A Ideologia Laicista

Sem Categoria | 15/12/2014 | |

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O laicismo já não é aquele elemento de neutralidade que abre espaços de liberdade a todos. Começa a transformar-se em uma ideologia que se impõe por meio da política e não concede espaço público à visão da religião, que corre o risco de converter-se em algo puramente privado e, no fundo, mutilado.

Entende-se por Estado confessional aquele que se vincula a determinado credo religioso e compromete-se a transportar para a vida civil as exigências sociais e políticas tal como são defendidas pela hierarquia eclesiástica correspondente. É emblemática a imagem da coroação de Dom Pedro II, retratada por Araújo Porto Alegre em seu famoso quadro (Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro). Aliás, a Constituição do Império (1824) subscrevia o caráter confessional de nosso Estado.

Contudo, hoje, o laicismo, propositadamente, utiliza a expressão “confessional” de forma genérica, sobretudo quando os poderes públicos tomam medidas com conteúdo ético-material de raiz ideológica ou religiosa. Como se fosse possível que qualquer ação estatal pudesse, por sua neutralidade, não incorporar qualquer matiz desta natureza. É algo dificilmente imaginável.

O laicismo, portador de uma agressividade ideológica secular preocupante, vai mais além quando rejeita a singela possibilidade de as confissões serem vetores na construção da vida social. Defende não ser suficiente a estrita separação entre Estado e religião, mas o completo isolamento da religião do próprio âmbito público da sociedade, acantonando-a nos lares, já que o cidadão só teria direito a exercer um credo de natureza intimista. Afinal, “é incabível impor as próprias convicções aos demais”.

A assertiva é curiosa. Quando se fala de “convicção”, imediatamente, pensa-se naqueles que professam alguma confissão religiosa. Então, os incrédulos seriam cidadãos sem convicções. Como conseqüência, justamente por não estarem convencidos de nada, sua opinião deveria ser exclusivamente decisiva no momento de se estabelecer um consenso democrático a respeito de uma tema de interesse geral. Trata-se de um verdadeiro paradoxo.

Certamente, não faltará um constante patrulhamento em todo cidadão que se sinta convencido além da conta e, então, sua opinião será recebida como um mero juízo lastreado nuns princípios religiosos, dos quais estaria prisioneiro por neles crer piamente ou por ainda não ter superado sua menoridade intelectual. Assim, a deliberada intenção de converter os cidadãos que acreditam em uma fé em uma classe social de categoria secundária não deixaria de ser uma piada, porquanto proveniente de suas presumidas e impotentes vítimas.

O laicismo, ao relegar à nulidade o papel do religioso na sociedade, avoca a si o vácuo deixado e transforma-se na única doutrina confessional, obrigatória a todo o cidadão, à semelhança dos partidos únicos dos regimes comunistas. É feita uma blindagem, de natureza fundamentalista, a qualquer outra opção. A dimensão pública do religioso é retirada de qualquer debate plural.

Pelo contrário, a laicidade consiste em ter em conta, no âmbito público, as várias crenças religiosas dos cidadãos, de maneira que se dá o devido destaque ao exercício do direito individual à liberdade religiosa, com absoluta separação entre Estado e religião. Por conseguinte, as confissões religiosas deixam de ser co-autoras no teatro da vida política e econômica e tornam-se meios eficazes para que os cidadãos possam viver privada e publicamente suas convicções.

Precisamos de uma sociedade livre, democrática e pluralista, na qual as pessoas tenham a possibilidade de aderir livremente às verdades objetivas, que são plenamente compatíveis com a laicidade de um Estado, gerando um todo harmônico. A indisfarçável proposta do laicismo, expressão de um certo racionalismo, redundará, mais cedo ou mais tarde, no relativismo, a antessala dos totalitarismos do século XX, pródigos na destruição de gerações, vidas e das próprias sociedades liberais secularizadas, pois estas vivem de pressupostos que elas mesmas não têm condições de assegurar.

André Fernandes (IFE Campinas)