Assédio e amor


Outro dia, enquanto entregava as redações para os alunos, ouvi uma estudante contar a outra uma história de balada. Dizia a jovem que meninos puxavam as garotas pelos cabelos na expectativa de algum contato. Perguntei se era um jeito novo de paquera. Ela respondeu, não sem certa indignação, que sim.

Nem tive tempo de exclamar “no meu tempo não era assim”. Veio-me à memória um episódio da minha adolescência. Falamos, portanto, do início dos anos noventa. Em uma casa noturna, os meninos faziam um corredor em locais estratégicos nos quais elas passavam. Alisavam os cabelos delas, puxavam-nas pelo braço. E tudo isso era paquera. Alguns podem dizer que se trata de uma volta ao tempo das cavernas. Porém, duvido que algum arqueólogo possa nos contar como era o flerte em épocas tão remotas…

Também sou da época em que ficar era algo normal. Lembro-me de não gostar desse tipo de relacionamento. Achava o namoro algo muito mais interessante do que a conquista de uma noite. Contudo, foi só uns anos mais tarde que consegui dar o meu grito de independência e afirmar: “Sou homem para casar. De agora em diante, não fico com mais ninguém.” Ou melhor, se ficasse, seria com o intuito de não largar mais. Não foi fácil, pois a mentalidade das relações descartáveis já me impregnara. Além disso, encontrar outra pessoa com o mesmo ideal era bem difícil.

Para ser sincero, não me surpreende o crescimento dos casos de assédio. É uma consequência direta de se tratar o desejo com desdém e as pessoas como veículos de boas sensações. Ora, o desejo sexual é o desejo por uma pessoa. Como bem nota o filósofo Roger Scruton, ele se dá por um olhar interessado: “É o olhar de interesse sexual que precipita o movimento da alma, pelo qual duas pessoas saem da multidão em que estão presentes, ligados por um conhecimento que não pode ser expresso em palavras, e oferecem um ao outro uma comunicação silenciosa que ignora tudo, a não ser eles mesmos”. Significa, portanto, que essa pessoa se distingue para mim entre tantos e que indico ter propósitos para ela, continua o autor.

Pela sua natureza, o desejo sexual visa a um compromisso existencial. Quando não se puxa os cabelos, mas se olha para a outra pessoa, ela ganha uma singularidade que não vejo em mais ninguém, apenas no ser que é o centro das minhas atenções. No momento em que transformo essa pessoa em uma conquista, em uma demonstração de poder, em alguém cuja vontade pouco importa, a relação acontece no campo da utilidade. É a mesma relação que temos com as coisas.

Hoje já não se fala mais “ficar” com alguém. O verbo dava uma impressão de certa continuidade, deixava aberta a possibilidade a outras “ficadas”, o que poderia redundar em namoro. Tudo na condicional, o que já demonstrava uma clara intenção de não se comprometer. Os jovens dizem “pegar”, no sentido de agarrar-se com alguém. Substituem a famosa frase “é pegar ou largar”, por “é pegar e largar”, para depois pegar e largar, e assim sucessivamente. Parece picuinha analisar os termos ou gírias que cada geração utiliza para as suas relações, contudo as palavras mostram o nosso pensamento. Nesse caso, a maneira como os jovens encaram as relações.

Temo que nesse “pegar” resida uma carência. O que a nossa geração deixou de herança para eles? Relações desfeitas, amores provisórios, que, não raras vezes, lhes causaram grandes feridas. O que eles não sabem é que essas relações esporádicas apenas agravam o seu sofrimento. Além disso, pode impedi-los de viver um grande amor. Por quê? Porque o amor exige tempo. A paixão idealiza; busca igualar o desejo que sinto por uma pessoa com as pretensas qualidades que ela possui. Os anos de convivência com outro ser nos conduzem a uma visão mais equilibrada, verdadeira e, portanto, a um amor mais profundo, porque já não tem origem na nossa idealização, e sim em quem a pessoa é. Ficar ou pegar é para imaturos, tanto faz a idade; já o amor é para gente grande, moralmente falando.

Eduardo Gama é professor, membro do IFE-Campinas e mestre em Literatura pela USP.

Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 17/07/2018, Página A-2, Opinião.