Alberto Da Veiga Guignard – O Poeta Das Tintas

Artes | 18/08/2014 | | IFE CAMPINAS

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Fonte: http://www.pinturasemtela.com.br/alberto-da-veiga-guignard-pintor-brasileiro/

 

Alberto da Veiga Guignard, carioca de nascimento, viveu os anos mais importantes e produtivos de sua vida em Belo Horizonte, MG, com contínuas viagens às cidades históricas deste Estado. Foi mestre de importantes nomes da arte moderna brasileira como Iberê Camargo, Lygia Clark, Amilcar de Castro, Farnese de Andrade e outros.

Relevantes foram os fatores e acontecimentos que envolveram a permanência do artista na Capital e cidades históricas mineiras, para uma melhor e mais profunda compreensão da grandeza e singularidade de sua obra como um todo, mas especialmente no que tange à sua temática paisagística e religiosa. Entretanto, para além da experiência com o barroco mineiro, a obra de Guignard sofre viva influência dos anos de estudo na Europa em que pôde ver de perto tanto grandes obras clássicas como as modernas: da perspectiva de Da Vinci às “distorções” do Expressionismo Alemão de Munch.

Infelizmente, como acontece em tantas e tantas vezes, a obra deste excepcional artista só tem sido devidamente reconhecida nos últimos 25 anos. Mesmo artistas e críticos de seu tempo demoraram em degluti-lo e aceitar o caráter verdadeiramente moderno de sua obra, simplesmente por se fecharem em seus esquemas ideológico-valorativos parciais, não admitindo que outros modos criativos, outras formas e idéias pudessem caber no que “eles” haviam determinado e proclamado como “moderno no Brasil” – refiro-me especificamente aos chamados artistas, críticos e literários modernistas – logo “eles” que insistiram tanto em “libertar” as artes brasileiras das amarras formais dos  “modos parnasianos”: armaram outra “armadura” para quebrar a antiga…!

Um comentário de Marcos Rodrigues Aulicino em sua tese de doutorado utilizando-se de uma citação de Amilcar de Castro exemplifica e fundamenta a minha “crítica” da crítica moderna assim arriscada:

“Muitas vezes esta elaboração espacial de Guignard foi identificada com a autonomia da linguagem plástica alcançada pelo pintor, questão esta que problematizamos ao discutir a crítica dos anos 80 e 90 e a construção de um lugar “à margem” do modernismo oficial, reservada a este pintor, legitimando-o como verdadeiramente moderno, pois distante das filiações literárias. Em tal leitura algo da pintura de Guignard se perde, algo que está num conluio com a imaginação poética. Discutiremos nas paisagens “imaginantes” outras categorias interpretativas. ‘Olhar e ver a dança das cores  ritmo do mundo. Cor é emoção e pensamento descoberta e procura  certeza e espanto  fundamento e caminho.  E caminhar com as cores é testemunhar com o silêncio da luz. Cor não existe uma.  E muitas  quanto uma sustenta a outra  todas solidárias tramam intrigam  comprometem o tempo e o espaço no lugar  onde a beleza acabou de nascer verdade. E assim esse pintor poeta fundou.Ouro Preto em cor.  Grande Mestre (CASTRO, 1992, p.22-23).”

 A história deste grande artista foi permeada do início ao fim por tristes intervenções humanas que, qual tintas sombrias numa paisagem luminosa de verão, vão dando relevo e profundidade ao grande quadro que foi sua própria vida. Assim, se por um lado a vida imita a arte, não deixa de ser também verdade que a arte, mais do que a “imitação” da vida, é o fenômeno da sua recriação ou releitura pelo artista.

Por este prisma entendo estas mesmas tristes circunstâncias que a liberdade mal administrada de outros homens provocou na história de Guignard, como fatores decisivos para o seu amadurecimento pessoal e artístico – assim como o de sua obra como um todo – cunhando em sua personalidade – como também em sua obra – um caráter teimosamente autêntico e livre que em última instância fizeram dele o gênio incomparável, inovador e singularíssimo que foi.  Por outro lado, ainda, graças a este mergulho estilístico independente possibilitado por seu modo sereno e forte de enfrentar as contínuas adversidades,  é que sua obra, de tão singular que é, passa a ser também universal.

