais prudente para a análise dos textos com os quais trabalharemos, pois, conforme também salienta Lausberg, “a tarefa básica do filólogo consiste em salvar os textos da destruição material”, enquanto que “a tarefa central [do mesmo] consiste na conservação do sentido que se deve dar ao teor do texto”iii, de modo que com esta técnica buscaremos recuperar nos textos o sentido mais próximo o possível do original. Não obstante o esforço exigido pela técnica adotada, um artigo de Filosofia não se pode esgotar por ela, pois, se assim fosse, seria tão somente um trabalho de Filologia. Sabemos que, apesar de complementares, são trabalhos distintos, sendo a ocupação principal num artigo filosófico a proposta de um problema filosófico, a clarificação dos pressupostos do mesmo nos textos trabalhados e das dificuldades de resolvê-lo, bem como a explicitação do caminho argumentativo que fizeram os filósofos e comentadores, a fim de que se abram novas possibilidades de se pensar a questão ou se confirmem as anteriores.

II – DIREITO NATURAL

Em Das Problem der Naturrechtslehre, Eric Wolf enumera 17 sentidos em que se pode usar o termo “natural” e 15 outros para o termo “direito”, contabilizando o impressionante número de 255 sentidos com os quais se pode dizer “direito natural”. Michel Villey parece pensar nisso quando, no artigo Abrégé Du Droit Naturel, aponta a falta de conhecimento dos juristas contemporâneos acerca do termo e mesmo certa ingenuidade de críticos como Kelsen ao “Direito Natural”iv. Segundo Villey, há uma forma principal e autêntica que deve ser buscada diretamente em seus inventores: Aristóteles, o pai da doutrina, e São Tomás, maravilhoso (sic) intérprete do texto de Aristóteles, para além do fato de tê-lo coroado com a doutrina católicav. Segundo ele, este direito natural autêntico não é conhecido, mesmo da Escola moderna de Direito Natural, pois esta está submergida numa cosmovisão neokantiana incompatível com a forma clássica de se pensar, que deve ser como que propedeuticamente desterritorializadavi para assim se fazer a experiência de compreensão do pensamento clássico.

Esta forma autêntica teria como principal característica a relação de implicação mútua entre a noção de direito a de justiça. Os exemplos dados por Villey são retirados do Livro V da Ética a Nicômaco e da Suma Teológica, IIa IIae qu. 57, nos quais são usados os mesmos termos (δίκαιον e jus) para designar tanto uma quanto outra noção. O termo grego encontra sua origem nos relatos sobre a deusa Δίκη, filha de Zeus e deusa da justiça, que, segundo Hesíodo, perseguia a injustiça por sobre a terra, punia os injustos e impunha equidade entre os homens. Em 943ª das Leis, Platão descreve esta deusa com o atributo da virgindade, pois sua justiça é de natureza incorruptível. Também em outros exemplos do direito clássico encontramos esta relação, não só do uso dos mesmos termos, mas propriamente da necessidade da justiça para a constituição do direito, como ao lermos o final do Livro II da República de Cícero: “sine summa iustitia rem publicam geri nullo modo posse”: sem a suprema justiça, a República não se pode realizar.

A justiça é alma e essência do direito natural e, à atividade dos juristas, a doutrina clássica atribui uma finalidade transcendente, a serviço da justiça. Tanto é assim que os dois exemplos citados por Villey são considerados pelos comentadores tanto como tratados da lei quanto como teorias da justiça. O Livro V da Ética Nicomaqueia nos desperta uma dúvida inicial: qual sentido de justiça equivale à noção de direito? Aristóteles inicia o trecho (1129ª27) mostrando que há vários significados para justiça e injustiça, pois estas podem ser ditas de vários modos. Quando os diferentes significados se dispersam em equívocos, eles não são imediatamente distinguíveis, como são as palavras equívocas de sentidos completamente distintos, por exemplo, a palavra designada para significar clavícula e chave no grego antigo:

ἔοικε δὲ πλεοναχῶς λέγεσθαι  δικαιοσύνη καὶ  ἀδικία,ἀλλὰ διὰ τὸ σύνεγγυς εἶναι τὴν ὁμωνυμίαν αὐτῶνλανθάνει καὶ οὐχ ὥσπερ ἐπὶ τῶν πόρρω δήλη μᾶλλον,(γὰρ διαφορὰ πολλὴ  κατὰ τὴν ἰδέαν) οἷον ὅτι καλεῖταικλεὶς ὁμωνύμως  τε ὑπὸ τὸν αὐχένα τῶν ζῴων καὶ  τὰςθύρας κλείουσιν. (Bywater)

Now ‘justice’ and ‘injustice’ seem to be ambiguous. But because the homonymy is close, it escapes notice and is not obvious as it is, comparatively, when the meaning are far apart, e.g. (for here the difference in outward form is great) as the homonymy in the use of kleis for the collar-bone of an animal and for that with which we lock a door”. (Barnes)

A partir deste alerta, Aristóteles faz uma distinção entre a justiça em sentido amplo (que é a equiparação do justo com o direito) e a justiça em sentido estrito (a equiparação do justo com a virtude do correto e do equitativo). E nossa primeira dúvida, sobre qual tipo de justiça se equipara com a letra da lei, ou seja, com a constituição escrita, à primeira vista parece ser respondida por este sentido primário, segundo o qual as pessoas que infringem as leis do direito, a constituição promulgada de um Estado, são consideradas injustas. O interesse de Aristóteles no livro V é, porém, fazer exame da segunda acepção de justiça, aquela que é uma parte da excelência moral, pois desde o livro IV vinha enumerando as outras virtudes humanas: a liberdade, a magnificência, a magnanimidade, a virtude que é meio termo entre os vícios de ambição e da negligência para com os bens, a jovialidade, a afabilidade, a sinceridade, a espirituosidade e o pudor. Aristóteles enxerga então uma subdivisão neste segundo sentido de justiça, chegando assim à ideia de justiça distributiva e de justiça corretiva. Por fim, passa a analisar os demais sentidos do termo: a justiça como reciprocidade, a justiça política e espécies análogas, justiça natural, justiça legal, além de apresentar uma escala dos graus de injustiça. Dedica o final das investigações do livro a questionar se se pode tratar alguém voluntariamente de modo injusto, se a culpa por injustiça na distribuição cabe a quem distribui ou se a culpa deve ser imputada a quem recebe, se é possível praticar injustiça consigo mesmo. A grande conclusão do tratado é que a prática da justiça é mais difícil do que se apresenta, por não se tratar de uma maneira de agir, mas de uma disposição íntima.

