Se olharmos para a atual elite brasileira, encontraremos muitos daqueles jovens hippies de “maio de 68”, que envelheceram e hoje compõem as fileiras do sucesso, ocupando os principais postos de poder do país. São professores titulares em universidades, chefes de redação de jornais, diretores de televisão, cineastas, escritores, músicos consagrados, altos funcionários públicos, líderes religiosos e grandes empresários. Como diz a máxima de que para conhecer um homem basta lhe dar poder, assim aprendemos o real significado da herança cultural recebida de “woodstock”.
Quer conhecer essa herança? Caminhe pelos corredores das nossas escolas: professores afastados por psiquiatras, indisciplina, drogas, cenário de gueto. Não gostou? Então, visite a faculdade de filosofia ou ciências sociais de alguma universidade. Não é um cortiço, um boteco, um sindicato, a sede do partido comunista ou a maconholândia. É simplesmente o lugar onde as cabeças do país aprendem a “pensar”, com o dinheiro que você paga em impostos. Quer mais? Assista à televisão, ouça as músicas no rádio e acompanhe os últimos lançamentos editoriais. Supérfluo demais? Que tal os índices de violência e criminalidade nas grandes, médias e pequenas cidades do país? Já chega?
Compreender a origem desta verdadeira devastação cultural, facilmente percebida pelo senso comum, é um assunto complexo, matéria para um livro e não para um artigo. Mas certamente ela passará pela influência das ideologias que circulavam naquela época e que hoje pautam todas as discussões públicas, inspirando desde as decisões do governo até as teses de mestrados nas faculdades. Sua influência é tão forte que atinge as raias de uma verdadeira hegemonia, duramente conquistada durante os últimos cinquenta anos, por meio de um lento e bem sucedido processo de ocupação de postos estratégicos e a exclusão de todo pensamento discordante.
Neste contexto, é fundamental percebermos que nossas mazelas não se reduzem a um mero problema de política econômica e social (inflação, juros, saúde, planejamento urbano etc), mas refletem uma crise mais profunda, que corrói as instituições e ameaça as bases da sociedade. Grande parte dela é provocada por inspiração destas ideologias que, levadas pela retórica da “revolução”, têm destruído nossos principais referenciais éticos, submetendo-nos como cobaias às suas técnicas de reengenharia social, a pretexto de construir um mundo perfeito, supostamente mais igualitário e tolerante.
Por isso, há uma grande tarefa a ser feita, sem a qual nenhuma ação será suficiente para conter esta crise: a difícil tarefa de restaurar a riqueza cultural e moral do país. Um povo é a sua cultura e ela vai muito além de finanças, indústrias e shoppings centers. Uma cultura se faz com valores, expressos nas manifestações mais altas do intelecto humano. Aquilo que um povo pensa a respeito de si mesmo, da vida, da condição humana, vai refletir, evidentemente, nos consultórios médicos, nas decisões dos juízes, nas salas de aula, nas pesquisas científicas, nas empresas, no comércio, em tudo. E são estas concepções profundas, fundadas em verdadeiros valores, que podem nos proteger do perigo das ideologias.
Há quem tema o futuro, diante do estrago que está sendo feito na educação e na saúde mental dos brasileiros. Mas convido a um olhar mais atento, que não fique paralisado no primeiro assombro. A atual ostentação de poder e prestígio desta nova “velha elite” é apenas aparente, pois embora tenha atingido a tão sonhada hegemonia, nunca esteve tão exposta em sua fraqueza e decadência, que vão muito além da corrupção já tão evidente.
Por outro lado, em meio aos frutos amargos desta crise, existem muitos, mais do que se pensa, comprometidos com um esforço sério para sanar a loucura que parece ter tomado conta do nosso tempo. “Uma árvore que cai faz muito mais barulho do que a floresta que cresce”. Em algum momento será inevitável o confronto, que romperá, finalmente, o silêncio que paira sob os escombros da desordem. Pode até soar mal em tempos de tanto pacifismo, mas nossa esperança depende da vinda de uma necessária “guerra cultural”, que ponha fim à dominação ideológica e revitalize a nossa democracia.
João Marcelo Sarkis, formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), analista jurídico do Ministério Público de São Paulo, gestor do Núcleo de Direito do IFE Campinas.
Artigo publicado no jornal Correio Popular, 20 de fevereiro de 2014, Página A2 – Opinião.