Guignard começou seu namoro com Minas bem antes de sua mudança para Belo Horizonte, conforme comenta Marcos Rodrigues Aulicino em sua tese de doutorado:

“Viajou para Minas Gerais em 1941, perfazendo o circuito modernista pelas cidades históricas, além de Paraná, interior do Rio de Janeiro e São Paulo, atendendo aos objetivos do prêmio. Em 39 já havia ido para Sabará e Ouro Preto, registrando uma série de paisagens da arquitetura colonial e o seu entorno. (AULICINO; Marcos Rodrigues, “O próximo distante, o distante próximo”, CAMPINAS, UNICAMP – IFCH – 2007)”.

Com a Exposição Moderna de 1944, talvez, pela primeira vez a produção de Belo Horizonte tenha conseguido alguma visibilidade fora das fronteiras de Minas Gerais. A partir deste momento  e principalmente nos governos municipais seguintes ao de Juscelino, Guignard passou a ser implacavelmente perseguido por seus opositores, liderados pelo arquiteto e desenhista Aníbal de Mattos, acadêmico, bem como pelos dois sucessores de Juscelino na prefeitura de Belo Horizonte, cujas visões e tendências em termos de apoio às artes eram também acadêmicas e tradicionalistas.  Quem relata com detalhes este período é o jornalista e escritor Frederico Morais, em seu livro Alberto da Veiga Guignard (Editora Monteiro Soares Editores e Livreiros,1979).

Carlos Zílio foi aluno do artista Iberê Camargo e hoje é artista plástico, pesquisador e crítico.  É pesquisador e estudioso da obra de Guignard, sob o foco de sua inserção no contexto da arte moderna como um todo, sem perder de vista as suas próprias especificidades técnicas e criativas, levando em conta as especificidades do ambiente intelectual e artístico da Capital Mineira, no qual estava profundamente imerso nos seus últmos 18 anos. Zílio afirma que o mais importante da obra de Guignard está na diluição da figura e do fundo provocando uma dissolução do espaço formal e das pessoas retratadas em seus quadros. Este autor está mais preocupado com as questões estéticas e territorializadas da arte em Guignard, do que, propriamente em questões de caráter biográfico.  Assim sendo nos oferece uma análise mais aprofundada de sua obra paisagística partindo do ponto de vista estético e sígnico no contexto da arte moderna brasileira.

Considerando-se que, do ponto de vista da sociologia, a arte é um sistema de comunicação inter-humana (ARAGÃO, Solange; Comunicante-comunicado-comunicando: método de estudo de obras de arte; II Encontro de História da Arte, IFCH-Unicamp, 27 a 29 de Março de 2006, Campinas, SP), artista, obra e público devem ser levados em conta e inter-relacionados entre si quando o objeto de estudo é qualquer um desses três elementos.

A história da Arte tem por premissa a importância de se transmitir e conservar a memória dos fenômenos artísticos com seus sujeitos e objetos, situando-os no contexto da civilização. Portanto, em seus estudos e investigações, interessa sobremodo o valor de um objeto artístico, não medido em cifras monetárias, mas enquanto objeto de significação e representação, que faz dele produto e mensagem ao mesmo tempo, remetendo-o diretamente à  sua origem e destino: o artista, espelho e síntese do homem de seu tempo. Interessa o valor do objeto artístico enquanto vestígio e reflexo do homem enquanto ser singular e universal que é; o homem histórico e antropológico.

Neste sentido a obra de Guignard, ainda tão pouco explorada por nossas instituições artísticas e educacionais, pode oferecer um novo prisma no que tange a uma identidade genuinamente brasileira (ainda que diversa e não excludente em relação a tantas outras manifestações artísticas nacionais) no painel artístico pictórico moderno nacional. Esta identidade, retratada nas imagens que reúnem o povo, as festas, a religiosidade e a paisagem montanhosa típica das regiões históricas de Minas, tem hoje o poder de lançar o “contemplador” num estado de aspiração ou desejo de um tempo-espaço que partindo daquele experimentado em tais lugares (Minas histórica/ Minas montanhosa) o transcende, à medida que se reconstrói idealmente na sua imaginação poética.

Mas… que importância teve Guignard  para o seu tempo? Que importância tem para o nosso, bem como às gerações futuras do nosso Brasil culturalmente despedaçado? Guignard tem para o homem de todos os tempos e especialmente para o homem brasileiro, a importância da direção para onde aponta o seu olhar contemplativo: o desejo do ser humano de plenitude, de harmonia com o meio, de felicidade; a importância da integração harmoniosa entre homem e paisagem, homem e contexto histórico social, homem e espiritualidade.

Por Iura Breyner Botelho – Pós graduação em História das Artes – Crítica e Teoria – FPA – Faculdade Paulista de Artes – 2012. Iura Breyner Botelho é colaboradora do IFE Campinas.