III – O LIVRO I DA POLÍTICA

Para compreendermos qual é a natureza desta justiça que se equipara com o direito em seu sentido mais ligado às constituições, é cabível lembrar que na Política Aristóteles faz um estudo das mesmas e este estudo é resultado da intelecção de uma relação causal entre a própria constituição material de um Estado e a sua constituição formal e escrita em modo de lei. Por isso olhemos com maior atenção o seu livro primeiro, considerado por tantos tão somente como um “tratado de economia doméstica” por quem deixa escapar que nele o Filósofo analisa as formas mais rudimentares da πόλις com o objetivo de depois explicitar esta relação causal entre as células constitutivas da πόλις e o seu todo.

No Capítulo I Aristóteles tem como pressuposto tácito – e, talvez, já demonstrado em suas Éticas ou em aulas precedentes a seus discípulos – que a πόλις é a mais elevada forma de comunidade e visa ao bem maior dos cidadãos. Mas este pressuposto é posto à prova durante o capítulo por seu método analítico, a partir do qual ele analisa a composição da cidade em seus elementos básicos e a finalidade destes elementos, de modo que a abstração das particularidades dos fins menores visados pelas partes leva o leitor a apreender o fim geral a que o todo visa. Por isso Aristóteles inicia um exame da comunidade doméstica, a família. No capítulo segundo ele toma como objeto de estudo a escravidão e questiona se ela é ou não natural, oferecendo objeções à naturalidade da escravidão e termina por mostrar como a arte de comandar escravos difere da arte de comandar pessoas livres. No capítulo terceiro, que é considerado um tratado econômico propriamente dito, Aristóteles investiga as riquezas e o modo de adquiri-las, defendendo que estas não devem ser adquiridas por si mesmas (tese elogiada por Marx no início do Capital), mostra a diferença entre o acúmulo de riquezas natural e o acúmulo de riquezas que é contrário à natureza e conclui com uma análise genética da origem da moeda. No capítulo quarto ele mostra que o acúmulo natural de riquezas é necessário à família e à cidade e mostra a importância das finanças no governo da cidade.

Ao último capítulo deste livro primeiro, Aristóteles analisa as relações entre marido e mulher e entre pais e filhos, e extrai disso prescrições de como deve ser a administração da comunidade doméstica. Examina também as qualidades morais nas pessoas livres e nos escravos, deixando claro que tais exames particulares devem levar à compreensão mais universal de como é e deve ser a disposição moral de um governante, dos súditos, como são e devem ser as constituições etc. Os capítulos que compõem o final do primeiro livro da Política nos permitem compreender a intenção de Aristóteles ao fazer uso de seu método analítico para decompor o Estado em suas partes mínimas e mostrar que a parte elementar do Estado não pode ser o indivíduo isolado, tal como T. Hobbes sugere no Leviatã. Um exemplo para explicar o argumento de Aristóteles é pensar que se eu disponho de um litro de água para analisar este composto em sua parte mais elementar, a decomposição química a ser feita não pode ir para além da fórmula H²O. Se, na análise, chego ao elemento hidrogênio, isolado do composto inicialmente analisado (água), é porque passei do limite da elementariedade do composto. De modo semelhante, Aristóteles quer analisar a πολιτεία grega e chegar às partes que, isoladas, ainda possuam as características essenciais do composto. Para isto, é necessário saber o que é o composto e por este motivo é que ele começa o livro oferecendo a definição de Estado, inserida nos seguintes argumentos:

Argumento 1)

P1: Toda comunidade visa a um bem;

P2: Toda cidade-estado é uma comunidade

.: Logo, toda cidade-estado visa a um bem

Argumento 2)

P1: O mais elevado visa a um bem mais elevado;

P2: A cidade-estado é a mais elevada forma de comunidade

.: Logo, a cidade-estado visa ao bem mais elevado

Nestes dois silogismos, Aristóteles apresenta uma definição preliminar de cidade-estado. Lembremos, das várias passagens da Metafísica, o enunciado “o ser se diz de vários modos”, e as várias outras, como a mais famosa dos Analíticos Posteriores, na qual ele diz que “conhecimento é conhecimento pelas causas”. Os vários modos de se dizer o ser, do ponto de vista da explicação do ser pelas suas causas, são os quatro recortes diferentes da realidade correspondentes às quatro causas: se eu digo que uma escrivaninha é um objeto de madeira, disse o que ela é em termos de causa material, mas várias outras coisas que não são escrivaninha e são também um objeto de madeira e, por isso, não se esgota a ideia de escrivaninha ao se fornecer a causa material. Tampouco se eu fornecer sua causa formal, dizendo que é um objeto de madeira com determinada disposição espacial, pelo mesmo motivo. Digo, então, que a escrivaninha passou por um certo processo de fabricação até chegar à loja e ser por mim adquirida com meu dinheiro, e por isso ela é um pertence meu, de modo que ofereci a causa eficiente (ao menos uma das causas eficientes) disto que eu digo ser uma escrivaninha. Mas também não basta, pois várias outras coisas são fruto do meu trabalho e não são escrivaninhas, de modo que, se quero oferecer uma definição essencial de algo, devo esgotar as causas necessárias e suficientes para que ele seja definido a ponto de não mais poder ser confundindo com outra essência. Dizer de uma escrivaninha qualquer que ela é, portanto, um objeto com uma superfície horizontal fabricada para se apoiar livros, cadernos entre outros objetos relacionados à atividade de leitura e escrita, é fornecer a definição que melhor a esgote. Objetos particulares (esta escrivaninha que tenho à minha frente) podem ser melhor descritos ao se fornecer conjuntamente todas as suas causas. Cabe lembrar aqui o trecho da Física em que Aristóteles define inclusive a própria causalidade:

“Uma coisa será chamada causa numa acepção se for um constituinte a partir do qual alguma coisa vem a existir (por exemplo, o bronze da estátua, a prata do cálice e seus gêneros); em outra acepção, se for a forma e o padrão, isto é, a fórmula de sua essência, e os gêneros desta (por exemplo, 2:1, e em geral o número, da oitava), e as partes presentes no relato; em outra ainda, se for a fonte do primeiro princípio da mudança ou do repouso (por exemplo, o homem que delibera é uma causa, e o pai da criança, e em geral aquele que faz aquilo que está mudando); e em mais uma acepção, se é uma espécie de meta – isto é, aquilo em busca de quê (por exemplo, a saúde da atividade física – Por que ele está se exercitando? – dizemos: “A fim de ser saudável”, e ao assim nos pronunciar julgamos ter enunciado a causa); e também todas as coisas que, quando alguma outra coisa as mudou, se acham entre o agente da mudança e a meta – por exemplo, o emagrecimento ou a purgação ou remédios ou instrumentos de saúde; porque todas essas coisas existem em função da busca da meta, diferindo entre si por serem algumas instrumentos e outras ações”. (Ph 194b23-195ª3)

