Todos desejamos ser alegres. Salvo casos patológicos ou quem faça da acédia seu modo de vida. Todos queremos que a alegria se incorpore em cada um de nós, a ponto de afirmar que almejamos amar de alegria, cantar de alegria, rir de alegria e até mesmo chorar de alegria. Como conseguir a alegria? Foi a pergunta que recebi de um de meus filhos e tentarei aqui respondê-la. Socraticamente. Em outras palavras, devolvendo a hesitação de maneira qualificada.
De onde provém a alegria? Como é possível que comece tão efusivamente e desfaça-se tão rapidamente? Qualquer efusividade futebolística ou etílica consiste numa alegria verdadeira? Ou é uma alegria estritamente “fisiológica”? Como fazer para nunca perder um estado de alegria?
Não é muito fácil responder tais perguntas, porque a alegria, a partir de nossa experiência e intuição, parece ter uma natureza muito peculiar. Se alguém pretende ganhar dinheiro, trabalhar será a solução ordinária. Se alguém pretende aprender história, estudar ainda é a melhor via. Se alguém quer encontrar um bom emprego, qualificar-se profissionalmente ajuda bastante nesse desiderato. Mas se um indivíduo nos questiona como meu filho fez, ficamos perdidos na resposta: não adiante sugerir que se esforce, até porque nem sequer se sabe por onde começar a se esforçar.
Segundo nossa vivência, a alegria parece ser o resultado de uma maneira de viver do que propriamente seu motor principal. É um efeito de nossas disposições anteriores e não sua causa. O reflexo de um íntimo ajustamento pessoal. Como a dor é o sinal de um estado patológico, a alegria é indicativo de um estado de plenitude vital. Recordo-me de Bergson: a natureza avisa-nos por um sinal preciso que nosso destino está alcançado. Esse sinal é a alegria. Onde há alegria, há realização.
Mas que tipo de realização? A realização de nossa sede de felicidade. Analogicamente, diria que a alegria é como uma antena parabólica que se põe em movimento quando se percebe, por uma convicção muito particular, que estamos dirigindo-nos para o centro gravitacional de nossa existência, a busca pela felicidade. E não é necessário que se esteja na posse real dessa felicidade: basta ter a expectativa real de se estar no caminho certo.
A tragédia vital consiste precisamente em se desistir de procurar a alegria ou procurá-la onde ela não está. Como ouvi, outro dia desses, ceticamente, de um amigo acadêmico, já octogenário: todos tentamos tornar nossa vida feliz, mas terminamos simplesmente resignando-nos a suportá-la. Tal afirmação mais se assemelha com uma longa travessia a pé no deserto.
O caminhante, cansado e faminto, vê adiante uma fonte de águas cristalinas, cercada por frondosas árvores que fornecem uma sombra revigorante. Anima-se e as forças extras despertam. Avivam-se os passos, antes cambaleantes, mas, à medida em que se avança, ele vai compreendendo que tudo não passava de uma miragem. Então, não tem mais qualquer motivação para se continuar na travessia e o desânimo toma forma e o absorve por completo.
Assim, cada um de nós, caminhantes dos desertos da vida, podemos ser enganados pelos oásis do ceticismo, das euforias fisiológicas e de situações que mais parecem o mito do eterno retorno, só que um retorno ao negativo ponto de partida existencial.
O mundo ainda não acabou, porque sabe rir. Se meu filho ainda não se convencer, apesar do teor dessas linhas, termino conforme prometido: que tal, nessa virada de ano, rir um pouco? Quem sabe isso possa despertar o sentido mais profundo da alegria e motivá-lo à busca por uma vivência que sacie nossa sede numa fonte verdadeira.
Desejo aos leitores um novo ano repleto de boas realizações. A alegria, então, virá por acréscimo. No meu caso, seguramente, isso significa estar sempre em companhia dos livros, que são meu último reduto em busca de uma vida ainda não alegremente vivida: tal como os mendigos das cercanias da universidade de Oxford, sempre bêbados e agarrados aos opúsculos. Com respeito à divergência, é o que penso. Por fim, lembro ao leitor que o colunista merece umas férias e a coluna regressa apenas em fevereiro.
André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, pesquisador, professor, coordenador do IFE Campinas e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com).
Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 23/12/2015, Página A-2, Opinião.