Abrir ou fechar a mente?


Ilustração que acompanha o artigo na versão impressa.

Ilustração que acompanha o artigo na versão impressa.

 

Fazia tempo que procurava resposta à pergunta da mente aberta, pois, depois de um tempo, descobri que deixar a mente sempre aberta fazia mal e era preciso, assim como a boca, fechá-la em algum momento, não de modo estático, mas dinâmico. Essa resposta veio quando li uma citação de Chesterton: “Uma mente aberta é realmente um sinal de loucura, como uma boca aberta. Bocas e mentes foram feitas para fechar; foram feitas para abrir somente com o intuito de fechar.”

Antes de desenrolar a citação, qual era exatamente minha pergunta? Eu me indagava, depois de constatado que fazia mal seguir o moderno preceito “Abra sua mente”, que era preciso de algum modo ter a cabeça fechada, mas não sempre fechada, o que também faria mal, uma vez que, sempre fechada, eu ficaria preso e não teria acesso a conhecimentos que a vida pode oferecer.

Além disso, o preceito de “Abra sua mente” carrega em si o significado de que é preciso abrir a mente mesmo quando sua consciência diz que não convém abri-la; também carrega em si muitas vezes que se deve abrir a mente a tudo – daí Chesterton fazer a relação entre o abrir e a necessidade do fechar, pois deixar sempre aberta inclui receber tanto coisas boas como ruins. Nesse sentido, não queria nem um extremo nem outro: nem mente sempre fechada, nem mente sempre aberta. Mas como resolver esse dilema?

Chesterton, com sua linguagem poética e literária, deu-me a resposta: é preciso abrir a mente, porém, ademais, é preciso fechá-la, semelhante à boca. A princípio, isso pode parecer um pouco difícil, mas vejamos como não é.

O exemplo que ele fornece da boca e o aplica à mente é o de que, assim como a boca quando aberta precisa ser fechada, também a mente precisa ser fechada. A boca sempre aberta faria mal à saúde, pois correríamos o risco de respirar a todo tempo pela boca e o ar não ser filtrado devidamente pelo nariz. Ao mesmo tempo, caso deixássemos a boca sempre fechada, prejudicaríamos nossa saúde, pois levaríamos nosso corpo ao enfraquecimento por não abrir a boca para comer.

Analogamente, o mesmo se aplica à mente, à cabeça. Se fecharmos nossa mente sempre, nos privamos do conhecimento em geral, como daquilo que é necessário para a vida, tanto para nós como para a sociedade, dado que precisamos, por exemplo, adquirir conhecimentos próprios da vida prática, como aprender de alguém como se conserta isto ou aquilo; ou próprios da vida da cultura, como aprender pela experiência de outro como se resolve tal ou tal problema na vida; ou próprios da vida interior, como algo relativo a uma virtude que traz felicidade.

Ao contrário, se deixarmos nossa mente sempre aberta, recebemos tanto coisas boas como ruins, conhecimentos que não são saudáveis, como um colega – porque amigo de verdade não o faz – sugerindo “abra sua mente, experimente isso (uma droga ilícita qualquer que conduz posteriormente a uma vida frustrada)”, ou “abra sua mente, os tempos mudaram, seja mais permissivo (como se o ‘tempo’ em si mudasse e não fossem as pessoas que mudassem ao longo do tempo, de modo a configurar uma época diferente da outra)”.

Enfim, para ver o risco da história do “abra sua mente” sem seu respectivo fecho, basta pensar em quantos jovens não entraram no caminho dos narcóticos e a escravidão que isso lhes trouxe; em quantos casais não se esfacelaram; em quantos filhos não deram mais trabalho; entre outros. Porque o abrir e o fechar a mente estão ligados à nossa liberdade, isto é, à liberdade de dizer “sim” ou “não” diante de algo.

Aí faz sentido quando Chesterton fala de a mente ter o objetivo de ser fechada, como o de fechá-la diante de algo ruim, exercendo a vontade livre de dizer “não” em determinadas circunstâncias, para evitar infortúnios. Por exemplo, um pai responsável não irá “abrir sua mente” para dar energético ao filho de cinco anos só “porque os tempos mudaram”; dirá “não” para prevenir danos.

Evidentemente, deixar a mente sempre fechada faz mal, assim como seu inverso. Contudo, deixá-la sempre aberta é risco inevitável, uma vez que tanto coisas boas como ruins entrarão nela e isso, mais tarde, terá um preço. Essa abertura ininterrupta (ter mente sempre aberta a tudo) tende a seguir modas, evitando parecer “demodê”, “careta” etc.; porém, isso custa a perda de identidade, pois sujeita a vontade própria à opinião alheia. Contudo, numa dinâmica “saudável” de saber abrir e fechar a mente mediante a boa vontade, discernindo o que é benéfico ou não, eis um modo de resolver a questão.

João Toniolo é mestre e doutorando em Filosofia e Gestor do Núcleo de Filosofia do IFE Campinas (joaotoniolo@ife.org.br)

Artigo publicado originalmente no jornal Correio Popular, edição de 17/11/2015, Página A2 – Opinião.