Quais são, então, as causas da cidade-estado para que possamos decompô-lo em suas partes elementares sem que sua essência nos escape? No capítulo 1 é apresentada “a diferença específica da comunidade política em relação às outras formas de comunidades humanas mais restritas, principalmente a família”. Sabemos, a princípio, que a πόλις é uma comunidade, logo, a decomposição da πόλις que faremos deve chegar à comunidade mínima, ou seja, na relação entre duas pessoas, ou, como será explicado adiante, entre duas pessoas em algum aspecto diferentes. Francis Wolff, na obra “Aristóteles e a Política”, defende que uma das diferenças específicas entre a cidade-estado e as outras comunidades mais elementares é o fato dela possuir uma πολιτεία, ou seja, uma constituição ou regime político. Vejamos:

“[uma] ‘diferença’ da cidade em relação às outras comunidades: o fato de que ela tenha uma ‘constituição’, um ‘regime’ (em grego, πολιτεία). Ora, a πολιτεία de uma cidade é, como diz Aristóteles, ‘uma certa ordem (τάξις) instituída entre as pessoas que habitam a cidade (III 1, 1274b38). Em outros termos, é aquilo que organiza, estrutura e ordena as relações entre as partes da cidade, fazendo destas partes um todo, em suma, dando forma à matéria”vii

A ideia é condizente com o capítulo 1 da Política, no entanto Wolff se esquece de demarcar bem em que o fato da cidade-estado possuir uma πολιτεία difere das comunidades elementares. De fato, estas não possuem uma constituição, não cabe ao chefe da casa ou da aldeia promulgar positivamente leis, como faz o chefe do Estado. No entanto, há, sim, uma forma de organização política nas comunidades mais restritas, que não é uma πολιτεία, mas um ἀρχή, ou seja, um princípio interno ordenador, ou melhor, uma lei natural. Concordamos com Wolff, portanto, em dizer que a causa formal é diferente nas diferentes formas de comunidades que Aristóteles quer investigar, sendo a causa formal da cidade-estado a sua constituição (ou seja, a promulgação positiva de um regime político), enquanto que a causa formal das pequenas comunidades, como a família, é a lei que se baseia na natureza de quem legisla e de quem é legislado (senhor e escravo, homem e mulher, pai e filhos). Obviamente, se há uma promulgação de lei na cidade-estado e esta constitui sua causa formal, então aquele ou aqueles cuja responsabilidade é promulgar a lei se torna a causa eficiente da cidade. E o mesmo se sucede com o chefe da família ou aldeia, responsável por pôr em prática aquilo que a lei natural dispõe como tendência. As causas formal e eficiente, no entanto, não são suficientes para limitar a análise da cidade-estado à comunidade familiar, pois a própria constituição do indivíduo é, para Aristóteles, uma espécie de comunidade, que relaciona faculdades inferiores e superiores da alma.

Aristóteles precisa se valer, portanto, das outras causas para explicar por quê a célula elementar da πόλις é a relação entre dois indivíduos e não a própria constituição anímica individual. Por isto, no capítulo 2 é exposta “a maneira pela qual essa comunidade procede naturalmente das comunidades mais restritas e acaba por lhes atribuir um fim próprio: o bem, para além de uma sobrevivência confortável”viii. E fica claro, na célebre passagem onde Aristóteles define o ser humano como naturalmente um ser político, que uma sobrevivência confortável é causa final desta parte elementar da cidade-estado (que são as famílias e vilarejos, possíveis apenas a partir da associação humana) e que a cidade-estado possui uma característica específica que estas comunidades mais fundamentais não possuem, já exposta no segundo argumento e trabalhada novamente aqui: a cidade-estado visa o bem final, aquele a que todos os bens particulares buscados pelas comunidades restritas visam.

No capítulo 3, Aristóteles investiga, na célula elementar que serve de base para a cidade, a relação do senhor com sua domesticidade servil. Os capítulos de 4 a 6 são dedicados a demonstrar “o caráter, ora natural, ora convencional, da condição servil” para, no capítulo 7, afastar “das preocupações nobres do cidadão a tarefa de dirigir esse tipo de mão de obra”. Dos capítulos de 8 a 11, Aristóteles distingue um modo natural e limitado de adquirir riquezas (ligados à agricultura), de um modo não natural e ilimitado, favorecido pelo uso da moeda (ligado ao comércio). Richard Bodéus, na obra “Aristóteles, a Justiça e a Cidade”, reforça a ideia de que a principal preocupação de Aristóteles parece ser a de indicar até onde a riqueza, que não é um fim em si, é necessária para a cidade. Vamos investigar aqui qual é o valor filosófico dos capítulos 12 e 13 para a compreensão desta lei que se baseia na natureza dos legisladores e dos legislados, nos quais Aristóteles analisa, os outros membros da família, mulher e filhos, confiados à autoridade do senhor da casa.

III – ANÁLISE DE 1259a – 1260b

O precedente resumo do livro I teve um importante objetivo neste artigo, pois com ele vimos que o primeiro livro não se trata de apenas uma descrição especulativa das formas elementares de comunidade, ou seja, Aristóteles não se resume, nestas passagens, a tão somente descrever os fundamentos das comunidades familiares e das relações de poder entre senhor e servo, homem e mulher, pais e filhos. Vem de encontro ao nosso objetivo a advertência que Richard Bodéus faz, com a intenção de justamente propor uma visão geral do texto aqui trabalhado. Ele, após enumerar resumidamente todas as exposições presentes no livro I, adverte:

“O grau de detalhamento dessas exposições, mais ricas e desconcertantes do que parece aqui em seu resumo, fez com que o livro I fosse apresentado de bom grado como um ‘tratado de economia doméstica’. Esse tipo de apresentação é abusivo e mascara as preocupações de Aristóteles que sustentam, do início ao fim, as investigações efetuadas nesse livro. Essas preocupações estão ligadas a uma convicção global e muito profunda segundo a qual a economia, tão necessária para a política, no fundo não é objeto da própria política. Essa convicção é uma das mais significativas do pensamento aristotélico. Ela possui um alcance decisivo para apreciar os princípios mais fundamentais desse pensamento”. (BODÉUS, Richard. Aristóteles, a Justiça e a cidade).

Os capítulos 12 e 13 são um resumo do livro 1 e uma forma bastante didática do Filósofo apresentar exemplos concretos de uma realidade política que poderia parecer um pouco ideal, descolada da realidade, dado que havia no começo do livro aquela questão, em diálogo com As Leis de Platão, sobre a natureza do poder e se existiam ou não diferenças entre o poder que um patriarca exerce sobre sua família e o poder que um rei exerce sobre o reino e assim sucessivamente com cada forma de poder. Aristóteles o inicia, de fato, dizendo que a economia doméstica é composta de três partes: a ordem do senhor ao escravo; a ordem do marido à esposa e a ordem do pai aos filhos:

ἐπεὶ δὲ τρία μέρη τῆς οἰκονομικῆς ἦνἓν μὲν δεσποτικήπερὶ ἧς εἴρηται πρότερονἓν δὲ πατρική,τρίτον δὲ γαμική (καὶ γὰρ γυναικὸς ἄρχει καὶ τέκνωνὡς ἐλευθέρων [40] μὲν ἀμφοῖνοὐ τὸναὐτὸν δὲ τρόπον τῆς ἀρχῆςἀλλὰ γυναικὸς μὲν πολιτικῶς τέκνων δὲ βασιλικῶς:

“Acerca da economia doméstica nós vimos que nela há três partes – uma é a ordem do senhor para os servos, que já foi discutida, outra é a do pai e uma terceira a do marido. Um marido e pai, como vimos, ordena a mulher e as crianças, ambos livres, mas os ordenamentos são diferentes, sendo monárquica a ordem sobre as crianças e, sobre a esposa, uma ordem constitucional”.

Oἰκονομικῆς é um termo importante nos textos gregos e designa não somente o que nós compreendemos por administração de nossos bens de uso e consumo. É mais acertada a aproximação feita com o termo, um pouco já fora de uso, de “economia doméstica”, mas para compreendermos este nosso termo, é necessária à compreensão deste primeiro em grego. Ele aparece no Alcebíades, no Fedro, no Memorabilia do Xenofontes entre outros, e não se refere a um domínio privado que nada tem que ver com a vida pública e, por isso, política, Oἰκονομικῆς é sempre aplicado neste sentido de ser a atividade de cunho político exercida pelo homem grego livre nos domínios de suas propriedades.

[1259β] τό τε γὰρἄρρεν φύσει τοῦ θήλεος ἡγεμονικώτερονεἰ μή που συνέστηκε παρὰ φύσινκαὶ τὸ πρεσβύτερονκαὶ τέλειον τοῦ νεωτέρου καὶ ἀτελοῦς, ἐν  μὲν  οὖν  ταῖς  πολιτικαῖς  ἀρχαῖς ταῖς [5] πλείσταιςμεταβάλλει τὸ ἄρχον καὶ τὸ ἀρχόμενον (ἐξ ἴσου γὰρ εἶναι βούλεται τὴν φύσιν καὶ διαφέρεινμηδέν), ὅμως δέὅταν τὸ μὲν ἄρχῃ τὸ δ᾽ ἄρχηταιζητεῖ διαφορὰν εἶναι καὶ σχήμασι καὶ λόγοιςκαὶ τιμαῖςὥσπερ καὶ Ἄμασις εἶπε τὸν περὶ τοῦ ποδανιπτῆρος λόγοντὸ δ᾽ ἄρρεν ἀεὶ πρὸς [10] τὸθῆλυ τοῦτον ἔχει τὸν τρόπον δὲ τῶν τέκνων ἀρχὴ βασιλικήτὸ γὰρ γεννῆσαν καὶ κατὰ φιλίανἄρχον καὶ κατὰ πρεσβείαν ἐστίνὅπερ ἐστὶ βασιλικῆς εἶδος ἀρχῆςδιὸ καλῶς Ὅμηρος τὸν Δίαπροσηγόρευσεν εἰπὼνπατὴρ  ἀνδρῶν  τε  θεῶν τεHom. Il. 1.544

τὸν  βασιλέα  τούτων  ἁπάντων.  φύσει  γὰρ  [15]  τὸν  βασιλέα  διαφέρειν  μὲν  δεῖ,  τῷ  γένει  δ᾽ εἶναι  τὸναὐτόνὅπερ  πέπονθε  τὸ πρεσβύτερον  πρὸς  τὸ νεώτερον  καὶ   γεννήσας πρὸς τὸ τέκνον.

“A menos que haja exceções na ordem da natureza, o homem é naturalmente mais capacitado para ordenar que a mulher, assim como o idoso e experiente é superior ao jovem e imaturo. [5] Mas na maioria dos Estados constitucionais os cidadãos governam e são governados por turnos, pois as ideia de Estado Constitucional implica que a natureza dos cidadãos é igual e não difere em aspecto algum. No entanto, quando um governa e outros são governados, nós somos levados a criar uma diferença de apresentações, nomes e títulos de honra, o que pode ser ilustrado pelo dito de Amasis sobre sua bacia de lava-pés. A relação do homem com a mulher é sempre deste gênero. O ordenamento de um pai sobre suas crianças é monárquico, pois ele ordena em virtude do amor e do respeito à idade, exercendo o poder de um rei. Por este motivo Homero apropriadamente chamou a Zeus de “pai dos deuses e dos homens”, pois ele é rei de todos e porque um rei é por natureza superior aos seus súditos, mas ele deve ter o mesmo sangue ou etnia que eles, e assim é a relação do mais velho para com o mais jovem e do pai para com os filhos”.

Onde há uma πολιτεία, a igualdade política está implicada. Todas as diferenças, como os títulos de honra, são temporais e puramente oficiais. A referência feita aqui é à História de Heródoto, na qual o rei Amasis, vindo de origem não nobre, transformou uma bacia de lavar pés em uma estatua de um deus. “Assim como esta bacia se transformou em deus, eu me transformei em rei!”. A conexão é a seguinte: entre dois iguais, onde um legisla e outro é legislado, nós criamos uma distinção artificial em nomes e em títulos. Mas este não é o caso do marido e da esposa, pois a distinção entre eles existe e é permanente, ou seja, é segundo a natureza. O homem, por uma lei natural, é superior à mulher para ordenar, dada a hierarquia dos seres e o quanto que a mulher pode realizar da potência anímica humana em relação ao quanto que o homem o pode. Aristóteles lembra ainda que a menos que haja um acidente (no exemplo de São Tomás de Aquino no comentário à Política, aquilo que ocorre a homens efeminados, mas também poderíamos lembrar-nos de um acidente que ocorresse à mulher que optasse ou fosse fadada a não realizar a plenitude de sua natureza feminina e, portanto, não fosse naturalmente legislada por suas obrigações domésticas de procriação e cuidado com os filhos e com a casa), a relação entre um homem e uma mulher permanecerá a mesma, marido e esposa não mudarão de funções por turnos.

φανερὸν τοίνυν ὅτι πλείων  σπουδὴ τῆς οἰκονομίας περὶ τοὺς ἀνθρώπους  περὶ τὴν τῶν ἀψύχωνκτῆσινκαὶ [20] περὶ τὴν ἀρετὴν τούτων  περὶ τὴν τῆς κτήσεωςὃν καλοῦμεν πλοῦτονκαὶ τῶνἐλευθέρων μᾶλλον  δούλωνπρῶτον μὲν οὖν περὶ δούλων ἀπορήσειεν ἄν τιςπότερον ἔστινἀρετή τις δούλου παρὰ τὰς ὀργανικὰς καὶ διακονικὰς ἄλλη τιμιωτέρα τούτωνοἷον σωφροσύνηκαὶ ἀνδρεία καὶ δικαιοσύνη καὶ [25] τῶν ἄλλων τῶν τοιούτων ἕξεων οὐκ ἔστιν οὐδεμία παρὰτὰς σωματικὰς ὑπηρεσίας (ἔχει γὰρ ἀπορίαν ἀμφοτέρωςεἴτε γὰρ ἔστιντί διοίσουσι τῶνἐλευθέρωνεἴτε μὴ ἔστινὄντων ἀνθρώπων καὶ λόγου κοινωνούντων ἄτοπον). σχεδὸν δὲ ταὐτόνἐστι τὸ ζητούμενον καὶ περὶ γυναικὸς καὶ παιδός[30] πότερα καὶ τούτων εἰσὶν ἀρεταίκαὶ δεῖ τὴνγυναῖκα εἶναι σώφρονα καὶ ἀνδρείαν καὶ δικαίανκαὶ παῖς ἔστι καὶ ἀκόλαστος καὶ σώφρων οὔ;καθόλου δὴ τοῦτ᾽ ἐστὶν ἐπισκεπτέον περὶ ἀρχομένου φύσει καὶ ἄρχοντοςπότερον  αὐτὴ ἀρετὴ ἑτέραεἰ μὲν γὰρ δεῖ ἀμφοτέρους μετέχειν καλοκαγαθίας[35] διὰ τί τὸν μὲν ἄρχειν δέοι ἂν τὸν δὲἄρχεσθαι καθάπαξοὐδὲ γὰρ τῷ μᾶλλον καὶ ἧττον οἷόν τε διαφέρειντὸ μὲν γὰρ ἄρχεσθαι καὶἄρχειν εἴδει διαφέρειτὸ δὲ μᾶλλον καὶ ἧττον οὐδένεἰ δὲ τὸν μὲν δεῖ τὸν δὲ μήθαυμαστόνεἴτεγὰρ  ἄρχων μὴ ἔσται σώφρων καὶ δίκαιος[40] πῶς ἄρξει καλῶςεἴθ᾽  ἀρχόμενοςπῶςἀρχθήσεται καλῶς;ix

Por isto está claro que a economia doméstica visa mais aos homens do que à aquisição de coisas inanimadas; mais à excelência moral [virtude] que a excelência na prática de adquirir propriedade, quais chamamos de bens. Mais à excelência dos homens livres que dos servos. Uma questão precisa ser adicionada: se há alguma excelência qualquer num servo para além da excelência como instrumento e servo – se pode ter excelência moral [virtude] da temperança, coragem, justiça, e outras do gênero, ou servos possuem apenas a excelência dos serviços corporais. E, qualquer que seja a forma como respondamos a esta pergunta, uma dificuldade surge. Pois, se eles possuem excelência moral, em quê eles diferem do homem livre? Por outro lado, parece absurdo dizer que eles não possuem excelência moral, uma vez que são seres humanos e, por isso, dotados de um princípio racional. Uma questão semelhante surge acerca das mulheres e crianças, porque ambos são dotados de virtudes morais. Pode uma mulher ser temperante, ou corajosa ou justa e uma criança ser chamada de temperante ou intemperante ou não? Mas em geral nós podemos perguntar sobre o naturalmente governantes e sobre os naturalmente governados, se eles possuem o mesmo ou não no que diz respeito à excelência moral [virtude]. Pois, se sim, se uma alta excelência moral é requerida a ambos, por que um sempre deve sempre ordenar e outro sempre ser ordenado? Nós não podemos nem ao menos dizer que é uma questão de grau, pois a diferença entre quem ordena e quem é ordenado é de qualidade, não uma diferença de mais ou menos. Além do mais, quão estranha é a suposição de que um tenha e o outro não, pois e se o que ordena for intemperante e injusto, como poderá ordenar bem? E se o ordenado não possuir tais virtudes, como poderá obedecer bem?

A principal intenção da economia doméstica não é o acúmulo de propriedade, mas a educação moral dos participantes da família. O motivo disto é a hierarquia das finalidades: a propriedade é visada para o bem do homem e o homem visa à εὐδαιμονία.

 [1260α] ἀκόλαστος γὰρ ὢν καὶ δειλὸς οὐδὲν ποιήσει τῶν προσηκόντων.φανερὸν τοίνυν ὅτι ἀνάγκη μὲν μετέχειν ἀμφοτέρους ἀρετῆςταύτης δ᾽ εἶναι διαφοράς,(ὥσπερκαὶ  τῶν  φύσει  ἀρχομένων.  καὶ  τοῦτο  εὐθὺς  ὑφήγηται  τὰ περὶ τὴν  [5] ψυχήνἐν ταύτῃ  γάρ  ἐστιφύσει τὸ μὲν ἄρχον τὸ δ᾽ ἀρχόμενονὧν ἑτέραν φαμὲν εἶναι ἀρετήνοἷον τοῦ λόγον ἔχοντος καὶτοῦ ἀλόγουδῆλον τοίνυν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον ἔχει καὶ ἐπὶ τῶν ἄλλωνὥστε φύσει πλείω τὰἄρχοντα καὶ ἀρχόμεναἄλλον γὰρ τρόπον τὸ ἐλεύθερον τοῦ δούλου [10] ἄρχει καὶ τὸ ἄρρεν τοῦθήλεος καὶ ἀνὴρ παιδόςκαὶ πᾶσιν ἐνυπάρχει μὲν τὰ μόρια τῆς ψυχῆςἀλλ᾽ ἐνυπάρχειδιαφερόντως μὲν γὰρ δοῦλος ὅλως οὐκ ἔχει τὸ βουλευτικόντὸ δὲ θῆλυ ἔχει μένἀλλ᾽ ἄκυρονδὲ παῖς ἔχει μένἀλλ᾽ ἀτελές[15] διὸ τὸν μὲν ἄρχοντα τελέαν ἔχειν δεῖ τὴν διανοητικὴν ἀρετήντὸ γὰρ ἔργον ἐστὶν ἁπλῶς τοῦ ἀρχιτέκτονος δὲ λόγος ἀρχιτέκτων), τῶν δ᾽ ἄλλων ἕκαστονὅσον ἐπιβάλλει αὐτοῖςὁμοίως τοίνυν ἀναγκαίως ἔχειν καὶ περὶ τὰς ἠθικὰς ἀρετὰς ὑποληπτέον,δεῖν μὲν μετέχειν πάνταςἀλλ᾽ οὐ τὸν αὐτὸν

“Se ele for libidinoso ou covarde, ele certamente não fará o que lhe foi estabelecido. Fica claro, portanto, que ambos têm de ter uma cota de virtudes, mas variando acerca dos objetos assim como varia entre eles mesmos. Aqui, a própria constituição da alma nos mostra o caminho. Nela, uma parte naturalmente ordena e outra naturalmente é ordenada – a primeira sendo a potência racional e a outra sendo a parte irracional. Agora é óbvio que o mesmo princípio se aplica genericamente, e, portanto, todas as coisas ordenam e são ordenadas de acordo com a natureza. Mas o tipo de leis difere: o senhor ordena o servo de modo diferente que o marido ordena a esposa e o pai ordena o filho. E, mesmo que as partes da alma estejam presentes em todos eles, elas estão presentes em graus diferentes. O servo não dispõem de sua faculdade deliberativa. A mulher dispõe, mas sem autoridade. E a criança dispõe, mas de maneira ainda prematura. Então é necessário supor o mesmo para as excelências morais, todas [as virtudes] participam deles, mas apenas do modo e grau que forem necessárias para o cumprimento de suas funções. Disto, o que ordena deve ter excelência moral em grau de perfeição, pois sua função, tomada em absoluto, demanda uma liderança máxima e a razão é esta liderança. Aos ordenados por outro lado, requer-se apenas a medida da excelência moral própria de cada um”.

A passagem que diz “a própria constituição da alma nos mostra o caminho” é uma passagem famosa por ser causa de muita contradição entre os tradutores e comentadores de Aristóteles. A leitura de comum acordo remete a São Tomás, com a ideia de que há uma regra, uma normatividade em relação a superioridade e inferioridade, não apenas nos estados, mas na própria constituição anímica. O verbo ὑφήγηται  nesta passagem é traduzido por Bonitz assim: “e esta diferença é indicada na alma”. A discussão aqui é para saber se a diferença está na alma ou se, o que se quer dizer no texto é que a alma indica esta diferença. Mas, se for este segundo caso, temos que submetê-lo à teoria da causalidade e nos questionar o que, na alma, tem a potência de indicar esta diferença, senão uma própria diferença na constituição da alma. Comenta São Tomás que é necessário que tanto o que governa quando o que é governado participem da virtude. De outro modo, nem o primeiro ordenaria corretamente, nem o outro obedeceria. A diferença na virtude de ambos está manifesta nas coisas que, por natureza, submetem-se a outras. Como é o caso da alma, onde a parte racional governa o apetite irascível e concupiscível. Cada uma destas partes da alma tem sua própria virtude, diferente uma da outra. “A virtude da parte racional é a prudência, enquanto que a virtude da parte irracional é a temperança, a fortaleza e outras virtudes semelhantes”

[20] τρόπονἀλλ᾽ ὅσον ἑκάστῳ πρὸς τὸ αὑτοῦ ἔργον.ὥστε φανερὸν ὅτι ἔστιν ἠθικὴ ἀρετὴ τῶν εἰρημένων πάντωνκαὶ οὐχ  αὐτὴ σωφροσύνη γυναικὸςκαὶ ἀνδρόςοὐδ᾽ ἀνδρεία καὶ δικαιοσύνηκαθάπερ ᾤετο Σωκράτηςἀλλ᾽  μὲν ἀρχικὴ ἀνδρεία δ᾽ ὑπηρετικήὁμοίως δ᾽ ἔχει καὶ περὶ τὰς ἄλλας. δῆλον  δὲ  τοῦτο  καὶ  κατὰ  μέρος  μᾶλλον  [25] ἐπισκοποῦσιν:  καθόλου  γὰρ  οἱ λέγοντες  ἐξαπατῶσινἑαυτοὺς  ὅτι τὸ εὖ ἔχειν τὴν ψυχὴν  ἀρετή τὸ  ὀρθοπραγεῖν τι τῶν τοιούτωνπολὺ γὰρ ἄμεινονλέγουσιν οἱ ἐξαριθμοῦντες τὰς ἀρετάςὥσπερ Γοργίαςτῶν οὕτως ὁριζομένωνδιὸ δεῖὥσπερ ποιητὴς εἴρηκε περὶ γυναικόςοὕτω νομίζειν ἔχειν [30] περὶ πάντων: “γυναικὶ κόσμον  σιγὴ φέρει,” Soph. Aj. 293

ἀλλ᾽ ἀνδρὶ οὐκέτι τοῦτοἐπεὶ δ᾽  παῖς ἀτελήςδῆλον ὅτι τούτου μὲν καὶ [32]  ἀρετὴ  οὐκ  αὐτοῦπρὸς αὑτόν ἐστινἀλλὰ πρὸς τὸ τέλος καὶ τὸν ἡγούμενονὁμοίως δὲ καὶ δούλου πρὸς δεσπότην.

Fica claro, então, que a excelência moral pertence a todos, mas a temperança de um homem e de uma mulher, ou a coragem e justiça, não são, como Sócrates julgava, as mesmas. A coragem de uma homem é manifestada no comando, enquanto que a de uma mulher, na obediência. E isto ampara todas as outras virtudes, como fica mais evidente se olharmos para cada uma em detalhes, pois aqueles que dizem genericamente que a virtude consiste em uma boa disposição da alma, ou em fazer o correto, ou coisa que o valha, apenas iludem a si mesmos. Melhor que estas definições foi o modo de falar daquele que, como Górgias, enumerou as diferentes virtudes. Todas as classes demandam seus atributos especiais, bem como disse o poeta sobre as mulheres: “O silêncio é a glória da mulher”, mas não é, igualmente, a glória do homem. A criança é imperfeita, e portanto é óbvio que sua virtude não é relativa a si mesma sozinha, mas sim a um homem perfeito e ao seu preceptor. E de modo semelhante é o servo em relação ao seu senhor.

No Menon de Platão, Sócrates defende a necessidade de alguma definição geral de virtude contra Górgias que, incapaz de apreender as ideias gerais, confunde o todo das virtudes com suas partes. (O Teeteto no começo do diálogo também não consegue abstrair o desenho que faz diante de Sócrates para fornecer uma explicação genérica da geometria). O Sócrates de Platão faz algo que Aristóteles está buscando a permissão lógica de fazer: defender que há uma ideia comum de virtude. Este Górgias, sofista e na infância da filosofia, é incapaz de compreender esta ideia geral e consegue apenas a enumeração avulsa de cada virtude. A tendência do texto aristotélico de se referir a Platão, pois a citação de Górgias e a oposição entre a ideia geral de virtudes e as virtudes particulares são prova suficientes de que o texto aqui se refere ao Menon.

ἔθεμεν δὲ πρὸς τἀναγκαῖα χρήσιμον εἶναι τὸν δοῦλονὥστε δῆλον ὅτι καὶ ἀρετῆς δεῖται μικρᾶς,καὶ τοσαύτης ὅπως μήτε δι᾽ ἀκολασίαν μήτε διὰ δειλίαν ἐλλείψῃ τῶν ἔργωνἀπορήσειε δ᾽ ἄν τις,τὸ νῦν εἰρημένον εἰ ἀληθέςἆρα καὶ τοὺς τεχνίτας δεήσει ἔχειν ἀρετήνπολλάκις γὰρ δι᾽ἀκολασίαν ἐλλείπουσι τῶν ἔργων διαφέρει τοῦτο πλεῖστον μὲν γὰρ [40] δοῦλος κοινωνὸςζωῆς δὲ πορρώτερονκαὶ τοσοῦτον ἐπιβάλλει ἀρετῆς ὅσον περ καὶ δουλείας:

Nós determinamos que o servo age em vistas da preservação da vida e, por isso, ele obviamente há de requerer o tanto de virtude que o preserve de cair na preguiça ou de perder o autocontrole. Alguém haverá de questionar se, se o que estamos dizendo é verdade, a virtude será também requerida nos trabalhadores livres, para que também não se distraiam de suas ocupações pela perda de autocontrole. Mas não há uma grande diferença nos dois casos? Pois o servo participa da vida de seu senhor, enquanto que o trabalhador livre é menos achegado a ele e apenas adquire virtude à medida em que se torna um servo.

 [1260β]  γὰρβάναυσος τεχνίτης ἀφωρισμένην τινὰ ἔχει δουλείανκαὶ  μὲν δοῦλος τῶν φύσεισκυτοτόμος δ᾽οὐθείςοὐδὲ τῶν ἄλλων τεχνιτῶνφανερὸν τοίνυν ὅτι τῆς τοιαύτης ἀρετῆς αἴτιον εἶναι δεῖ τῷδούλῳ τὸν δεσπότηνἀλλ᾽ οὐ τὴν διδασκαλικὴν ἔχοντα τῶν [5] ἔργων δεσποτικήνδιὸ λέγουσινοὐ καλῶς οἱ λόγου τοὺς δούλους ἀποστεροῦντες καὶ φάσκοντες ἐπιτάξει χρῆσθαι μόνον:νουθετητέον γὰρ μᾶλλον τοὺς δούλους  τοὺς παῖδας. ἀλλὰ  περὶ  μὲν τούτων διωρίσθω τὸν τρόπον τοῦτονπερὶ δ᾽ ἀνδρὸς καὶ γυναικόςκαὶ τέκνων καὶπατρόςτῆς τε περὶ

Um servo o é por natureza, e o mesmo não se pode dizer de um sapateiro ou de outro trabalhador livre. Está claro, portanto, que o senhor é a origem da virtude do servo, e não apenas um mero possuidor da técnica de como treinar servos em suas funções. Por isso é que estão enganados os que se esquecem de conversar com os servos e dizem que devemos apenas lhes dar ordens, pois os servos precisam de mais admoestações que as crianças.

Não se pode dizer o mesmo de um sapateiro ou de qualquer outro trabalhador livre (que é artesão), pois toda arte, toda τεχνῆ, foi descoberta pela razão, enquanto que o trabalho servil foi colocado pela natureza. O argumento que opera aqui se relaciona com a passagem da Ética que mostra que nós possuímos uma inclinação natural à virtude. Sendo o trabalho servil um trabalho natural, requer-se virtude moral para bem executá-lo.

[10] ἕκαστον αὐτῶν ἀρετῆς καὶ τῆς πρὸς σφᾶς αὐτοὺς ὁμιλίαςτί τὸ καλῶς καὶμὴ καλῶς ἐστικαὶ πῶς δεῖ τὸ μὲν εὖ διώκειν τὸ δὲ κακῶς φεύγεινἐν τοῖς περὶ τὰς πολιτείαςἀναγκαῖον ἐπελθεῖνἐπεὶ γὰρ οἰκία μὲν πᾶσα μέρος πόλεωςταῦτα δ᾽ οἰκίαςτὴν δὲ τοῦ μέρουςπρὸς τὴν τοῦ ὅλου δεῖ βλέπειν [15] ἀρετήνἀναγκαῖον πρὸς τὴν πολιτείαν βλέποντας παιδεύεινκαὶ τοὺς παῖδας καὶ τὰς γυναῖκαςεἴπερ τι διαφέρει πρὸς τὸ τὴν πόλιν εἶναι σπουδαίαν καὶ τὸτοὺς παῖδας εἶναι σπουδαίους καὶ τὰς γυναῖκας σπουδαίαςἀναγκαῖον δὲ διαφέρειναἱ μὲν γὰργυναῖκες ἥμισυ μέρος τῶν ἐλευθέρωνἐκ δὲ τῶν παίδων οἱ [20] κοινωνοὶ γίνονται τῆς πολιτείας.ὥστ᾽ἐπεὶ περὶ μὲν τούτων διώρισταιπερὶ δὲ τῶν λοιπῶν ἐν ἄλλοις λεκτέονἀφέντες ὡς τέλοςἔχοντας τοὺς νῦν λόγουςἄλλην ἀρχὴν ποιησάμενοι λέγωμενκαὶ πρῶτον ἐπισκεψώμεθα περὶτῶν ἀποφηναμένων περὶ τῆς πολιτείας τῆς ἀρίστης.

Dizemos muito para este assunto. As relações entre marido e esposa, pai e filhos, suas virtudes próprias, o que em seu intercâmbio com os outros é bom e o que é mal, e como nós podemos perseguir o bem e evitar o mal, nós iremos discutir quando nós falarmos das diferentes formas de governo. Pois, na medida em que cada família é uma parte do estado, e estas relações são parte da família, e a excelência da parte deve conduzir à excelência do todo, mulheres e crianças devem ser treinadas, por meio da educação, com um olho na constituição, se a virtude deles supostamente faz alguma diferença na virtude do Estado. E necessariamente faz: porque as crianças crescerão e se tornarão cidadãos, e metade das pessoas livres em um estado são mulheres. Sobre este assunto, já dizemos o bastante. Sobre o que falta, falaremos em outra hora. Considero, portanto, nossa investigação presente concluída. Nós faremos um novo começo. E, em primeiro lugar, vamos examinar as várias teorias de um estado perfeito.

Há de se tomar muito cuidado, por fim, ao se atribuir um “direito natural” a Aristóteles, pois este direito natural não é uma ideia criada para se contrapor à ideia de um direito positivo como convenção, assim como é feito em seguimentos do jusnaturalismo moderno. Para Aristóteles, toda lei, promulgada em forma de πολιτεία ou conduzida no interior de uma aldeia ou família, é natural desde que vise o bem a que visam aqueles que a ela estão submetidos, pois o conceito de natureza aqui usado refere-se a finalidade, ou, usando um equivalente agostiniano, a bem. Não haveria outro direito que não fosse natural e tudo o que atenta contra a natureza é injusto. Para Aristóteles, a justiça possui uma anterioridade ontológica ao direito e, correlativamente, a noção de justiça uma anterioridade lógica à noção de direito.

NOTAS:

i Optamos pelo termo “direito natural” como uso amplo, não determinado, deixando a expressão “lei natural” para usos mais específicos no interior das análises das obras, prevendo que, por exemplo, nas traduções para o português de São Tomás o uso de “lei natural” restringe-se à parte do direito natural destinada à participação do homem naquilo que se chama lei Eterna (cf. Tratado da Lei, edições Loyola). Outras precauções foram tomadas tendo em vista a concordância com os termos técnicos mais usados pelos comentadores aqui citados.

ii CAMBRAIA, C. N.  Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 1.

iii LAUSBERG, H. Linguística Românica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981. PP. 21-22.

iv A crítica de Villey a Kelsen é desenvolvida na obra “Questões de Tomás de Aquino Sobre o Direito e Política”, numa parte dedicada a expor os três argumentos mais usados por Kelsen: a falácia naturalista, a ausência de concordância sobre direito natural e a necessidade da existência do direito positivo. A tese de Villey é que, entre os tantos direitos naturais, o verdadeiro não é atingido por estes argumentos. Agradeço ao amigo Bruno Zampier pela referência.

v “La form premiére et authentique du droit naturel doit être directement cherchèe chez ses inventeurs; Aritote, pére de la douctrine, ou Saint-Thomas, qui le couronne d’une théologie, mais pour le reste est son merveilleux interprète”. VILLEY, M. “Abrégé Du Droit Naturel Classique”, in Archives de Philosophie Du Droit.

vi Aproprio-me aqui de um termo técnico muito usado nos cursos de História da Filosofia do grande professor Rodrigo Brandão.

vii WOLFF, Francis. Aristóteles e a Política. Discurso Editorial. São Paulo, 1999.

viii BODÉUS, idem. P. 22.

ix Aristotle. ed. W. D. Ross, Aristotle’s Politica. Oxford, Clarendon Press. 1957. A tradução que segue o texto é própria, feita com base no dicionário Perseus e comparada com a versão americana de Barnes, 1985.

BIBLIOGRAFIA:

ARISTOTLE. The Complete Works. Org. Barnes. Princeton University Press.

_________ Política. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: UnB, 1997.

_________ Ética a Nicômacos. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: UnB, 1992.

_________Ética a Nicômaco. Trad. António de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009.

_________ ed. J. Bywater, Aristotle’s Ethica Nicomachea. Oxford, Clarendon Press. 1894.

BODÉUS, Richard. Aristóteles, a Justiça e a Cidade. Edições Loyola. São Paulo, 2007.

AQUINO, São Tomás. Org. O.P. Condensado de Santo Tomás de Aquino e Pedro de Alvérnia à Política de Aristóteles. Disponível em: http://www.documenta-catholica.eu/

WOLFF, Francis. Aristóteles e a Política. Discurso Editorial. São Paulo, 1999.

Heloísa Gusmão é graduanda em Filosofia pela UFPR e é membro do Instituto de Formação e Educação do Paraná (IFE-PR).

Texto publicado no site da revista-livro do Instituto de Formação e Educação (IFE), Dicta&Contradicta, em 24 de Outubro de 2015, disponível [online] em <http://www.dicta.com.br/reflexoes-sobre-o-direto-natural-de-aristoteles/> Acesso em 08/12/2015.




4º SEMINÁRIO IFE/ACL - ÉTICA E EDUCAÇÃO - SÁB. 05/DEZ 14H00


4º SEMINÁRIO IFE - ARTE EVENTO FB - prorrogPrezados(as), as inscrições para nosso próximo Seminário IFE/ACL foram prorrogadas até 18h00 desta sexta-feira, 04/12, porém, como ainda há vagas, sua inscrição pode ser feita no momento do evento. Segue programação abaixo.

4º SEMINÁRIO IFE CAMPINAS/ACL

ÉTICA E EDUCAÇÃO :: 05/DEZ/2015 :: SÁBADO :: 14H00

[INSCRIÇÕES ABERTAS]

PALESTRAS:**

COFFEE BREAK: 15h30

LOCAL:
Academia Campinense de Letras
Rua Marechal Deodoro, 525 – Centro, Campinas – SP

INSCRIÇÕES:
Entrada Franca.
Inscrições PRORROGADAS ATÉ ÀS 18H00 DE 04/12/2015 neste link: http://goo.gl/forms/rSbBHPNShu
Dúvidas? Contate-nos através deste site clicando no ícone “Contato” (canto superior direito)

REALIZAÇÃO: IFE CAMPINAS
PARCERIA: ACADEMIA CAMPINENSE DE LETRAS

APOIO:
ANUBRA/BRASIL
FÓRUM DAS AMÉRICAS

** Ao final de cada palestra haverá 10min. para perguntas e respostas.

*** No anúncio da versão impressa dessa 4º edição dos Seminários IFE/ACL, a primeira palestra seria do Prof. Dr. Fernando Abrahão, intitulada “A ÉTICA NA PRESERVAÇÃO E NO ACESSO AO PATRIMÔNIO DOCUMENTAL BRASILEIRO”. Infelizmente, por razões imprevistas, o Prof. Fernando não poderá comparecer. Para substituí-lo, fomos agraciados com o gentil aceite da Dra. Tereza Asta Gemignani.

Anúncio já atualizado, conforme postagens anteriores:

4º SEMINÁRIO IFE CAMPINAS-A5 - site - prorrog Clique aqui para visualizar a imagem em tamanho maior, ou, para baixar o .pdf dela, clique aqui.